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Política

O que explica a força dos descendentes de árabes na política brasileira?

29 abr 2016 - 15h11
(atualizado às 15h38)
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Maluf, Haddad, Jereissati, Kassab, Simon, Amin, Feghali, Jatene... Há décadas sobrenomes de origem árabe se tornaram comuns no Congresso, em ministérios, prefeituras e governos estaduais do País.

Haddad, Chalita e Temer: ascensão de árabes na política se deve ao sucesso de parentes imigrantes
Haddad, Chalita e Temer: ascensão de árabes na política se deve ao sucesso de parentes imigrantes
Foto: Divulgação

Agora a comunidade poderá chegar pela primeira vez ao mais alto cargo da República, caso o filho de libaneses Michel Temer substitua Dilma Rousseff na Presidência.

Mas, o que explica a força política do grupo – que, segundo estimativas, soma menos de 3,5% da população brasileira?

Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil, a ascensão de políticos de origem síria e libanesa se deve ao sucesso dos parentes que migraram ao Brasil.

As primeiras levas chegaram ao País por volta de 1880 e eram formadas principalmente por cristãos, que fugiam da pobreza e de conflitos religiosos. No Brasil, passaram a ser conhecidos como "turcos", pois à época a Síria e o Líbano integravam o Império Turco Otomano.

Pesquisador da Universidade Saint-Esprit de Kaslik, no Líbano, o brasileiro Roberto Khatlab diz que muitos decidiram migrar após uma visita do imperador Dom Pedro 2º à região. Segundo Khatlab, o monarca falava e escrevia em árabe, o que impressionou o público.

Do extremo sul à Amazônia

Loja Chucri Makai, em 1955, em São Paulo; sírios e libaneses tornaram-se bons comerciantes
Loja Chucri Makai, em 1955, em São Paulo; sírios e libaneses tornaram-se bons comerciantes
Foto: Divulgação

Diferentemente de imigrantes japoneses ou europeus, que viajavam ao Brasil já contratados para trabalhar em fazendas de café, sírios e libaneses custeavam suas viagens e chegavam por conta própria.

O que parecia um obstáculo se revelou uma vantagem em relação aos demais imigrantes, conta Oswaldo Truzzi, professor da Universidade Federal de São Carlos e autor de Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo .

Pequenos agricultores, os árabes não encontraram espaço nos latifúndios do Brasil e resolveram se dedicar ao comércio, aproveitando a experiência que tinham na venda de seus produtos. Muitos viraram mascates, vendedores itinerantes, função que lhes permitia ganhos maiores que o trabalho na lavoura.

Eles se espalharam do extremo sul aos seringais da Amazônia, onde se deslocavam de barco. Vendiam a prazo e, quando o cliente não tinha dinheiro, aceitavam ouro, borracha, gado ou café. Flexíveis e dispostos a correr riscos, logo expulsaram do ramo os concorrentes portugueses e italianos.

Maluf faz parte de geração de "filhos doutores" de imigrantes árabes que partiu para a política
Maluf faz parte de geração de "filhos doutores" de imigrantes árabes que partiu para a política
Foto: Divulgação

Conforme juntavam algum dinheiro, abriam armarinhos e lojas de tecidos. Outros ergueram indústrias têxteis e de confecções. "O progresso da colônia gerou uma mobilidade espetacular, muito maior que a dos italianos, espanhóis e portugueses", diz Truzzi.

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Guerra do Pente

Apesar do destaque, os imigrantes nem sempre foram bem recebidos. Em 1898, o jornalAl Assmahy , da comunidade síria em São Paulo, descreveu a expulsão de centenas de comerciantes árabes de Itapemirim (ES) por uma "turba feroz e sanguinária". A publicação não citou as causas do tumulto.

Segundo o pesquisador Roberto Khatlab, o sucesso do grupo atraía a inveja de outros comerciantes, que instigavam a população contra os árabes. Outros embates tinham como motivo a cobrança de impostos. Um dos maiores ocorreu em 1959, em Curitiba, quando um subtenente discutiu com um comerciante libanês que se recusara a dar uma nota fiscal pela venda de um pente.

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A discussão se transformou numa violenta briga, que absorveu populares e outros vendedores. Mais de cem lojas de imigrantes foram pilhadas e depredadas, até que o Exército interveio. O episódio ficou conhecido como a Guerra do Pente.

Filhos 'doutores'

Conforme ascendiam socialmente, sírios e libaneses investiam na educação dos filhos. "Eles perceberam que o Brasil é uma terra de doutores, então queriam que os filhos também fossem doutores", diz Truzzi.

A partir dos anos 1930, essa geração passa a frequentar os cursos de direito, medicina e engenharia das grandes cidades. O professor conta que muitos – caso do próprio Michel Temer, formado em direito na USP em 1963 – se envolvem com política a partir da universidade.

Naquela época, filhos "doutores" de comerciantes árabes também começam a ingressar na política no interior do país. Concorrem a vereador ou prefeito e, quando bem-sucedidos, tentam vagas de deputado estadual ou federal. Alguns entram na política a partir de associações comerciais.

O grupo aderiu a todas as correntes ideológicas: enquanto alguns fizeram carreira na extrema-esquerda, caso de Jamil Murad e Jandira Feghali (PCdoB), outros apoiaram a ditadura miliar, como Salim Curiati e Paulo Maluf (PP). Muitos, como Temer, optaram pelo centro.

Ao chegarem, muitos árabes resolveram se dedicar ao comércio e viraram mascates
Ao chegarem, muitos árabes resolveram se dedicar ao comércio e viraram mascates
Foto: Divulgação
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Truzzi diz que não existe ideologia comum entre os políticos da comunidade. "Eles sempre entenderam que na política, como nos negócios, cada um faz seu jogo e trilha seu percurso."

Políticos de ascendência árabe também se destacaram em países vizinhos e chegaram à Presidência da Argentina, com Carlos Menem, e do Equador duas vezes, com Abdalá Bucaram e Jamil Mahuad.

Filhos e netos de árabes se destacam em outras áreas da vida pública brasileira, como o médico Adib Jatene, os músicos Almir Sater e João Bosco, os escritores Raduan Nassar e Milton Hatoum, a filósofa Marilena Chauí, o geógrafo Aziz Ab'Saber e o dicionarista Antônio Houaiss.

A comunidade se enraizou tanto no Brasil que alguns de seus integrantes chegaram à direção dos maiores clubes de futebol brasileiros e até de tradicionais escolas de samba no Rio.

Herança fenícia

Para Lody Brais, presidente da Associação Cultural Brasil-Líbano, há outra explicação para o sucesso de descendentes de sírios e libaneses nos negócios e na política brasileira.

Brais – que nasceu no Líbano e se mudou para São Paulo na infância – afirma que os libaneses descendem do povo fenício, que dominou o comércio no Mediterrâneo por vários séculos antes de Cristo.

Colégio Libanês de São Paulo em 1900; árabes investiram na educação dos filhos
Colégio Libanês de São Paulo em 1900; árabes investiram na educação dos filhos
Foto: Colecao BrasilLibano I Roberto Khatlab

"Eles foram audazes viajantes e levaram os princípios da navegação a todos os recantos do mundo daquela época. Talvez venha daí o espírito empreendedor e a capacidade de adaptação", especula.

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Ela diz que outro legado dos libaneses ao mundo foi sua tradição jurídica. Apelidada de Mãe das Leis, a atual capital libanesa, Beirute, sediava uma das principais escolas de direito da Antiguidade.

Brais afirma que o próprio Michel Temer, que foi professor de direito constitucional na PUC-SP, "carrega no sangue" uma tradição iniciada pelos juristas fenícios Ulpiano e Papiano, que se destacaram no Império Romano.

Ela diz torcer para que, caso assuma a Presidência, Temer se valha desse "patrimônio ancestral" para fazer um bom governo.

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