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Política

Vitória histórica do PT faz 25 anos e Olívio diz que partido ‘tem problemas’

O ex-prefeito de Porto Alegre considera o Orçamento Participativo, criado durante sua gestão, a fórmula para acabar com a corrupção no País

14 nov 2013 - 11h15
(atualizado às 11h28)
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<p>Para o líder petista, o partido sofre de "uma espécie de acomodação"</p>
Para o líder petista, o partido sofre de "uma espécie de acomodação"
Foto: André Antunes / Futura Press

De bermuda, alpargatas surradas e a cruz missioneira de madeira no pescoço, o primeiro prefeito eleito pelo PT em Porto Alegre, Olívio Dutra, abriu a porta de sua casa para o Terra nesta semana. Amanhã o partido celebra 25 anos da grande vitória nas urnas nas eleições de 1988, quando o PT contrariou todas as projeções e conquistou não só a prefeitura da capital gaúcha, mas também vários municípios de peso no País, principalmente São Paulo, com Luiza Erundina. “Se tinha gana de ganhar. A gente queria colocar em prática nossas ideias, achava que era chegar lá e fazer tudo”, recorda o ex-governador e ex-ministro de Lula, que aponta problemas do PT atual e reconhece que a legenda não é mais a mesma daquela época. 

Bancário aposentado, o ex-sindicalista mora no mesmo local há mais de 40 anos, num prédio com mais de 200 condôminos na avenida Assis Brasil, na zona norte da capital gaúcha. Há dois anos, comprou outro apartamento no mesmo bloco, mas no térreo. A fiel companheira, Judite, está com dificuldade de locomoção. “São 43 degraus. Fica difícil de subir com o rancho”, revela. O antigo lar virou o refúgio do líder petista. As paredes são tomadas por momentos de sua trajetória política, imagens de ídolos - como Che Guevara - e fotos com ilustres “companheiros” como Lula, Dilma Rousseff, Hugo Chávez (ex-presidente da Venezuela) e José Pepe Mujica (presidente do Uruguai). É lá onde ele se exercita – pratica polichinelos -, e faz o que mais gosta: saboreia seus livros. E são milhares. Tanto que transformou os dois quartos e a sala na sua biblioteca. “Não tenho ideia de quantos tenho. São amigos próximos”, resume Olívio, olhando para uma das pilhas com exemplares de clássicos passando por biografias, estudos políticos e sociais. No seu reduto, gosta de reunir amigos e alguns companheiros de partido.  “Fico aqui de manhã e parte da tarde. É lugar de estudo, de pensar”, explica o presidente de honra do PT gaúcho, confirmando que não voltará a disputar uma eleição. Olívio retornou aos bancos escolares neste ano e estuda latim na faculdade de letras da UFRGS, onde se formou em 1975. "Quero ler os clássicos no original", explica. 

Com 72 anos, Olívio busca na memória os momentos da campanha de 1988, quando derrotou Carlos Araújo, pedetista e ex-marido da presidente Dilma, e o então favorito, Antonio Britto, deputado do PMDB que na época mantinha a fama de ter sido o porta-voz da morte do presidente Tancredo Neves. “Não foi nada fácil. O Araújo era uma referência da esquerda. E o Britto tinha o apoio das forças econômicas, da grande mídia. Mas havia muita gana das lideranças dos movimentos sociais. Força que erradiou um encantamento consciente de muitas pessoas, e que nos levou à vitória”, argumenta.

Antes da eleição, Olívio teve que passar por um processo de escolha interna do partido e enfrentou companheiros como Tarso Genro, atual governador gaúcho. Tarso acabou sendo o vice na chapa e acabou eleito prefeito na eleição seguinte, em 1992. Hoje, é governador do Estado.

