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Praia, massagem e ecstasy: por que mercado das drogas prospera na Indonésia

27 abr 2015 - 07h11
(atualizado às 07h11)
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Hugo Bachega - @hugobachega

Enviado da BBC Brasil a Bali, Indonésia

O sol se põe em Bali e, enquanto alguns acompanham esse espetáculo na areia à beira-mar, outros se preparam para mais uma noite de negócios.

R. caminha por Kuta, o reduto de turistas no sul de Bali, e é abordado por dois jovens, que oferecem massagem e aluguel de motocicletas. Em seguida, têm mais a ofertar: "Maconha? Ecstasy?".

O turista está aqui há apenas um dia, mas fala como se conhecesse bem a ilha: "É bem fácil conseguir drogas. Mas é preciso tomar cuidado", diz, numa conversa informal.

Bali é conhecida por sua beleza paradisíaca, atmosfera relaxante e grandes festas – e pela fama do fácil acesso a sexo e drogas. Uma mistura que faz com que muitos que chegam aqui se recusarem a ir embora.

Não é difícil, então, ver o apelo que Bali tem para traficantes, que miram um mercado que as próprias autoridades classificam como grande e a perspectiva de dinheiro fácil e rápido.

A ilha conta parte do problema na Indonésia, que integra uma das rotas mais conhecidas de tráfico no Sudeste Asiático e é um grande centro de produção e consumo.

O país está numa "emergência" devido às drogas, diz o presidente Joko Widodo, que neste ano retomou as execuções de traficantes, por fuzilamento, apesar de pressão internacional para que reverta as penas.

Nove presos deverão ser executados nos próximos dias, entre eles o paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte, de 42 anos, preso no aeroporto de Jacarta em 2004 com 6 kg de cocaína escondidos em pranchas de surfe.

Ele poderá ser o segundo brasileiro a ser executado na Indonésia por tráfico de drogas. Em janeiro, o carioca Marco Archer Cardoso Moreira, que teria até dominado o fornecimento de maconha em Bali, foi um dos seis traficantes a serem mortos.

'Grande mercado'

É 1h00 de um domingo de março numa das mais populares casas noturnas de Kuta, quando três funcionários são chamados para atender a uma emergência no banheiro masculino.

Eles tentam ajudar um jovem estrangeiro que não consegue sair de uma das cabines privadas – e que parece ter sido trancado por ele mesmo ali dentro.

Quando, finalmente, destrava a porta, parece desorientado. Corre para a pia, enxagua o rosto e é logo amparado por amigos.

Pouco depois, uma turista estrangeira é carregada por dois amigos, aparentemente sem saber o que acontece a sua volta.

Cenas como essa se repetem diversas vezes e é difícil dizer se estão relacionadas ao uso de drogas. Mas todos parecem concordar que o consumo delas é frequente nas festas aqui.

Gusti Ketut Budiartha é o chefe do escritório em Bali da agência antinarcóticos indonésia, a BNN. Desde 2011, ele lidera uma equipe de 100 policiais que patrulham a ilha para coibir o comércio de drogas.

Bali tem cerca de 4,2 milhões de moradores, e a estimativa é de que 3,5 milhões de turistas estrangeiros estiveram na ilha em 2014.

Números que fazem de Bali "um grande mercado" para traficantes, diz Budiartha.

"Há uma relação entre drogas e turismo... Alguns turistas, nem todos, usam drogas. Gente de todo o mundo vem a Bali. Todo mundo olha para Bali e alguns precisam fazer dinheiro. Há um mercado para drogas", disse ele à BBC Brasil.

"(Bali) é um destino turístico famoso e, geralmente, pessoas em férias querem ter prazer. E, para alguns, isso inclui drogas".

Mas os estrangeiros são apenas parte do problema, diz ele: o desenvolvimento de Bali, com a expansão da infraestrutura de turismo para áreas antes isoladas, teria impulsionado o uso de drogas também pela população local, a partir do contato mais intenso com visitantes de fora.

