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Política

O que torna o Estado brasileiro vulnerável à corrupção?

Entre uma das sugestões dadas pelos cientistas políticos, o acesso igual e gratuito a tempo de rádio e TV para cada candidato

19 mar 2015 - 07h11
(atualizado às 12h12)
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<p>Já vimos enormes ganhos institucionais no Brasil nos últimos 30 anos, enormes ganhos legislativos, em termos de novas leis para combater a corrupção, afirma Matthew Taylor</p>
Já vimos enormes ganhos institucionais no Brasil nos últimos 30 anos, enormes ganhos legislativos, em termos de novas leis para combater a corrupção, afirma Matthew Taylor
Foto: BBC Mundo / Copyright

A BBC Brasil conversou com três especialistas em Administração Pública, com experiência em diversos países, para entender o que torna o estado no Brasil vulnerável à corrupção.

Os cientistas políticos Matthew Taylor, pesquisador do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center, em Washington, e Daniel Gingerich, professor da Universidade da Virgínia, e o especialista em combate à corrupção Daniel Kaufmann, presidente do Natural Resource Governance Institute e ex-diretor do Banco Mundial, apontam seis problemas principais e possíveis soluções.

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1. Financiamento político

Os analistas afirmam que um componente importante nos escândalos recentes no Brasil é o fato de estarem ligados ao financiamento de campanhas e despesas operacionais de partidos políticos. Kaufmann observa que as eleições no Brasil estão entre as mais caras do mundo, com custo saltando de US$ 321 milhões em 2002 para US$ 3 bilhões em 2014.

"Os preços crescentes das campanhas eleitorais e a falta de reformas no sistema de financiamento são fatores determinantes de corrupção no Brasil", afirma. Ele ressalta que mais de 95% do financiamento é feito por empresas e que as exigências de divulgação de dados sobre essas contribuições são limitadas.

Segundo Kaufman, é crucial avançar em reformas que permitam que apenas indivíduos, e não empresas, façam doações privadas para campanhas. Ele também cita outras medidas, como alocar mais recursos públicos, garantindo maior igualdade de condições aos candidatos, limitar gastos por candidatos, auditar a divulgação de informações financeiras de partidos e candidatos e impor sanções aos que não revelarem suas finanças.

Também sugere que haja acesso igual e gratuito a tempo de rádio e TV para cada candidato. Gingerich se diz receoso em relação a algumas propostas de adotar um sistema de financiamento exclusivamente público, proibindo indivíduos ou empresas de contribuir.

"Isso pode fazer com que parte do dinheiro que seria declarado às autoridades eleitorais não o seja mais, gerando aumento no caixa dois", diz.

Gingerich observa ainda que um sistema em que o dinheiro público é relacionado à fatia de votos ou tamanho da bancada de um partido só vai barrar a corrupção se houver monitoramento eficaz. Caso contrário, pode até agravar o problema. "Se um partido aceita dinheiro de fontes ilícitas para sua campanha e não é pego, sua fatia de votos vai aumentar nas próximas eleições e, consequentemente, sua parcela de financiamento", alerta.

Kaufmann ressalta que em países com sistemas de financiamento eleitoral bem-sucedidos, costuma haver duas maneiras de controlar as campanhas: limitando contribuições e limitando gastos.

"A segunda é a mais eficiente, e não apenas limita quanto as campanhas podem gastar, mas também dá a impressão de garantir igualdade de oportunidades aos candidatos", afirma. Ele cita Bélgica, França, Irlanda, Polônia, Eslovênia, Áustria e Grã-Bretanha entre os países que adotaram esse sistema, com graus variados de sucesso.

<p>Para especialistas, cargos comissionados são um desafio</p>
Para especialistas, cargos comissionados são um desafio
Foto: BBC Mundo / Copyright
2. Impunidade

A impunidade é outro fator citado por especialistas. "O fato de que a democracia brasileira não colocou um único político federal na cadeia até 2010 dá uma ideia do problema", diz Taylor, que é co-editor do livro Corrupção e Democracia no Brasil.

Para o analista, a solução passa por aumentar os "custos" de ser corrupto, fazendo com que os corruptos saibam que certamente terão de pagar por suas ações. "Os custos da corrupção são relativamente pequenos no Brasil. O fato de que cerca de um terço dos congressistas nos últimos 20 anos, não importa sob qual governo presidencial, não importa que partido esteja controlando o governo, estão implicados em casos criminais, mostra isso."

Segundo Taylor, esse cenário também cria uma espécie de "ciclo perverso", porque com a permanência de corruptos no Congresso, é menos provável que haja reformas para acabar com a impunidade.

Ele observa que houve avanços nas últimas décadas, com a criação da CGU (Controladoria-Geral da União) e o fortalecimento do Ministério Público, da Polícia Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União), mas lembra que os tribunais continuam lentos e, muitas vezes, quando a investigação chega ao Judiciário, acaba "emperrando". "O paradoxo de todas essas instituições se fortalecendo é que isso deixa mais aparentes as fraquezas do Judiciário", afirma.

"Já vimos enormes ganhos institucionais no Brasil nos últimos 30 anos, enormes ganhos legislativos, em termos de novas leis para combater a corrupção. Se pudermos ver agora a condenação e a remoção dos corruptos do sistema político, o Brasil poderá entrar em um ciclo positivo", diz.

Taylor cita os Estados Unidos entre os países que conseguiram passar em relativamente pouco tempo de um estado altamente corrupto para uma realidade onde a corrupção foi reduzida. "Os EUA eram terrivelmente corruptos na virada do século passado."