Olívio lembra que os recursos eram parcos e que a campanha não tinha os atributos de hoje, com megainvestimentos e superproduções. “Não tinha empresário financiando campanha, não tinha marqueteiro, não tinha folders caros. Era tudo mosquitinho (folhetos), feito pelos núcleos de base dos movimentos. O PT tinha uma expressão grande, espraiada nos movimentos sociais, populares, comunitários”, recorda. Sem o traquejo de outros candidatos, sua maior dificuldade era enfrentar os programas de televisão. “Tive muito desconforto. Não tinha naquele tempo o tal de prompter (equipamento acoplado às câmeras que exibe o texto a ser lido). O tempo era curto. Tinha que decorar frases. Tinha que transmitir franqueza, tinha de ter concentração. Nada era pré-gravado. Era presencial o programinha da televisão. Tinha de estar lá”, conta o líder petista.

Nos debates sobressaía o seu jeito franco de falar, o forte sotaque das Missões - região onde nasceu - e a prolixidade para responder as perguntas, o que depois se tornou uma de suas marcas. “Os debates com outros candidatos era um pouco desconfortável. Afinal de contas tinha companheiros do campo democrático na disputa. Mas no fim, valeu a franqueza da gente.”

Dilma era uma adversária 

Olívio lembra da atuação da presidente Dilma na campanha do então marido. ”Ela era assessora sindical. Era requisitada por nós, por outros sindicatos. Ela se licenciou da prefeitura, tinha sido secretária da Fazenda (na administração de Alceu Collares). Ela trabalhou como assessora direta do Araújo”, disse.

Olívio Dutra lembra detalhes da campanha vitoriosa de 1988:

Ao assumir a prefeitura, Olívio encontrou os cofres vazios e as promessas de campanha tinham de esperar. Segundo ele, a Câmara Municipal tinha aumentado os salários do funcionalismo e as parcelas das contas das grandes obras feitas na administração anterior, como a Avenida Beira-Rio, venciam no primeiro mês de governo. “Tivemos que ir ao Simon (Pedro Simon, então governador do Estado) e pedir um empréstimo do Banrisul. Mas pagamos tudo certinho em 12 vezes”, recorda o ex-prefeito.

Transporte coletivo foi o primeiro conflito 

O mote da campanha do PT foi centrado na precariedade do transporte coletivo. “Tínhamos uma briga séria com o transporte coletivo, que estava uma desgraça. O tema foi fundamental durante a campanha. O Collares tinha tentando arrumar, mas a emenda tinha sido pior que o soneto. Tentou criar umas estações de transbordo, que não deu certo”, recorda.

E foi justamente o transporte o primeiro conflito na sua passagem pela prefeitura de Porto Alegre. Olívio decretou a intervenção em seis das 14 empresas que faziam o serviço na cidade. “Foi o problema mais urgente. Até as paradas estavam comprometidas. Tivemos que derrubar várias para impedir acidentes. Queríamos tornar o serviço mais transparente. Evitar que o dinheiro arrecadado fosse aplicado em outras atividades, como acontecia. Os recursos tinha de ser aplicados na qualificação do serviço. Os adversários diziam que a gente queria estatizar, mas não. Intervimos para colocar as empresas concessionária para agir no interesse público e não privado. O serviço estava aquém, não tinha regularidade, conforto, segurança”, explica. E Olívio tinha total conhecimento desses problemas, pois era um usuário diário. Ficou famoso na época por ir de ônibus para prefeitura. E isso não era marketing. Até hoje não tem carro e é visto regularmente dentro dos coletivos. Atualmente, conta que pega quatro ônibus para ir e voltar da universidade. 

No embate com o transporte, a prefeitura e as empresas se enfrentaram numa longa disputa judicial. Entre perdas e ganhos, um acordo entre as partes foi firmado quase 10 anos depois. Mas a bandeira levantada em 1988 surtiu efeitos positivos nos 16 anos de administração do PT em Porto Alegre. Tanto que no começo dos anos 2000, a Carris, empresa pública de ônibus da cidade, chegou a ser considerada a melhor do País. “A Carris foi recuperada e se tornou referência para as outras”, orgulha-se Olívio.

