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Protestos são oportunidade para "Obama brasileiro", diz analista

21 jun 2013 - 08h10
(atualizado às 08h30)
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Os protestos de rua que se multiplicaram pelo Brasil nas últimas duas semanas são um alerta aos políticos para a necessidade de não apenas vencer eleições, mas ouvir com mais atenção as demandas populares - em outras palavras, não apenas "ganhar nas urnas", mas também "ganhar nas ruas", como colocou um especialista em política internacional americano.

Ele disse ainda que os protestos abrem espaço para o surgimento de políticos que, na linha do presidente americano Barack Obama, priorizem "investimentos em saúde e educação em vez destinar recursos volumosos para a Copa do Mundo".

No dia em que os dirigentes de uma dúzia de cidades brasileiras retrocederam e revogaram aumentos das tarifas de transporte público, o diretor da Escola de Política Aplicada da Universidade George Washington, Mark Kennedy, avaliou que os protestos são uma oportunidade para os brasileiros "amadurecerem como cidadãos" e "levarem a democracia brasileira um passo adiante".

"A complexidade dos diversos níveis de governo no Brasil, que de certa forma conseguem insular os políticos da influência direta das pessoas, explica um pouco da frustração. As pessoas sentem que não têm influência nem contato com os políticos para além do momento eleitoral", disse o especialista à BBC Brasil.

"O que houve esses dias os deixará mais conscientes de que não apenas precisam vencer nas urnas, mas também nas ruas. Precisam responder melhor às necessidades básicas que foram evidenciadas por esses protestos."

A suspensão dos aumentos das passagens foi comemorada em passeatas e nas redes sociais, onde muitos, inclusive uma líder do Movimento Passe Livre, expressaram a opinião de que a "batalha" das passagens foi vencida, mas a "luta" continua. A questão agora parece ser definir qual é luta, e em que direção ela continua.

Corrupção e desigualdade

Nos últimos dias, os brasileiros saíram às ruas portando cartazes que pregavam bandeiras tão variadas quanto serviços públicos de qualidade (principalmente saúde e educação), o rechaço aos gastos exorbitantes com a Copa do Mundo e o fim da corrupção.

A corrupção, em particular, tem dominado a agenda desde os anúncios das revisões das tarifas de transporte. Dentro deste tema, a revolta é maior contra a lentidão na aplicação das sentenças do julgamento do mensalão e possível aprovação do projeto de lei PEC 37, que concentraria as investigações judiciais na polícia e não no Ministério Público.

Mas o leque das demandas ainda é tão amplo que pode, alerta Mark Kennedy, condenar os protestos ao mesmo fim do chamado movimento Ocupe, que expressou uma mensagem clara, porém difusa, para a classe política mundial no tema da igualdade econômica.

É justamente este tema - a desigualdade - que a socióloga da Universidade do Texas em Austin, a brasileira Leticia Marteleto, vê despontar como eixo dos protestos. O que começou como um movimento para a redução das tarifas de transporte em São Paulo, argumenta, foi somente a "ponta do iceberg" de uma reivindicação por maior mobilidade urbana, o direito às populações da periferia de ganhar mais acesso à cidade - em última instância, crê a socióloga, a ter acesso ao Brasil que, no exterior, passa a imagem de um país quase desenvolvido.

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Para Marteleto, ao mesmo tempo que os protestos expressam a irritação e o cansaço com o status quo, também deixam transparecer um desejo dos brasileiros de aprofundar as suas conquistas democráticas.

"A gente tem pensado a desigualdade do Brasil em vários aspectos: econômico, racial, de gêneros. Por que não pensar também essa outra forma de desigualdade?", questiona. "Oitenta e cinco por cento da população brasileira moram em área urbana e quem mora na periferia não tem acesso à cidade", lembra.

"Uma grande herança desse movimento seria não abandonar aquele primeiro cerne do movimento. Seria pensar as cidades de uma maneira mais inclusiva, e como resolver essas desigualdades que nos restam de uma maneira mais direta, com políticas concretas."

Candidato "Obama"

São possíveis agendas para um movimento que continua funcionando relativamente livre de lideranças e afastado de figuras políticas. O que na opinião dos entrevistados tem sido até agora uma de suas forças. Mas que poderia se converter em uma de suas fraquezas.

"Existe uma oportunidade, creio, para pessoas com perfil mais democrático adotarem uma atitude de pivô, uma espécie de (Barack) Obama que priorize, por exemplo, os investimentos em saúde e educação em vez destinar recursos volumosos para a Copa do Mundo", diz Mark Kennedy. "Há também oportunidade para o aparecimento de um candidato limpo, anticorrupção", acrescenta.

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Questionado pela BBC Brasil sobre se este candidato "azarão" não poderia acabar se revelando um novo Fernando Collor de Mello, Mark Kennedy respondeu que este "não é um temor instintivo" para quem olha os protestos de fora. "Há na história brasileira exemplos autoritários ou utópicos demais, e nenhum dos dois leva a bons resultados", afirmou. "Cabe aos brasileiros amadurecer como cidadãos e discernir se estão sendo levados pelo bom ou o mau caminho."

Letícia Marteleto também acredita que a democracia brasileira está suficientemente consolidada para que a força política dos protestos seja traduzida em transformações positivas.

"É difícil explicar isto para quem está fora, principalmente porque o Brasil está sendo visto como bombando no exterior", afirma "Algumas pessoas acham que isso é terrível para a imagem do Brasil; eu acho que não, acho que é um símbolo de democracia e a gente tem é que empurrar para as coisas melhorarem, e reivindicar mesmo".

Cenas de guerra nos protestos em SP

A cidade de São Paulo enfrenta protestos contra o aumento na tarifa do transporte público desde o dia 6 de junho. Manifestantes e policiais entraram em confronto em diferentes ocasiões e ruas do centro se transformaram em cenários de guerra.

Durante os atos, portas de agências bancárias e estabelecimentos comerciais foram quebrados, ônibus, prédios, muros e monumentos pichados e lixeiras incendiadas. Os manifestantes alegam que reagem à repressão da polícia, que age de maneira truculenta para tentar conter ou dispersar os protestos.

Veja a cronologia e mais detalhes sobre os protestos em SP

Mais de 250 pessoas foram presas durante as manifestações, muitas sob acusação de depredação de patrimônio público e formação de quadrilha. A mobilização ganhou força a partir do dia 13 de junho, quando o protesto foi marcado pela repressão opressiva. Bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Polícia Militar na rua da Consolação deram início a uma sequência de atos violentos por parte das forças de segurança, que se espalharam pelo centro.

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O cenário foi de caos: manifestantes e pessoas pegas de surpresa pelo protesto correndo para todos os lados tentando se proteger; motoristas e passageiros de ônibus inalando gás de pimenta sem ter como fugir em meio ao trânsito; e vários jornalistas, que cobriam o protesto, detidos, ameaçados ou agredidos.

As agressões da polícia repercutiram negativamente na imprensa e também nas redes sociais. Vítimas e testemunhas da ação violenta divulgaram relatos, fotografias e vídeos na internet. A mobilização ultrapassou as fronteiras do País e ganhou as ruas de várias cidades do mundo. Dezenas de manifestações foram organizadas em outros países em apoio aos protestos em São Paulo e repúdio à ação violenta da Polícia Militar. Eventos foram marcados pelas redes sociais em quase 30 cidades da Europa, Estados Unidos e América Latina.

As passagens de ônibus, metrô e trem da cidade de São Paulo passaram a custar R$ 3,20 no dia 2 de junho. A tarifa anterior, de R$ 3, vigorava desde janeiro de 2011. Segundo a administração paulista, caso fosse feito o reajuste com base na inflação acumulada no período, aferido pelo IPC/Fipe, o valor chegaria a R$ 3,40.

O prefeito da capital havia declarado que o reajuste poderia ser menor caso o Congresso aprovasse a desoneração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para o transporte público. A proposta foi aprovada, mas não houve manifestação da administração municipal sobre redução das tarifas.

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