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Presidiárias trabalham em gráfica pela liberdade no RS

10 abr 2011 - 14h13
(atualizado às 15h05)
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Letícia Heinzelmann
Direto de Porto Alegre

Mulheres diferentes, mas com histórias de pobreza, ganância ou amores bandidos em comum, habitam a cozinha e a copa da Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag). Há seis anos, a empresa estatal mantém um convênio com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) para que presas do regime semiaberto trabalhem no local. Elas ganham treinamento e uma chance de recomeçar suas vidas num novo rumo, recebendo salários e redução da pena.

Presas trabalham na cozinha da Corag com o mestre Nicanor da Silva
Presas trabalham na cozinha da Corag com o mestre Nicanor da Silva
Foto: Tiago Belinski / Divulgação

"É muito gratificante saber que contribuímos com a construção de um novo futuro para essas mulheres. Elas terminam suas penas e têm uma profissão. Muitas hoje trabalham em restaurantes e hotéis até em outros Estados", diz o presidente da Corag, Homero Alves Paim. Quem coordena os trabalhos é a delega Maria José Diniz, responsável pela recém criada - em 17 de março - Delegacia Penitenciária da Mulher no Brasil.

Ela conta que, das 2,11 mil presas - nos regimes fechado, semiaberto e aberto - no Rio Grande do Sul, 938 trabalham, segundo dados fechados de dezembro de 2010. No Brasil, são 8,6 mil trabalhadoras num total de 28.188 presidiárias. Esses trabalhos englobam atividades dentro das unidades prisionais, em órgãos públicos, para a iniciativa privada e ongs, no campo ou com artesanato.

Puxando cadeia

Hoje, 15 detentas que vivem na Casa Albergue Feminino (CAF) atuam na Corag. Elas contam que é mais fácil "puxar cadeia" - como dizem - trabalhando, e trabalhar estando entre outras presas. "Uma dá força para a outra", explica Fernanda Gomes de Carvalho, 30 anos, que está albergada pela segunda vez. Na primeira, trabalhou numa lanchonete no centro de Porto Alegre e acabou foragindo.

"Gostava do trabalho - já trabalhava em restaurante antes - e era bem tratada pelos patrões, mas sentia discriminação ou medo das outras pessoas por ser presidiária", diz, acrescentando que na gráfica não sente essa reação e não pensa mais em fugir. Presa por tráfico, quer seguir na função até obter sua liberdade condicional.

Mais valor

A paulista Fernanda Cristina Exposito, 34 anos, já conseguiu a sua. Ela conversou com o Terra no dia em que dava início à condicional. Como a maioria das mulheres ali, foi presa por tráfico. Como a maioria delas, levada pelo companheiro. A diferença é que apenas Fernanda Cristina diz que não sabia do envolvimento do ex-namorado e pai de suas filhas gêmeas com as drogas e, muito menos, que ele havia escondido 100 kg de cocaína num fundo falso de seu carro.

Fernanda Cristina é formada em Ciências Contábeis, cursava faculdade de Guarani no Paraguai e ainda fala espanhol e inglês. O juiz não acreditou que a jovem estudada e poliglota pudesse não saber do que se passava debaixo de seu nariz. Nem ela acredita. Como a maioria daquelas mulheres, se arrepende de seu crime. "Hoje, não faria aquilo, não dirigiria aquele carro. Nunca soube de nada, até hoje não sei, porque não falei mais com o pai das minhas filhas, mas deveria saber. Pensando bem, agora, todos os indícios estavam ali", fala.

O que mais faz falta para Fernanda Cristina é a convivência com as gêmeas, que hoje têm 4 anos e vivem com a avó materna em Vargem Grande do Sul, a 192 km de São Paulo. Tinham pouco mais de 1 ano quando a mãe foi presa. "Sei que elas já nem me conhecem mais. Estou buscando autorização para viajar e passar uma semana com elas, retomar contato. Mais tarde quero trazê-las para cá", revela. Ela já tem convite para um novo trabalho na Corag. "Quero ficar. Sinto que aqui dão mais valor a minhas capacidades e formação do que davam antes em minha cidade."

Vida bandida

Já Rosinha Silva da Silva, 41 anos, sabia exatamente o que estava fazendo quando abandonou marido e filhos para embarcar numa vida de crimes. "Meu irmão era meu ídolo e, quando ele morreu, senti que deveria dar continuidade ao que ele fazia", conta sobre o irmão mais novo, morto na prisão. O que ele fazia era traficar. Logo, ela se apaixonou por um membro de uma quadrilha de roubos a bancos e carros-fortes. Aos assaltos, se somaram ainda homicídios em sua lista de crimes, o que ela mais se arrepende.

Rosinha diz que os anos de bandidagem não valeram a pena, pois resultaram no afastamento de sua família. Antes de ser presa, ela ainda passou cinco anos fugindo da polícia. Porém, se orgulha de ter "juntado um pacotinho" para garantir os cuidados com os filhos nos períodos de fuga e agora na prisão. Também se orgulhava de figurar entre os mais procurados do Estado. Conta que só foi presa porque foi baleada e ficou em coma num hospital, pois "não era páreo para a PM".

A fama lhe rendeu uma pena de mais de 24 anos. Os primeiros cinco foram cumpridos na Penitenciária de Segurança Máxima de Charqueadas, na região metropolitana de Porto Alegre. A maioria de suas colegas cumpriram pena na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, na capital. Havia o risco dela ser resgatada por sua quadrilha. O tempo lhe deu serenidade. Começou a escrever sua história e, hoje, está determinada a contar sua virada no final: livre, com um trabalho honesto e ao lado de seu filho menor, que ela ainda chama de "bebê", mas que já tem 9 anos.

