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Espionagem do Brasil não se compara à dos EUA, diz especialista americano

O jornalista James Bamford diz que a NSA foi muito mais invasiva do que a Abin: 'todos os países do mundo mantêm um olho em diplomatas estrangeiros'

6 nov 2013 - 06h47
(atualizado às 11h24)
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Ele já disse que, no campo da espionagem internacional, enquanto a maioria dos países opera com serviços de inteligência equivalentes a "lançadores de morteiros", os EUA detêm "uma arma nuclear". Nesta entrevista à BBC Brasil, o jornalista James Bamford, especialista em assuntos de espionagem e pesquisador sobre a Agência Nacional de Segurança (NSA) há mais de 30 anos, oferece uma variação sobre o mesmo tema, ao afirmar que "não há comparação" entre o tipo de espionagem conduzida pelos serviços secretos americanos e a que realizou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra os EUA.

A NSA foi acusada de espionar e-mails e telefonemas de líderes mundiais e milhões de pessoas nos Estados Unidos e em outros países. Já a Abin, segundo revelações recentes publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo, teria monitorado diplomatas da Rússia, do Irã e do Iraque entre 2003 e 2004. Além disso, o órgão também teria monitorado um conjunto de salas alugadas pela embaixada dos Estados Unidos em Brasília por suspeitar que elas eram usadas como estações de espionagem.

"Cubro espionagem há muito tempo", disse Bamford. "Todos os países do mundo mantêm um olho em diplomatas estrangeiros. Há uma grande diferença entre isso e deslanchar uma poderosa e intrusiva agência inteligência contra gente que não tem nada a ver com o governo", ele disse.

Bamford assina quatro livros que são referência sobre espionagem. Um deles, The Shadow Factory - The Ultra Secret NSA from 9/11 to the Eavesdropping on America ("A Fábrica de Sombras: A Ultra-Secreta NSA do 11 de Setembro às Escutas dos Americanos", em tradução livre), foi recomendado pela presidente Dilma Rousseff através de sua conta de Twitter.

Ele descreve uma "mudança de atitude" da opinião pública americana em relação à espionagem inédita em quase quatro décadas, critica o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por "expandir a guerra contra o terror" de seu antecessor George W. Bush e diz que, sem uma "investigação completa", as discussões no Congresso americano para controlar a espionagem da NSA "não são suficientes".

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - A inteligência americana está sendo alvo de intensas discussões no Congresso americano, na Casa Branca e na ONU. Quão significativas podem ser as reformas resultantes?

James Bamford - Até o momento há muito debate e pouca ação. Precisamos de uma investigação completa da comunidade de inteligência. Isso aconteceu pela última vez em 1975 (após o caso Watergate). Os projetos em discussão no Congresso são respostas rápidas que não se baseiam em uma análise profunda, apenas arranham a superfície do problema.

BBC Brasil - E o que seria uma investigação completa?

Bamford - Uma investigação que revele coisas que ninguém sabia, preferivelmente através de um comitê como o que foi formado após o 11 de setembro. Estamos sendo informados sobre as atividades da NSA através de vazamentos e isso não é suficiente.

BBC Brasil - Mas o senhor não acha que as revelações possam levar a mudanças?

Bamford - Já levaram a mais mudanças do que eu poderia imaginar. Antes de Edward Snowden, uma legislação para controlar a espionagem da NSA poderia receber no máximo dois votos no Congresso. Em junho, um projeto com esse objetivo ficou a muito poucos votos de obter maioria. Se o tema voltar a plenário em alguns meses, pode ser aprovado. No início das denúncias vazadas por Edward Snowden, o público estava cauteloso e agora está mudando de opinião. Estou escrevendo sobre esse tema há mais de 30 anos e nunca vi uma mudança de atitude tão importante no público e no Congresso desde 1975.

BBC Brasil - As revelações de que o Brasil realizou ações de contraespionagem contra os EUA mudam alguma coisa nessa avaliação?

Bamford - Não se pode comparar o que a NSA faz com o que os brasileiros fizeram. O que o Brasil fez é basicamente o que o FBI (a polícia federal americana) faz nos EUA: seguir diplomatas para ver o que ele estão fazendo. É uma rotina de inteligência, é natural. Cubro espionagem há muitos anos. Todos os países do mundo mantêm um olho em diplomatas estrangeiros. Há uma grande diferença entre isso e deslanchar uma poderosa e intrusiva agência inteligência contra gente que não tem nada a ver com o governo. O que a NSA está fazendo é colocar em uso toda a sua capacidade técnica de escuta sobre os países. É uma invasão de privacidade muito maior.

BBC Brasil - O senhor acredita que o presidente Obama sabia da espionagem sobre os chefes de Estado?

Bamford - Não tenho informação. Acho que o presidente Obama não prestou a devida atenção ao problema quando assumiu. Ele queria uma agenda de governo visível e acredito que deixou as principais decisões de inteligência com seus oficiais de inteligência. Além disso, acho que não estava realmente preocupado com o alcance dessas políticas de segurança. Em muitos aspectos, o governo Obama expandiu as ações americanas contra o terrorismo para além do que fez George W. Bush ou qualquer outro presidente anteriormente. Durante o governo Bush, quase não houve ataques com aviões não tripulados no Iêmen. Obama ampliou esses ataques e fez do Iêmen um modelo a ser replicado na Somália e no Paquistão. Não é um indicativo de alguém moderado quando o tema é inteligência.

