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Julgamento do Mensalão

Analistas: mensalão irá expor perfil flexível ou formalista do STF

27 jul 2012 - 19h28
(atualizado às 19h43)
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O julgamento dos réus do mensalão, a partir de 2 de agosto, não será apenas uma votação histórica para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo seu volume. O processo promete colocar a mais alta corte do País em xeque ao expor seu perfil decisório mais formalista ou mais flexível e sua legitimidade em julgar réus sem foro privilegiado - a maioria dos acusados na ação.

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As principais decisões do STF ao julgar casos de corrupção de agentes públicos e políticos até hoje seguiram a tradição formalista, isto é, uma análise das provas em que a "letra" da lei vale mais do que seu "espírito", de acordo com especialistas e acadêmicos da área jurídica.

Como exemplos, o professor titular de Direito Público da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Neves cita a decisão de inocentar, por falta de provas, o ex-presidente Fernando Collor no esquema PC Farias em 1994 e a decisão de não abrir ação penal contra o ex-ministro Antonio Palocci, em 2009.

"Este modelo tradicional de supergarantismo, onde há muitas garantias para os réus, beneficia o excesso de zelo e é mais benéfico para quem tem bons advogados", disse Neves.

A tendência hoje em muitos países, afirmam os especialistas, é a busca da "verdade efetiva", do "espírito das leis", não a leitura formal de seu texto. "Quando se faz uma análise da função atual dos tribunais, e não só no Brasil, na América Latina, mas na Europa e EUA também, a grande função hoje é de repressão e combate à corrupção", afirmou Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo (USP).

"Se espera que o Poder Judiciário tenha uma resposta adequada à altura para a sociedade contemporânea do que deve ser o exercício da função política e pública", acrescentou.

Instância e capacidade operacional

Antes mesmo de iniciar a ouvir as partes escaladas, o STF terá de debater uma questão de ordem da defesa de um dos réus, que questiona a constitucionalidade de, sem ter foro privilegiado, estar sendo julgado pelo Supremo. O assunto já foi alvo de questionamentos ao Supremo, que manteve a decisão de não desmembramento da ação para separar os réus.

A defesa, comandada pelo ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, afirma que o réu não deveria ser julgado pela corte sem passar antes por outras instâncias e que, sem o desmembramento da ação, o réu tem tolhido seu direito de recorrer a uma possível condenação - não há outro nível de recurso às decisões do STF.

O foro privilegiado dá prerrogativa para que o presidente da República, ministros, membros do Congresso e poucas outras autoridades que têm cargo público sejam processadas e julgadas pelo STF. Na ação do mensalão, há hoje apenas três deputados federais, que têm foro privilegiado. Todos os demais 35 réus poderiam ser processados pelas instâncias da Justiça comum.

"É um absurdo que por causa de poucas pessoas com foro privilegiado todos os réus sejam julgados pelo Supremo", afirmou o jurista Dalmo Dallari, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP e apoiador histórico do PT. "Há um erro técnico em levar este caso para a corte suprema, que deveria se restringir a casos constitucionais", acrescentou.

O professor Gustavo Oliveira vai mais além e diz que o Supremo não tem a mesma capacidade que cortes menores de reunir provas e encaminhar diligências, por ser uma corte moldada para atuar em decisões constitucionais, e isso poderia acarretar em deficiências no processo.

"Se houver absolvição e esta absolvição for decorrente de defeitos no processo ou defeitos no inquérito, que isso fique evidente na decisão. Para que então as instituições responsáveis possam se adaptar e evoluir para que isso não ocorra novamente", argumentou Oliveira.

Em pelo menos um caso semelhante - o chamado mensalão mineiro, que trata de denúncias contra o tucano Eduardo Azeredo, que teria se envolvido com o empresário Marcos Valério quando tentava a reeleição ao governo mineiro em 1998 - o STF decidiu pelo desmembramento da ação. Os réus sem privilégio de foro enfrentarão as instâncias iniciais da Justiça.

"Muito se fala em absolvição, não porque eles (os réus) não sejam culpados, mas se fala de absolvição dos envolvidos por falta de provas ou defeito na coleta de provas, e isso é uma falha institucional, da polícia e do próprio Supremo", disse Oliveira.

Técnico ou político?

Apesar de pressões que vêm desde os advogados de defesa e passam por políticos e mídia, especialistas afirmam que não haverá espaço para decisões políticas no processo - mas a decisão técnica também não é sinônimo de absolvição.

"Há um absurdo de lado a lado, de alguns dizendo que, se houver condenação, ela será política, enquanto outros dizem que, se houver absolvição, ela será política. São pessoas que não respeitam o tribunal e seu papel jurídico", argumentou Dallari.

Para Oliveira, o que balizará o voto do ministro será a questão técnica, "porque a condenação do STF não pode ser política". "Cada ministro (...) vai valorar as provas de acordo com o fato e sua percepção dos fatos", disse Oliveira.

Seja qual for o resultado final do julgamento, porém, dificilmente ele evitará críticas e reclamações. Como resumiu o professor Marcelo Neves, da UnB: "para o Supremo é muito complicado agora, não importa a decisão que tomar".

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

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