Além do transporte, Olívio lista avanços na regularização fundiária e no saneamento como grandes conquistas de seu governo. “Acho que conseguimos avançar, muito significativamente da vida da população carente. Sem abandonar o Centro. Começamos a recuperar o Mercado Público, fizemos o Largo Glênio Perez”, aponta.

Para Olívio, cidadania é a maior conquista

Mas para o petista a sua maior conquista não foi uma obra. “A grande conquista mesmo foi a cidadania. Foi provocada, instigada. A política é construção do bem comum com o protagonismo das pessoas. Se alastrou esse conceito, muitos lutadores sociais cresceram nesse processo, irradiaram. O Orçamento Participativo foi uma conquista da cidadania, pena que não foi  mais longe. Não radicalizou suficiente”, lamenta.

Principal vedete das administrações petistas em Porto Alegre, copiado em vários locais do País e até exportada, o Orçamento Participativo foi concebido na gestão de Olívio. E para ele, o OP, como ficou conhecido, ainda é a fórmula para acabar com uma das grandes chagas brasileiras: a corrupção. “Não é um receituário para todos os males, nem uma fábrica de dinheiro. Nem é um modelito que cabe em tudo. É uma obra aberta, é o controle público sobre o Estado e os governantes. Imagina se houvesse o orçamento espraiado pelo País, nos três níveis de governo. Estaria agindo na fonte da corrupção. Eliminando na fonte qualquer processo de corrupção. Tu aumentando o controle publico, não só inibe, tu liquida o sujeito de se aproveitar de cargo, ter favorecimentos ilícitos”, aponta. Para o ex-prefeito, o OP se desenraizou. “Não é do PT. É uma conquista da cidadania. Tinha de estar funcionando, não ser um disfarce para ganhar prêmio. A cidadania está se distanciando”, reclama.

Ele lamenta que o Orçamento Participativo não tenha sido “espraiado” no governo de Lula e Dilma. “Não conseguimos em nível federal sequer ensaiar as ideias. No primeiro mandato do lula fizemos conferências, reuniões. Fizemos o estaqueamento básico, através de conferências e  conselhos. Não fomos na profundidade, na abrangência do que se precisa ir. A corrupção vem de longe, desde a chegada dos europeus. De baixo para cima não acaba com isso, tem de ser de cima para baixo. Com outra cultura, que instigue a cidadania. É um processo para acabar com a corrupção. Temos que ser provocadores”, pontua.

PT tem problemas 

Para ele, o PT não é o mesmo de 1988 e afirma que o partido se acomodou. “Evidentemente é diferente. Temos problemas, uma espécie de acomodação, se contentar com que se conquistou. A realidade longe está de estar transformada nas suas estruturas básicas”, sustenta. Olívio aponta pontos chaves em que o governo precisa atacar. “A estrutura tributária é injusta. O empresário diz que é alta, mas na verdade é injusta. Quem ganha mais paga menos, quem ganha menos paga mais. Temos uma renúncia fiscal do tamanho de outro orçamento. E nós não mexemos nisso. A reforma política precisava ser feita para os partidos terem contornos ideológicos claros e não balcões de negócios. O voto do cidadão acaba sendo um mero descarrego de obrigação”, aponta.  

Fundador do PT, Olívio é considerado um bastião das origens do partido. Um defensor voraz, mas não se esquiva em criticar o seu reduto e nem companheiros. “Temos grandes conquistas. Incluir mais 40 milhões de pessoas não é qualquer coisa. Mas continuamos a ter distâncias enormes. Poucos ricos e milhões de pobres. Desigualdades regionais incríveis. Tem problemas, tem desafios. São tarefas importantes para a esquerda e para o PT. Mas para isso tem que se revigorar e ter clareza na luta. É uma luta ideológica. As classes mais ricas se relacionam entre si contra os interesses da maioria. Os Estados e governos não podem se conformar a ser um algodão entre cristais. Tem que entrar com proposta e bater para realizar. As vezes pagando o preço político.”

Fonte: Terra
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