BBC Brasil - Mas o governo anunciou mudanças na sua política antiterror e o fim das guerras no Oriente Médio.

Bamford - Ele (Obama) podia ter retirado as tropas do Afeganistão nos primeiros seis meses de seu governo, que era o que todo mundo esperava. Em vez disso, ele triplicou o número de soldados e não conseguiu nenhum resultado melhor ou pior. Fez o que Richard Nixon fez em relação ao Vietnã: disse que ia encerrar a guerra e estendeu o conflito até o fim do seu mandato.

BBC Brasil - Então o senhor acha então que Obama teve oportunidade de olhar para essas questões de inteligência quando estava revisando sua política antiterror, e não o fez?

Bamford - Para entender as políticas de inteligência do governo Obama, você precisa analisá-las à luz de como ele opera no campo da luta contra o terrorismo. Como ele nunca foi moderado nisso, não vejo como esperar que dedicasse muito tempo moderando os instrumentos de inteligência.

BBC Brasil - O que aconteceu aqui nos Estados Unidos depois do 11 de setembro não foi, de certa forma, o que aconteceu em várias outras partes do mundo: os países desenvolverem uma certa obsessão com segurança?

Bamford - O mundo ficou mais preocupado com a segurança; os EUA ficaram loucos. O 11 de setembro foi algo terrível, mas a "terrorfobia" é totalmente desproporcional à ameaça real.

Menos de 24 pessoas morreram por causa de ações terroristas nos EUA desde então - menos de duas por ano. Se você quiser proteger os americanos, proíba o porte de armas: no mesmo período, mais de 360 mil americanos foram mortos por armas de fogo. Onde estava a NSA no tiroteio no aeroporto de Los Angeles (na semana passada) ou em Washington (em setembro)?

BBC Brasil - O senhor vê condições políticas para rever essas prioridades?

Bamford - Ainda não. Um deputado que precisa se reeleger a cada dois anos sabe que votar contra a NSA vai deixá-lo vulnerável à acusação de fraqueza na guerra contra o terrorismo. É um rótulo simples e fatal, porque o povo americano acha que essas operações trazem proteção contra o terrorismo. É bobagem: onde estava a NSA durante o atentado de Boston? Durante o homem com a bomba na cueca? A bomba na Times Square? Várias coisas poderiam ter evitado o 11 de setembro. Se não evitaram, não foi por falta de inteligência nem tecnologia.

BBC Brasil - No seu livro, o senhor narra como a NSA já tinha informações sobre os autores do atentado (de Boston) e elas nunca foram passadas para frente. De lá para cá, houve alguma mudança nesse aspecto?

Bamford - Uma coisa positiva oriunda do 11 de setembro foi que derrubaram-se as paredes entre as agências. Há muito mais cooperação hoje em dia. Mas ainda não é uma dinâmica perfeita. O problema é que a NSA nunca foi pensada para a luta contra o terrorismo e não sabe como desempenhá-la bem. A agência foi criada após a 2ª Guerra Mundial principalmente para interceptar o máximo possível de comunicação soviética e de aliados e evitar um ataque nuclear contra os EUA. Durante a Guerra Fria, isso era relativamente fácil: os militares soviéticos se comunicam por determinadas frequências, os diplomatas por outras, a Marinha por outras. Mas os terroristas usam as mesmas comunicações que todo mundo usa, o mesmo sistema telefônico, a mesma internet. A agência argumenta que, para proteger o mundo de terrorismo, precisa coletar as informações de todo mundo. Ora, quando você cria essa montanha de dados, como é que encontra informações ali dentro?

BBC Brasil - Como conduzir essas investigações de forma mais eficiente?

Bamford - Concentrando-se nos alvos a partir de suspeitas. É o oposto do que eles estão fazendo. Eles estão colhendo os dados de todo mundo para depois buscar na base de dados. É contraprodutivo. E eles não têm direito a botar as mãos nesses dados. Há formas legais, apropriadas e éticas de fazer isso sem violar a privacidade de todo mundo.

Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.

Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.

Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.

O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.

Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal tambéminstaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.

Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.

Monitoramento

Reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, afirma que documentos que fariam parte de uma apresentação interna da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos mostram a presidente Dilma Rousseff e seus assessores como alvos de espionagem.

De acordo com a reportagem, entre os documentos está uma apresentação chamada "filtragem inteligente de dados: estudo de caso México e Brasil". Nela, aparecem o nome da presidente do Brasil e do presidente do México, Enrique Peña Nieto, então candidato à presidência daquele país quando o relatório foi produzido.

O nome de Dilma, de acordo com a reportagem, está, por exemplo, em um desenho que mostraria sua comunicação com assessores. Os nomes deles, no entanto, estão apagados. O documento cita programas que podem rastrear e-mails, acesso a páginas na internet, ligações telefônicas e o IP (código de identificação do computador utilizado), mas não há exemplos de mensagens ou ligações.

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