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'Era um caldeirão', diz ex-deputado que comandou deposição de Collor

28 set 2012 - 08h00
(atualizado às 08h04)
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Lucas Rohãn

A sessão da Câmara dos Deputados que autorizou a abertura do processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, realizada no dia 29 de setembro de 1992, transformou Brasília em um "caldeirão" na opinião do então presidente da Casa, o ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). Para ele, apesar das pressões enfrentadas pelos parlamentares, a votação foi "ordeira, embora tensa". "As pressões eram tais e tantas que o resultado foi zero, pela compensação de todas elas", diz.

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"Foi uma crise política igual a muitas que o País já tinha assistido, mas era a primeira vez que o árbitro era um órgão político (o Legislativo), pois, nas anteriores, esse papel era das Forças Armadas", relata. Ibsen conta que precisou agir com firmeza em vários momentos da votação. O ex-parlamentar lembra que, antes dos votos, enquanto o líder do governo defendia Collor, deputados favoráveis ao impeachment se levantaram e deram as costas ao Plenário. "Eu interrompi a sessão e disse: 'peço que todos se sentem para os trabalhos ou se retirem. Do contrário, vou suspender a sessão'. Era tudo o que eles não queriam! Eles se desviraram e se sentaram, tudo isso em silêncio", conta.

A votação do impeachment na Câmara aconteceu dias antes das eleições municipais de 1992. Ibsen Pinheiro lembra que Collor enfrentava duas batalhas naquele mês de setembro. "A primeira era adiar a votação para depois da eleição (o impeachment foi no dia 29 de setembro e a eleição, quatro dias depois) e a segunda era que o voto fosse secreto", afirma. Pelo regimento da Câmara, a votação deveria ser secreta, mas uma lei complementar sobre o impeachment determinava votação nominal. "A norma especial tem preferência pela normal geral. Qual é a especial? O regimento interno da Câmara ou a lei federal? Eu interpretei que era a lei federal", conta o ex-presidente da Casa.

Os deputados acabaram aprovaram a abertura do processo de impeachment por 441 votos a favor e 38 contra, resultando no afastamento do presidente. Após o término da sessão, em entrevista a jornalistas, Ibsen disse que "a Câmara cumpriu o seu papel" e fez um pedido: "Eu gostaria mesmo que o Brasil mudasse de assunto". Hoje, 20 anos depois, o ex-parlamentar explica que havia uma noção de que o afastamento de Collor significaria o fim do processo, apesar de ser a autorização para que o Senado processasse o presidente. "Já havia um sentimento muito forte de que se a Câmara arquivasse, estaria encerrado. Se a Câmara afastasse, estaria encerrado também", afirma Ibsen, para quem "a votação no Senado (em dezembro do mesmo ano) não despertou grande interesse".

Fernando Collor venceu Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições de 1989 com 35 milhões de votos e assumiu a presidência em março do ano seguinte. O presidente mais jovem da história do Brasil ficaria no poder por dois anos, seis meses e 17 dias. