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Regularizar recursos no exterior pode favorecer corruptos?

12 nov 2015 - 07h07
(atualizado às 08h03)
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Projeto que permite regularizar recursos enviados ao exterior teve vitória apertada na Câmara
Projeto que permite regularizar recursos enviados ao exterior teve vitória apertada na Câmara
Foto: Agência Câmara

Após muita polêmica e negociação, o governo finalmente conseguiu aprovar na noite da última terça-feira (10) na Câmara dos Deputados um projeto de lei que permite que pessoas que levaram recursos de origem lícita para o exterior sem declarar à Receita Federal possam se regularizar, pagando multa e imposto.

A vitória teve margem apertada – 230 votos a favor e 213 contra.

O objetivo principal é tentar arrecadar impostos que foram sonegados, tendo assim uma nova fonte de recursos para enfrentar o rombo fiscal (déficit nas contas públicas). Para isso, o projeto ainda tem que ser aprovado no Senado.

A proposta do governo, no entanto, vem sofrendo muita resistência porque seus críticos veem risco de que brechas no texto da lei possam permitir que recursos de origem ilícita – por exemplo, fruto de corrupção ou tráfico de drogas – também sejam regularizados.

Deputados da oposição inclusive dizem que o projeto de lei, caso aprovado, ameaça o êxito da Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobras.

A própria Procuradoria-Geral da República soltou semana passada uma nota técnica em que se opõe ao projeto. Na sua avaliação, a aprovação de um programa desse tipo "poderá prejudicar os procedimentos de recuperação de ativos (ilícitos no exterior) que têm sido exitosos e estão em curso".

A votação se arrastou até mais de 23h e foi concluída após aprovação de uma emenda apresentada pelo deputado Bruno Covas (PSDB-SP) proibindo que detentores de cargos públicos e seus parentes possam aderir ao programa.

Isso representou uma derrota para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tentou impedir a análise da emenda sob a justificativa de que ela já havia sido rejeitada em consulta simbólica. Os parlamentares exigiram a votação formal e aprovaram com 351 votos a inclusão desse artigo no texto base aprovado pouco antes.

Cunha é acusado pela Procuradoria-Geral de ter se beneficiado do esquema de corrupção da Petrobras. Ele tem milhões de dólares não declarados depositados na Suíça, mas diz que o dinheiro foi acumulado licitamente com a exportação de alimentos para a África nos anos 80 e operações no mercado financeiro.

Para Procuradoria-Geral, projeto pode atrapalhar recuperação de ativos ilícitos
Para Procuradoria-Geral, projeto pode atrapalhar recuperação de ativos ilícitos
Foto: Agência Brasil

Arrecadação

Segundo o relator do projeto na Câmara, deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), há algo entre R$ 400 bilhões e R$ 600 bilhões em recursos brasileiros de origem lícita não declarados lá fora. Se todos aderissem, o que é improvável, o país poderia arrecadar até R$ 180 bilhões, estima.

Caso a lei entre em vigor, parte do valor recolhido será repassado para estados e municípios.

"É dinheiro que está lá fora, sem servir ao país, e poderá ser regularizado. Esse programa pode salvar muita coisa, nós estamos com país quebrado", disse o peemedebista à BBC Brasil.

Para aprovação do texto, Júnior acabou cedendo a pressões para alterar alguns pontos polêmicos que ele havia inserido no texto enviado pelo governo.

"O ajuste fiscal está andando", comemorou o líder do governo José Guimarães (PT-CE), após a votação.

Outros países

O programa proposto pelo governo não é uma invenção brasileira. Projetos de regularização de recursos lícitos remetidos indevidamente ao exterior já foram adotados por muitos países, observa Everardo Maciel, diretor da Receita Federal no governo FHC, com objetivo de evitar perdas de arrecadação para o país.

Na tribuna da Câmara, Manoel Júnior citou 45 países que já adotaram o programa, entre eles Estados Unidos, Alemanha, Portugal, China, Japão, México, Chile, Rússia e Turquia.

Segundo Maciel, esses programas enquadram recursos adquiridos por atividades legais (venda de produtos, remuneração por serviços prestados, etc.), mas que foram sonegados e remetidos ilegalmente para contas fora do país por meio de lavagem de dinheiro.

A princípio, explica, o objetivo é perdoar apenas crimes tributários (sonegação de impostos, falsificação de documentos tributários, etc.) e financeiros praticados para levar esses recursos não declarados ao exterior, como lavagem e evasão de divisas.

Líder do governo, José Guimarães (PT-CE) comemorou aprovação de medida polêmica
Líder do governo, José Guimarães (PT-CE) comemorou aprovação de medida polêmica
Foto: Agência Câmara

No entanto, o projeto sofreu alterações na Câmara com inclusão da previsão de anistia para outros crimes, no caso de adesão ao programa de regularização.

Devido à forte resistência ao aumento de rol de crimes a serem perdoados, Manoel Júnior voltou atrás e apresentou um novo texto mais parecido com a proposta original do governo – excluiu por exemplo o crime de caixa 2, de associação criminosa e de operação de instituição financeira sem autorização, inclusive para operação de câmbio.

Um dos pontos mais polêmicos foi a tentativa de inclusão da possibilidade de perdão para o crime descrito no artigo 11 da lei 7.492: "manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação".

É justamente esse artigo que é usado para criminalizar o caixa 2, de modo que sua inclusão no projeto de lei gerou acusações de tentativa de permitir a legalização recursos frutos de corrupção.

Segurança jurídica

De acordo com Manoel Júnior, as alterações buscavam dar mais segurança jurídica a quem aderisse ao programa, pois se houver risco de a pessoa ser criminalizada, ela não vai querer se regularizar.

"Por exemplo, eu coloquei lá no texto o crime de associação criminosa, fizeram um escarcéu. Associação criminosa não tem nada ver com organização criminosa. Associação criminosa é o seguinte: uma empresa fez uma maquiagem contábil e levou US$ 1 milhão para fora do país. O dono da empresa, o gerente e o contador fizeram uma associação criminosa", explicou.

Peemedebista Manoel Júnior tentou fazer alterações no projeto, mas teve de voltar atrás
Peemedebista Manoel Júnior tentou fazer alterações no projeto, mas teve de voltar atrás
Foto: Agência Câmara

Maciel também destaca a importância da segurança jurídica para que o programa seja de fato bem-sucedido na regularização ampla de recursos expatriados. Na sua visão, porém, tanto o texto enviado pelo governo quanto o substitutivo do relator são "muito confusos" e não dão essa garantia.

"Uma coisa fundamental em um projeto dessa natureza é que ele seja claro, porque ninguém vai se aventurar a arrumar uma encrenca para o resto da vida com uma coisa que não está clara", notou.

"Os dois (projetos) são ruins, está uma disputa para ver qual é o pior. Se alguém trouxer um dinheiro desse, o Ministério Público vai em cima dele, porque está mal feito", ressaltou também.

Proteção contra investigação

Outro ponto do projeto que foi alvo de críticas de deputados e Procuradoria-Geral é a previsão de que informações e documentos usados na declaração da pessoa que aderir ao programa não podem ser usados em investigações contra ela, a não ser que haja outras evidências documentais não relacionadas à declaração.

Nem mesmo na hipótese de o contribuinte ser excluído do programa por apresentar documentação falsa a declaração pode ser base única para uma investigação.

O relator destacou que o primeiro artigo do projeto de lei deixa claro que apenas recursos "lícitos" podem ser regularizados. No entanto, os críticos consideram que da forma como o texto está redigido não há garantia de fato de que o declarante tenha que comprovar isso.

"Se o dinheiro é lícito, que problema tem o contribuinte de comprovar a origem? Não há como saber a origem deste dinheiro pelo projeto, ou seja, pode ser do narcotráfico", afirmou o líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR).

Projeto é uma das medidas defendidas pelo governo para o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy
Projeto é uma das medidas defendidas pelo governo para o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy
Foto: Ag. Brasil) / BBC News Brasil

Já a líder do governista PC do B, deputada Jandira Feghali (RJ), defendeu a medida. "Entendo a luta política, não há nenhum dispositivo que acoberte corruptos na proposta, esse projeto acompanha iniciativas internacionais e não é inovação no país", disse.

Exigência externa

Segundo Everardo Maciel, G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) e OCDE (organização que reúne países desenvolvidos) estão promovendo uma integração entre seus membros para troca automática de informações fiscais, o que vai contribuir para o combate da evasão de divisas.

Os países vêm criando esses programas de regularização de recursos expatriados dentro desse processo de integração, para permitir que os contribuintes se regularizem, aumentando assim a arrecadação.

O aumento da fiscalização gerado pelo aumento de troca de informações entre os Fiscos desses países tende a ser um incentivo para que as pessoas se regularizem.

De acordo com o deputado Manoel Júnior, esse processo prevê que os países desses grupos criem o programa até janeiro de 2018.

Algumas nações têm criado programas permanentes. No caso do Brasil, a proposta é que seja temporário, tendo duração de alguns meses apenas. Depois disso, não seria mais possível aderir.

Segundo o projeto de lei, apenas recursos depositados no exterior até 31 de dezembro de 2014 podem ser regularizados – após isso, o dono pode trazer o dinheiro para o Brasil ou mantê-lo lá fora.

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