"Aprendi a lavar uma panela, a enfrentar uma pia aqui. Achei que não fosse conseguir, ainda mais que tem que manter a unha curta, sem pintar. Logo eu que era dondoca, sempre tive empregada. Mas até isso já acostumei. Agora faço doces e gosto disso. Posso continuar trabalhando honestamente, pois posso pelo menos ver o meu bebê", fala, se referindo às visitas às famílias que as albergadas podem fazer uma vez por mês.

Anos na noite

Maria Jussara Padilha, 43 anos, é mais uma levada à vida errante pelo homem que amava. Ela partiu de Faxinal do Soturno, a 219 km de Porto Alegre, para a capital com apenas 14 anos a fim de cursar datilografia. Se apaixonou, casou e o marido lhe deu um trabalho: a prostituição. "Fui engravidando e ganhando dinheiro e não sabia outra forma de viver", diz, revelando que viveu 19 anos com o marido e 30 "na noite". Já no segundo casamento, acabou seguindo o caminho do tráfico: "Foi a ganância, a vontade de ter tudo e de dar tudo aos meus cinco filhos." O mais novo e único menor de idade tem 15 anos. Jussara ficou três anos no regime fechado e enxerga agora no trabalho na Corag uma grande oportunidade para seu futuro, já que deve entrar em liberdade condicional no ano que vem.

Aos 45 anos, Rosângela Maria Viana Flores também pensa assim: "Dou muito valor a essa oportunidade e aqui também dão valor a nosso trabalho. Fui atraída para o tráfico pelo dinheiro fácil. Quem não gosta de ter dinheiro, de comprar o que precisa? Mas não devia nunca ter entrado no crime, não fui forte e me deixei levar. Me arrependo, não valeu a pena." Antes de entrar no crime, trabalhava como doméstica e já gostava de cozinhar. Está feliz na função.

Guiomar Guterres dos Santos, 23 anos, também trabalhava em casa de família antes de ser presa por ceder sua residência para armazenar drogas. "Não fiz nada, só guardei a droga para os meus primos", diz a jovem, mas logo depois admite que compactuava e se beneficiava do esquema. Numa família de nove irmãos, ela e mais um estão presos. Um terceiro segue no crime. "Quero tirar ele dessa vida. Tendo força a gente consegue. E é mais fácil ajudar a cuidar da família, do meu irmão de 6 anos, honestamente, estando lá, que na vida de crime", alerta.

Resgate

Outra que tinha um trabalho honesto e foi apresentada ao mundo do crime por um companheiro é Virgínia Garcia Milcharek, 33 anos. Os pais tinham um comércio e imóveis, mas ela foi atraída pelo dinheiro fácil do tráfico. Hoje, diz que tem "até medo" de conhecer alguém que viva nesse mundo. "Chega de aventura", decreta. "Já vi meninas indo e voltando para a cadeia a toda hora, não quero mais isso para mim. O trabalho aqui representa um resgate."

Todas concordam que não compensa se entregar ao crime por amor. "A mulher acompanha seu homem quando ele é preso. Mas é muito difícil um homem puxar cadeia com a mulher", define Jussara, cujo marido a visitou no primeiro ano de prisão. O restante de seus três anos em regime fechado "puxou" sozinha. Uma pesquisa feita em 2008 pelo Departamento Penitenciário Nacional apontava que 85% dos homens presos recebiam visitas, principalmente de suas mulheres e familiares. Enquanto apenas 8,7% das mulheres recebiam visitas de maridos e familiares. Além disso, quando um homem era preso, a mulher procurava advogado para tentar tirá-lo da cadeia. Já quando uma mulher era presa, o marido procurava advogado para tratar do divórcio.

Lágrimas

Rosa Maria Lopes Nunez, 53 anos, tem a história mais dramática. Detida há dois anos, tem ainda 13 a cumprir. Está há quatro meses no semiaberto e trabalha há três na Corag (é preciso estar há 30 dias no albergue para poder trabalhar). Ela foi presa porque mandou matar seu segundo marido, que a agredia. Antes disso, registrou sete ocorrências contra ele, mas não resultou em nada. Acabou aceitando a indicação de um matador de aluguel. Rosa acata resignada seu destino, se arrepende do crime, mas não sabia mais o que fazer.

O assassino contratado chegou a ser preso, mas hoje está livre. Sofrendo ameaças e com medo, sua família se mudou da vila em que vivia. No novo endereço, o neto de 8 anos foi atingido por uma bala perdida, durante um acerto de contas por drogas. O menino sobreviveu, mas não pode mais andar. Rosa chora ao contar sua história e por não poder estar mais presente na rotina da filha e do neto.

Hoje, está contente por, pelo menos, no semiaberto e trabalhando poder visitar e ajudar a família. Conta que o maior motivo de se arrepender do crime é o neto. Sabe que sua presença ao lado da filha - de quem tem outros quatro netos - ajudaria muito, já que o menino necessita de cuidados. Revela que por vezes, quando está na visita mensal, pensa em não voltar, mas sabe que isso só dificultaria as coisas.

Primeira-dama

A história dessas mulheres e suas tentativas de resgatar seus lugares na sociedade chamou a atenção da primeira-dama do Rio Grande do Sul, Sandra Genro. Médica aposentada, tem se dedicado à fotografia como nova atividade. Ela fotografou as albergadas que trabalham na Corag para o primeiro caderno Identidade de Gênero, que será editado pela Secretaria de Políticas para as Mulherese, em parceria com o seu gabinete e a própria gráfica.

"Esse trabalho está sendo muito importante para valorizar a reabilitação dessas mulheres", diz. Sandra adiantou que mais edições serão elaboradas com mulheres indígenas, quilombolas e sem-terra, entre outras.

Fonte: Terra
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