Segundo Taylor, a mobilização da sociedade civil por reformas e o trabalho da imprensa para expor a corrupção estão entre os fatores que influenciaram as mudanças em seu país.

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3.Transparência

Apesar de relativamente bem colocado em termos de transparência, quando comparado com outros países, o Brasil ainda tem espaço para avançar nesse campo, dizem os especialistas. Entre as medidas que poderiam aumentar a transparência, Taylor cita o estabelecimento de algum tipo de ação voluntária em que parlamentares revelem detalhes sobre seus ganhos e bens.

O analista menciona ainda o Sistema de Freios e Contrapesos (ou controle mútuo entre os poderes) no Brasil. Ele observa que, por exemplo, há grande controle mútuo quando se pensa em Polícia Federal, CGU, TCU e Ministério Público.

No entanto, Taylor considera esse sistema muito centrado no Executivo, onde observa uma certa briga por poder. "Quanto mais houver controle mútuo, melhor. Mas o ideal seria que fosse dividido mais equilibradamente entre Judiciário, Legislativo e Executivo", diz.

<p>Comprar seu apoio era caro, e geralmente exigia acesso a recursos do Estado, lembra Daniel Gingerich</p>
Comprar seu apoio era caro, e geralmente exigia acesso a recursos do Estado, lembra Daniel Gingerich
Foto: BBC Mundo / Copyright
4. Política local

Os especialistas ressaltam a importância histórica da política local no Brasil e como pode estar relacionada à corrupção. Gingerich lembra que, historicamente, os municípios costumavam ser a unidade política fundamental e, ainda hoje, garantir o apoio de prefeitos, presidentes de associações de bairro e outros atores locais é crucial para o sucesso de políticos como governadores e deputados federais.

"Comprar seu apoio era caro, e geralmente exigia acesso a recursos do Estado."

Para Gingerich, a história de política de base organizada ao redor da compra de apoios locais fica mais evidente quando se observa o sistema eleitoral brasileiro, de representação proporcional de lista aberta, em que candidatos a cargos legislativos concorrem em Estados inteiros, em listas de partidos ou coalizões.

"Tudo isso torna as campanhas caras, os candidatos precisam pagar por cabos eleitorais, carro de som. Esse sistema cria maior demanda por recursos para pagar por esses apoios locais", diz Gingerich.

Taylor afirma que essas redes locais apoiam umas às outras e funcionam como "panelinhas", não necessariamente restritas a um partido, o que torna muito difícil removê-las. Para o analista, o primeiro passo para combater a corrupção nesse cenário seria remover os atores (corruptos) antes que ganhem maior relevância e ampliem sua área de atuação.

Outro passo seria mostrar que o fato de operarem em conjunto é arriscado, fazendo uso de leis de combate ao crime organizado.

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5. Serviço público

Segundo Gingerich, reduzir o número de indicados políticos para cargos públicos federais, destinando essas vagas para servidores concursados, poderia ser uma maneira de combater a corrupção.

"A maioria dos burocratas brasileiros são pessoas que passaram por concursos públicos, são profissionais, bem treinados, disciplinados e comprometidos com uma vida dedicada ao serviço público", ressalta.

"O desafio é que há milhares de cargos comissionados", diz. "Historicamente, essas posições são parte do processo de negociação de coalizões entre o partido do presidente e seus aliados. Não apenas no governo de Dilma Rousseff. Sempre foi assim."

Nesse cenário, observa Gingerich, muitos partidos brigam para conseguir posições que permitam maior controle sobre recursos e sobre contratos.

"Os partidos e seus líderes sabem que, uma vez garantido o acesso a essas posições, eles têm o poder da caneta. O que se traduz em dinheiro para o partido, seja em doações declaradas ao TSE, seja em caixa dois."

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6. Corrupção zero

Apesar de graves, os problemas de corrupção enfrentados pelo Brasil não são incomuns em comparação com outros países na região. Argentina e México, por exemplo, também sofrem com partidos políticos envolvidos em esquemas de corrupção, afirma Gingerich. "Mas há, também, alguns casos excepcionais na região nos quais vale prestar atenção, como Chile, Uruguai e, em menor escala, Costa Rica, que conseguiram reduzir seus níveis de corrupção", destaca.

Kaufmann ressalta que, apesar dos esforços dos países, sempre haverá um pouco de corrupção. "Mesmo nos melhores países, como na Escandinávia, há casos individuais de corrupção de tempos em tempos", salienta.

Segundo Kaufmann, pode-se dividir os países em três grupos em relação ao nível de corrupção. Nos dois extremos, estão aqueles em que há baixo nível, com casos individuais, e aqueles em que o problema é endêmico.

"No meio, está o Brasil, entre os países em que a corrupção é sistêmica, mas possível de ser combatida", diz.

Gingerich diz que não recomendaria a um país tentar acabar completamente com a corrupção, já que os tipos de controles necessários para atingir essa meta poderiam gerar tanta ineficiência em termos de ações e gastos do governo que o resultado poderia ser pior que o problema.

"A corrupção é ruim porque reduz a eficiência dos gastos públicos. O dinheiro recolhido dos cidadãos por meio de impostos não é usado de maneira eficiente em serviços e bens públicos", afirma.

"Ao tentar reduzir a corrupção a zero, há o risco de que as ineficiências geradas imponham dificuldades ainda maiores aos cidadãos do que se tolerarmos um nível relativamente pequeno de corrupção."

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