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Julgamento do Mensalão

Bate-bocas entre ministros marcam 1º dia do mensalão

2 ago 2012 - 20h55
(atualizado às 21h05)
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O primeiro dia do julgamento dos 38 réus do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcado por discussões envolvendo o relator e o revisor do processo, os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente. Logo no início da sessão, o advogado Márcio Thomaz Bastos, defensor do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, levantou questão de ordem pedindo o desmembramento do processo. O ex-ministro da Justiça queria que o STF se declarasse incompetente para julgar os réus que não têm foro privilegiado, ou seja, que não são políticos. Lewandowski se manifestou favorável ao pedido e esse foi o motivo da primeira discussão entre os dois ministros.

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"Vossa excelência é o revisor desse processo. Dialogamos ao longo do tempo. Me causa espécie vossa excelência se pronunciar pelo desmembramento quando poderia tê-lo feito ha seis meses", disse Barbosa. Lewandowski retrucou na mesma medida. "Me causa espécie que vossa excelência queira impedir que eu me manifeste. Eu, como revisor, ao longo do julgamento, vou fazer valer meu direito", rebateu o ministro. A discussão continuou: Joaquim Barbosa acusou Lewandowski de agir com "deslealdade". O ministro se defendeu afirmando que "é um termo um pouco forte e que já prenuncia que esse julgamento será tumultuado". A discussão só terminou com a intervenção do ministro Ayres Britto, presidente do Supremo.

O segundo bate-boca do dia aconteceu logo depois. Lewandowski fazia a leitura do seu voto sobre a questão de ordem de Márcio Thomaz Bastos quando Barbosa se manifestou mais uma vez. Lembrou que propôs, em 2006, o desmembramento da ação a pedido de um dos réus, mas que os demais ministros votaram pela manutenção do processo na Corte.

O clima entre os dois ministros não esfriou. Após o voto favorável de Lewandowski, Barbosa reclamou da atitude do colega e disse que a discussão abala a credibilidade da Corte. "No dia do julgamento, temos toda essa teorização que coloca em jogo a credibilidade, a legitimidade desse processo que nos deu tanto trabalho", argumentou o relator.

"Eles serão julgados única e exclusivamente por pessoas desta Casa que, apesar de suas reputações e ilibado conhecimento, são pessoas e estão sujeitas a erros", avaliou Lewandowski, sobre a possibilidade de os acusados perderem chance de recursos. A afirmação irritou Barbosa. "Ele disse claramente que os réus estariam em risco por ser submetidos a um órgão judicial que não é competente para julgá-los", afirmou. "Vossa excelência disse isso. Está tudo gravado", disparou Barbosa, quando o colega tentou ponderar a afirmação. "Por que não trouxe essa questão nesses dois (últimos) anos?", continuou o relator. Lewandowski respondeu que "não aceitaria argumentos ad hominem", ou seja, negar uma proposição com uma crítica ao autor e não ao conteúdo.

O pedido de desmembramento do processo foi negado por nove votos a dois. Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello votam a favor do pedido. Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmen Lucia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto foram os demais ministros que acompanharam o entendimento para não dividir o processo.

Após a votação, o presidente do STF, ministro Ayres Britto, determinou um recesso de meia hora. Após esse intervalo, os advogados de defesa lançaram outra questão de ordem pedindo autorização para usar apresentações de slides durante a exposição dos argumentos da defesa. O pedido foi negado em uma votação bem mais rápida.

A sessão terminou às 19h33, quando o ministro Joaquim Barbosa encerrou a leitura de partes de seu relatório sobre o caso. Estava prevista a fala do procurador-geral da República Roberto Gurgel, responsável pela acusação, mas isso não aconteceu porque os ministros debateram o pedido de desmembramento do processo por mais da metade do tempo. Com isso, Gurgel deve abrir a sessão desta sexta-feira, marcada às 14h. Ele pode falar por até cinco horas para expor os argumentos da acusação.

Toffoli sinaliza que vai votar

Durante o seu voto sobre a questão de ordem do advogado Thomaz Bastos, o ministro José Antônio Dias Toffoli sinalizou que vai participar do julgamento. "O voto que preparei sobre esse caso inclui a analise dessa preliminar", disse o ministro, dando a entender que já tem uma decisão tomada sobre a questão.

Essa é uma das dúvidas que cercam o julgamento dos réus do mensalão. Toffoli foi advogado do PT, atuou na Casa Civil da Presidência da República na época em que José Dirceu, réu no processo, era ministro e, além disso, a namorada dele, Roberta Rangel, chegou a defender um dos réus do processo, o Professor Luizinho. Por isso, havia a expectativa de que o ministro se declarasse impedido de votar no processo, o que não aconteceu.>/p>

Se Toffoli votar, não será a primeira vez que ele participará de decisões no caso. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, o ministro votou quando o STF decidiu que o relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, apresentaria apenas um resumo de seu relatório durante o julgamento. Em maio de 2011, Toffoli também votou quando ex-diretores do Banco Rural entraram com agravo alegando cerceamento de defesa, que foi rejeitado pelo Supremo.

A outra dúvida que cerca o julgamento é sobre o voto do ministro Cezar Peluso. Ele completa 70 anos no início de setembro, quando será aposentado compulsoriamente. De acordo com estimativas do STF, o julgamento pode durar mais de dois meses, o que inviabilizaria a participação do ministro, o sétimo a votar.

A brecha para contornar o problema está no próprio regimento do STF, que permitiria a Peluso pular para a terceira posição, logo após o voto do relator e do revisor. No entanto, essa opção esbarra em algumas dificuldades. A primeira é a indefinição sobre se cada ministro votará réu por réu ou tudo de uma só vez. Outro problema é que, ainda que consiga votar, Peluso não deve participar da definição da pena para os réus eventualmente condenados, o que só ocorre na etapa final do julgamento.

Sem protestos

Durante toda a tarde, a movimentação foi bem mais tranquila do lado de fora do STF do que no plenário. Enquanto os ministros travavam discussões fortes durante o julgamento, na praça dos Três Poderes era possível contar nos dedos os manifestantes mobilizados. Quando a sessão da Corte começou, apenas oito pessoas se debruçavam nas grandes montadas ao redor do prédio do STF.

A única manifestação verificada durante o primeiro dia de julgamento nada tinha a ver com o assunto em pauta no plenário. Servidores do Judiciário se mobilizaram em frente ao Supremo pedir aumento de salário.

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

Fonte: Terra
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