PUBLICIDADE

Julgamento do Mensalão

Se aceitos, infringentes deverão valer também para dosimetria

Além de reavaliar condenações, STF poderá voltar a discutir cálculo de penas que tiveram ampla divergência na última fase do julgamento

18 set 2013 - 06h33
(atualizado às 06h33)
Compartilhar
Exibir comentários
<p>Ministro Celso de Mello decide julgamento de infringentes</p>
Ministro Celso de Mello decide julgamento de infringentes
Foto: Nelson Jr./SCO/STF / Divulgação

Os embargos infringentes, se acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não deverão levar apenas à reanálise da condenação de pelo menos 11 réus do processo do mensalão. Os ministros também poderão analisar novamente a dosimetria das penas de parte dos réus, nos casos em que houve divergência nos cálculos. O cabimento ou não dos embargos infringentes será decidido nesta quarta-feira pelo ministro Celso de Mello.

Confira o placar do julgamento voto a voto

Conheça o destino dos réus do mensalão

Saiba o que ocorreu no julgamento dia a dia

Mensalãopédia: conheça os personagens citados no julgamento

Mensalão Kombat: veja as 'batalhas' entre Barbosa e Lewandowski

Previstos no regimento interno do STF, o recurso garante um novo julgamento a condenados que receberam pelo menos quatro votos pela absolvição. É o caso de pelo menos 11 réus condenados por lavagem de dinheiro ou formação de quadrilha.

O acolhimento dos recursos é dado como praticamente certo no Tribunal, já que Mello garantiu a existência dos embargos infringentes no primeiro dia do julgamento do mensalão, quando tentava desconstruir a tese de que os réus não teriam direito a recorrer de uma eventual condenação caso fossem julgados no STF.

Antes disso, Celso de Mello já havia afirmado a existência dos embargos infringentes ao negar o recurso ao deputado José Gerardo (PMDB-CE), condenado pelo Supremo pelo crime de responsabilidade quando era prefeito da cidade de Caucaia. Na decisão, o decano da Corte rejeitou os embargos infringentes porque Gerardo recebera três votos pela absolvição, e não quatro, como exige o regimento interno do STF. Afirmou também que os dois votos divergentes na definição da pena não poderiam ser somados aos outros três para garantir os infringentes, sinalizando que os recursos também seriam válidos para a fase da dosimetria.

"Cabe salientar que as divergências existentes, pertinentes à quantidade da pena aplicada com a decretação da prescrição, e à improcedência da ação penal, contam, respectivamente, com dois e três votos, os quais não podem ser somados para efeito de se cumprir a exigência do (...) regimento", disse Celso de Mello na decisão.

Para a professora Tânia Rangel, da FGV Direito Rio, caso o Supremo admita que os embargos infringentes são válidos, o recurso poderá ser apresentado também para confrontar divergências na dosimetria das penas. "O embargo infringente, caso o Supremo o admita, vai valer para qualquer parte da ação penal originária que teve quatro votos vencidos. Isso pode ser na parte da fundamentação, quando os réus foram condenados ou absolvidos, como na parte da dosimetria. Uma vez condenado, mesmo que tenha havido unanimidade na condenação, mas na hora de fixar a pena tenha havido divergência, pode-se entrar com embargo infringente", explicou.

O advogado Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) no processo, afirma que Celso de Mello foi claro na decisão ao garantir os embargos infringentes também para a dosimetria. "A lei fala em quatro votos divergentes para absolver. Se ela permitiu mais, com maior razão de ser, nós temos que entender que ela permitiu menos. Se permite para absolver, obviamente permite para reduzir pena", disse.

Toron questionará, num eventual embargo infringente, a perda automática do mandato de seu cliente, definida pelo Supremo por cinco votos a quatro - quando a Corte estava com nove ministros depois da aposentadoria de Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto. Com a posse dos dois novos integrantes - Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso -, o STF mudou o entendimento sobre a cassação de mandatos durante outro julgamento, o do senador Ivo Cassol (PP-RO), em agosto deste ano.