'Qualquer coisa'

Policiais são vistos nas regiões mais movimentadas, mas parecem incapazes de patrulhar todas as vielas que cortam a ilha, onde vendedores oferecem também cogumelos mágicos ou medicamentos e estimulantes como Viagra, Cialis ou efedrina.

Sentado na entrada de uma lanchonete, um jovem diz ter "qualquer coisa que você quiser".

Maconha é, historicamente, a droga mais usada na Indonésia.

Mas, nos últimos anos, houve um aumento expressivo no consumo de ecstasy e metanfetamina – conhecida localmente como "shabu" -, diz um relatório da Organização das Nações Unidas, que apontou um crescimento no número de "fábricas" de drogas sintéticas no país.

Também são populares cocaína e heroína.

"(Turistas) vêm para cá com diferentes objetivos. Alguns estrangeiros vêm para cá só para usar drogas", diz I Made Adi Mantara, diretor do centro de reabilitação Yakeba, em Bali.

"Tem um mercado, muitos usuários. Tem dinheiro. É lucrativo... As pessoas oferecem drogas para você na rua. Não é difícil. Qualquer coisa que você quiser, eles vão te oferecer".

A Indonésia tem 250 milhões de habitantes. O presidente Widodo diz haver cerca de 4,5 milhões de usuários de drogas no país, e que entre 40 e 50 indonésios morrem todos os dias por causa de narcóticos - mas muitos questionam a veracidade destes números.

"Todo mundo presta atenção a Bali por causa dos estrangeiros. Mas em Jacarta e em outras cidades o problema é maior que em Bali", disse Mantara.

Na verdade, a aparente venda fácil de drogas não é diferente da realidade de outros países da região, também populares destinos para estrangeiros.

Na Tailândia, por exemplo, o uso de alucinógenos é conhecido nas famosas festas da Lua Cheia. Ou no Camboja, onde a "pizza feliz", salpicada de maconha, parece ser item obrigatório no cardápio de turistas.

Execuções têm efeito?

Ferni Yuniarti Pozaddier tem 35 anos e é ex-usuária de drogas. É HIV positivo e disse já ter provado "de quase tudo". Já vendeu drogas e conta que, antes da repressão maior, comprá-las "era muito barato". "Agora, é muito, muito caro".

Essa é uma observação ouvida com frequência em Bali. Numa das abordagens na rua, um vendedor oferece uma pílula de ecstasy ao equivalente a US$ 50.

É difícil saber o que está sendo vendido e por quem – tópico frequente de discussão aqui e em fóruns na internet, onde usuários alertam para "armadilhas" e o perigo de comprar drogas nas ruas.

Policiais trabalham à paisana para detectar vendedores e compradores de drogas.

Há, também, relatos de agentes associados a traficantes que, ao flagrar estrangeiros com drogas, cobrariam propinas que chegariam a milhares de dólares num país habituado a casos de corrupção.

Budiartha, da polícia antinarcóticos de Bali, disse ter havido casos de policiais demitidos por estarem envolvidos com grupos de drogas, mas não citou casos atuais.

A maior fiscalização das autoridades indonésias tem sido elogiada internacionalmente, mas fronteiras porosas e corrupção endêmica seguem como grandes desafios na luta contra o tráfico de drogas, alertou o Departamento do Estado americano em relatório divulgado no ano passado.

Parte do tráfico no país seria, inclusive, comandado por líderes de dentro de prisões indonésias, onde a corrupção é conhecida e acusações de favorecimento são generalizadas.

E nem a retomada das execuções parece afastar traficantes. "Na minha opinião, as execuções não têm efeito", diz Budiartha.

Em janeiro, a agência antidrogas indonésia confiscou mais de 860 kg de metanfetaminas, no que autoridades consideraram a maior apreensão de drogas da história do país, segundo a imprensa local.

Sinal de que o mercado, à primeira vista, segue atrativo.

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