Barbosa se irrita com voto de revisor por desmembrar processo
- Fernando Diniz
- Direto de Brasília
Pouco depois de uma discussão que incluiu acusações de deslealdade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivos relator e revisor do processo do mensalão, voltaram a bater boca nesta quinta-feira, primeiro dia de julgamento do caso que gerou a maior crise política do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Lewandowski votou pelo deferimento da questão de ordem apresentada pelo advogado Marcio Thomaz Bastos, que pede o desmembramento do processo. Barbosa reclamou da atitude do colega e disse que a discussão abala a credibilidade da Corte.
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"No dia do julgamento, temos toda essa teorização que coloca em jogo a credibilidade, a legitimidade desse processo que nos deu tanto trabalho", argumentou Barbosa. Lewandowski leu um voto por mais de uma hora em que acatou o pedido de Thomaz Bastos para que os réus sem foro privilegiado (35 dentre 38) fossem julgados em primeira instância. "Eles serão julgados única e exclusivamente por pessoas desta Casa que, apesar de suas reputações e ilibado conhecimento, são pessoas e estão sujeitas a erros", avaliou Lewandowski, sobre a possibilidade de os acusados perderem chance de recursos.
A afirmação irritou Barbosa. "Ele disse claramente que os réus estariam em risco por ser submetidos a um órgão judicial que não é competente para os julgar", afirmou. "Vossa excelência disse isso. Está tudo gravado", disparou Barbosa, quando o colega tentou ponderar a afirmação. "Por que não trouxe essa questão nesses dois (últimos) anos?", continuou o relator, ao que Lewandowski respondeu que "não aceitaria argumentos ad hominem".
Mais cedo, Barbosa havia acusado Lewandowski de agir com "deslealdade". O ministro se defendeu afirmando que "é um termo um pouco forte e que já prenuncia que esse julgamento será tumultuado". A discussão só terminou com a intervencão do ministro Ayres Britto, presidente do Supremo.
Márcio Thomaz Bastos, que defende o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, argumenta que o Supremo só tem competência constitucional para julgar réus com foro privilegiado. Dos 38 réus do mensalão, apenas os deputados federais Valdemar da Costa Neto, João Paulo Cunha e Pedro Henry possuem foro. Ele pediu que os outros acusados tivessem seus processos remetidos à justiça de primeiro grau.
A questão foi colocada em votação, e cada um dos ministros decidirá se aceita ou não a questão de ordem. Se aprovada, o julgamento é suspenso e será retomado, sem data definida, apenas contra os réus com foro privilegiado. No caso de ser negada a questão, a sessão continua normalmente, com a leitura do relatório do ministro Joaquim Barbosa e das acusações pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.