Dessa vez, a Corte entendeu que cabe ao Legislativo dar a palavra final sobre os mandatos. "Eu posso nos embargos infringentes perfeitamente questionar essa perda automática, não apenas a pena", disse Toron.

Possibilidade de prescrição

A admissão de embargos infringentes sobre a dosimetria poderia beneficiar os sócios do empresário Marcos Valério - Ramon Hollerbach e Cristiano Paz. Os dois foram condenados, por exemplo, a uma pena de dois anos e oito meses por um dos casos de corrupção ativa, com base num cálculo feito pelo relator da ação, Joaquim Barbosa.

Nesse caso, no entanto, o revisor, Ricardo Lewandowski, e outros três ministros votaram pela pena de dois anos para Ramon Hollerbach, enquanto definiram em um ano e oito meses a punição para Cristiano Paz. Se o cálculo de Lewandowski tivesse vencido, as penas estariam prescritas por serem iguais ou inferiores a dois anos.

O cálculo de Lewandowski, no entanto, pode vir a ser vencedor com a eventual reanálise das penas. Durante a fase dos embargos declaratórios, o ministro afirmou expressamente que o Supremo aumentou a pena de alguns réus para evitar a prescrição e garantir o regime fechado.

Imagem do Supremo pós-infringentes

Rígido na primeira fase do julgamento ao condenar 25 réus, a imagem do Supremo pode sofrer desgaste após um eventual julgamento de embargos infringentes. Para a professora da FGV Direito Rio Tânia Rangel, mesmo que os recursos não mudem o resultado do julgamento do mensalão, a aprovação da população em relação ao Judiciário não será mais a mesma. "Mesmo que depois do julgamento dos embargos a população não tenha a sensação da impunidade, ela vai ter a sensação da demora", disse.

Segundo Tânia, caberá ao presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, defender a decisão do colegiado, mesmo que seja contrária ao seu voto. "Se os infringentes forem aceitos, (o STF deverá transmitir à população) que não se trata uma questão meramente protelatória ou retórica. (...) O ministro Joaquim Barbosa está contrário. A tendência maior é que ele critique. Mas, por ser o presidente da Corte, ele vai ter que defender a instituição. Não será uma coisa fácil", opinou.

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini, que atuou como advogado na ação penal do mensalão, os embargos infringentes não podem ser vistos como uma "chicana processual". "A previsão dos infringentes é muito clara. A gente não está diante de uma chicana processual, a gente não está diante de uma decisão que cria um privilégio, é uma decisão que segue uma razão legal. (...) Está previsto em lei. Se está previsto em lei, tem de ser cumprido", disse. 

Infringentes
Na sessão de amanhã, o Supremo deverá encerrar a primeira fase de recursos do processo. Está nas mãos do ministro Celso de Mello a decisão sobre o cabimento ou não dos chamados embargos infringentes. Esses recursos poderão levar a uma nova análise, chegando inclusive a absolver alguns condenados de certos crimes pelos quais já foram apenados pelos ministros.

Dos 25 condenados pelo Supremo, pelo menos 12 teriam direito a apresentar os embargos  infringentes caso Celso de Mello vote a favor da admissibilidade desse tipo de recurso. São os casos de João Paulo Cunha, João Cláudio Genú e Breno Fischberg, que nas condenações por lavagem de dinheiro obtiveram ao menos quatro votos a favor.

Outros oito réus (José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado) foram condenados por seis votos a quatro no crime de formação de quadrilha.

Simone Vasconcelos também obteve quatro votos favoráveis no crime de quadrilha, mas a punição prescreveu, e ela não pode mais pagar por este crime. No entanto, ainda poderá recorrer caso os infringentes sejam aceitos, reivindicando que sua pena seja recalculada.

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.

Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos. 

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade