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Julgamento do Mensalão

Lewandowski não vê prova de compra de votos e absolve Dirceu

4 out 2012 - 16h57
(atualizado às 18h03)
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Fernando Diniz
Direto de Brasília

O Ministério Público Federal (MPF) não conseguiu provar as imputações contra o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e a compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional, afirmou nesta quinta-feira o ministro Ricardo Lewandowski ao votar pela absolvição do acusado de liderar o esquema criminoso de compra de apoio parlamentar durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O revisor do processo do mensalão disse não ter encontrado "nada nos autos" contra Dirceu, entendendo que as imputações contra o réu "são muito mais políticas do que estritamente jurídicas".

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Para minimizar a tese da compra de votos, e consequentemente o envolvimento de Dirceu no esquema, Lewandowski leu um estudo apresentado pelo deputado Odair Cunha (PT-MG) no qual tenta negar a relação entre repasses feitos a parlamentares da base aliada e votações na Câmara dos Deputados. "O estudo evidenciou que, no período eleitoral, o governo manteve o índice de infidelidade maior com os partidos da base", afirmou.

O revisor leu uma série de depoimentos de parlamentares que negaram a compra de votos durante o primeiro mandato do governo Lula. "Não estou dizendo que não possa ter havido eventual compra de votos aqui ou acolá. Estou dizendo que há provas para todos os gostos neste acervo probatório de quase 60 mil páginas", disse Lewandowski, que considerou "frágeis" as provas do ponto central da denúncia. Segundo ele, a prova de pagamentos a parlamentares é encampada apenas pelo "inimigo declarado" de Dirceu, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, não sendo sustentada por nenhuma outra testemunha.

O voto de Lewandowski provocou questionamentos de colegas. O ministro Gilmar Mendes perguntou se não há haveria contradição na posição do revisor, que condenou réus por corrupção passiva, ou seja, pelo recebimento de vantagem indevida. "Eu disse que estava seguindo a orientação do Plenário no sentido de dizer que basta a oferta ou receptação da vantagem indevida para que fique configurada a corrupção passiva", respondeu Lewandowski.

Gilmar Mendes então afirmou que o Plenário viu o ato de ofício: o apoio político dos réus que receberam o dinheiro. "Não há nenhuma contradição no meu voto. Só que eu não identifico o ato de ofício, porque não acho que haja necessidade", disse. Em uma das divagações, Lewandowski desqualificou a denúncia, que só tenta provar a compra de parlamentares na Câmara na tentativa de aprovar as reformas da Previdência e a Tributária. "Compra-se a Câmara e não se compra o Senado?", questionou.

Responsabilidade

Lewandowski centralizou a responsabilidade dos repasses financeiros a parlamentares na figura do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o qual condenou ontem por corrupção ativa, chamando-o de "onipresente" no processo. Para o ministro, o tesoureiro coordenava sozinho as finanças do partido, não tendo sido provado o envolvimento do ex-presidente do partido José Genoino, o qual ele absolveu ontem, e o ex-ministro José Dirceu.

"Ficou constatado que José Dirceu afastou-se do PT ao assumir o cargo de ministro chefe da Casa Civil, não sendo responsável pelos atos do partido", disse o revisor. "O MPF não logrou produzir provas sobre a relação entre Dirceu e Delúbio, o qual agia com total independência no que toca as finanças do partido", acrescentou.

"Eu tenho que julgar o que está nos autos", repetiu diversas vezes durante seu voto, no qual classificou a acusação contra Dirceu de uma "atecnia" gritante. "Supor-se que ele estivesse manejando os cordéis de um teatro de fantoche é uma possibilidade, mas não é uma realidade processual", sustentou.

O Ministério Público também não provou a relação de Marcos Valério, apontado como operador do mensalão, e o ex-ministro da Casa Civil, disse Lewandowski, que tentou desqualificar o depoimento do presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson. O ex-deputado, já condenado pelo Supremo, relacionou o petista à viagem de Marcos Valério, o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri e Rogério Tolentino a Portugal. O réu afirmou, em juízo, que Dirceu pediu a indicação de alguém do PTB para ir a Portugal tratar de interesses entre o partido e o PT.

"Esse réu (Roberto Jefferson) é o inimigo figadal de José Dirceu e tentou incrimina-lo e traze-lo para o bojo dos fatos", disse Lewandowski quando interrompido pelo presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que leu parte do depoimento do petebista, ressaltando que o acusado não voltou atrás no seu depoimento. Para o revisor, a viagem Portugal destinou-se, exclusivamente, a discutir a venda da Telemig a Portugal Telecom.

As reuniões entre José Dirceu, Marcos Valério e a cúpula do Banco Rural não são indicativo de que o ex-ministro teve participação nos empréstimos fraudulentos que irrigaram o esquema, afirmou Lewandowski. Os encontros receberam destaque no voto do relator, Joaquim Barbosa, que votou pela condenação de Dirceu. "Ele compareceu a este encontro, mas (o executivo do Rural ouvido no processo) Plauto Gouvêa asseverou que os aludidos empréstimos não foram discutidos com José Dirceu", disse.

O revisor desqualificou outra prova apresentada no voto de Barbosa, a venda de um apartamento de Maria Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, com ajuda de Rogério Tolentino, advogado de Marcos Valério. "Ficou comprovada que Maria Ângela era amiga do ex-secretário do PT Silvio Pereira, e foi através dele que conseguiu contato com Marcos Valério", disse.

Domínio do fato

No fim de seu voto, Lewandowski afirmou que não cabe a aplicação da teoria do domínio do fato para condenar José Dirceu. Pela tese, o ex-ministro da Casa Civil tinha o completo domínio de sua função, de chefe da Casa Civil, e poderia ser condenado mesmo sem provas diretas de sua participação na compra de apoio parlamentar.

Lewandowski afirmou que a teoria do domínio do fato foi criada para punir os chefes dos soldados que matavam alemães que tentavam pular o Muro de Berlim. "Não estamos em guerra, felizmente, não estamos em situação de convulsão intestinal, como diriam os textos jurídicos antigos, para identificar revoluções, rebeliões", defendeu.

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

Fonte: Terra
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