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Política

Hong Kong vira exemplo ao Brasil para enfrentar a corrupção

Procurador da Lava Jato entende que modelo de reação à corrupção pode estar no país asiático, que se destacou no combate ao uso privado do dinheiro público

10 abr 2015 - 11h47
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Em meio a denúncias de corrupção na Petrobras, o País acompanha com atenção os desdobramentos da Operação Lava Jato e se questiona sobre o enfrentamento do problema em todas as esferas de poder. Para um dos personagens principais da investigação, o procurador da República Deltan Dallagnol, o modelo de reação a esse tipo de crime pode estar em Hong Kong. Em manifestações frequentes, ele destaca a ilha asiática como um exemplo de “experiência bem sucedida” no combate à corrupção. Mas, afinal, quais lições se aplicam à realidade brasileira?

<p>Não havia interesse, por parte do Reino Unido, na manutenção de mecanismos democráticos em Hong Kong</p>
Não havia interesse, por parte do Reino Unido, na manutenção de mecanismos democráticos em Hong Kong
Foto: Bobby Yip / Reuters

A vitória sobre a corrupção em Hong Kong

Luciano Vaz Ferreira, professor da Universidade Federal de Rio Grande (Furg) e pesquisador de corrupção internacional, destaca que os problemas de corrupção em Hong Kong remontam ao período colonial. Por quase 100 anos, a ilha ao Sul da China teve administração britânica e seu território só foi devolvido aos chineses em 1º de julho de 1997. “Neste período, desenvolveu-se uma estrutura governamental extremamente corrupta”, afirma. 

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Segundo ele, não havia interesse na manutenção de mecanismos democráticos em Hong Kong, já que se tratava apenas de uma ilha do Reino Unido. Enquanto isso, a corrupção proliferava em todos os setores, sobretudo nas forças policiais. 

O processo para mudar a imagem da ilha partiu do próprio Reino Unido, após a Segunda Guerra Mundial. O estopim da crise se deu no início da década de 1970, quando investigações apontaram para a existência de um esquema de corrupção envolvendo o superintendente da polícia de Hong Kong. Diante das evidências de crime, o britânico fugiu para seu país e despertou grande revolta na população local, que exigiu mudanças para controlar a corrupção.

O movimento culminou com a criação, em 1974, da Independent Comission Against Corruption (Comissão Independente contra a Corrupção), cuja experiência é enaltecida como exitosa. “Em poucos anos, multiplicou-se o processamento dos casos de corrupção”, diz Ferreira. “O mais importante é que se estabeleceu um laço de admiração e confiança com a sociedade local”, completa. 

Conforme o professor, o recrutamento de funcionários do ICAC sempre foi extremamente técnico e rigoroso. Para ele, o Brasil tem muito a aprender com o exemplo de Hong Kong e o ponto de partida deve ser o estudo do funcionamento de uma comissão como a ICAC. 

<p>Hong Kong está entre os 20 países menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional</p>
Hong Kong está entre os 20 países menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional
Foto: Reforma

Atualmente, de acordo com estudo da Transparência Internacional divulgado no final de 2014, Hong Kong está entre os 20 países menos corruptos do mundo. O Brasil ocupa a 69ª posição.

A corrupção em suas origens

Na opinião do professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Tiago Kramer, buscar as causas da corrupção contemporânea no Brasil através do período colonial, como é feito constantemente, é um exercício perigoso, que tende a levar a grandes equívocos.

Ele admite, no entanto, que o estudo das relações de poder nesse período oferece uma contribuição para pensar nos problemas atuais. Segundo ele, administradores nomeados pelos monarcas já utilizavam seus cargos em proveito próprio. 

Kramer destaca que a corrupção deve ser entendida e avaliada sob as perspectivas entre as forças políticas e econômicas de cada período para compreendê-las, pois, segundo ele, o problema caminha no Brasil de mãos dadas com a desigualdade social e com a dificuldade de aprofundar instrumentos democráticos de acesso à saúde e educação, entre outros.

“Devemos perceber como grupos políticos e econômicos se utilizam deste instrumento para manter seus privilégios. A corrupção não é a doença, é o sintoma”, enfatiza o especialista.

Brasil não é “privilegiado”

Para Luciano Ferreira é importante entender também que a corrupção não é um problema exclusivo do Brasil, já que outras nações possuem índices igualmente altos. “Devemos fugir um pouco da síndrome ‘terceiro-mundista’ que corrói nossos pensamentos, de que é assim só no Brasil”, alerta.

Ele acredita que já há bons instrumentos de prevenção à corrupção, como a Lei de Improbidade Administrativa, criada nos anos 90. Elege, ainda, o impeachment do presidente Fernando Collor como um marco importante da busca pela transparência. No ano passado, entrou em vigor no país a Lei 12.846/2013, chamada de Lei Anticorrupção, para tentar diminuir os índices no país.

<p>Segundo pesquisador, sanções econômica podem dar mais resultados até mesmo do que a prisão</p>
Segundo pesquisador, sanções econômica podem dar mais resultados até mesmo do que a prisão
Foto: Bobby Yip / Reuters

Para diminuir os índices de corrupção, Hong Kong precisou tomar medidas drásticas em relação ao sistema que mantinha. Veja abaixo medidas que o Brasil pode colocar em prática baseando-se no exemplo da ilha asiática.

 

 

O que o Brasil pode aprender com o exemplo de Hong Kong

Estudar o funcionamento da ICAC  Segundo o pesquisador da FURG Luciano Vaz Ferreira, um ponto de partida para o Brasil lidar com a corrupção a partir do exemplo de Hong Kong é estudar o funcionamento da Comissão Independente Contra a Corrupção. O sistema estabelecido na ilha foi fundamental para diminuir os índices da ilha.
Aplicação de sanções econômicas severas De acordo com a pesquisa desenvolvida por Ferreira, sobre o combate à corrupção em Hong Kong, a sanção econômica pode surtir melhores efeitos até mesmo em relação à prisão. Para que isso seja colocado em prática, é necessário que se crie uma série de mecanismos, como monitoramento de patrimônio dos gestores públicos e punição econômica para setores privados envolvidos em casos de suborno envolvendo licitações, por exemplo. 
Criação de uma identidade política entre eleitores e eleitos Segundo o historiador da UFSC Tiago Kramer, há uma distância muito grande entre discurso eleitoral e prática política, em função da ausência de identidade política entre os envolvidos (políticos e eleitores).
Eleições separadas para executivo e legislativo  Ainda conforme Kramer, adotar eleições separadas para cargos do executivo e legislativo. O historiador aponta que seria mais interessante eleger presidente, governadores e prefeitos em um momento, e em outro escolher senadores, deputados e vereadores. A medida oportunizaria o debate das atribuições próprias de cada poder de maneira específica.
Investimento em treinamento e educação Para Ferreira, além das punições severas, é fundamental estabelecer os outros dois pontos do tripé de combate à corrupção: treinamento e educação. Em Hong Kong, o aperfeiçoamento e treinamento dos funcionários é constante, e eles são preparados para utilizar adequadamente os mecanismos da máquina pública. 

Operação Lava Jato

A Operação Lava Jato iniciou em março de 2014 e já é tida como a maior investigação de corrupção da história do Brasil. De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria Geral da República, estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da estatal petrolífera seja superior a R$ 2 bilhões.

Desde o início da operação, a força-tarefa do Ministério Público propôs 20 ações criminais contra 103 pessoas por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro nacional. Atualmente em sua 10ª fase, a Lava Jato investiga 485 pessoas e empresas e já cumpriu 69 mandados de prisão. 

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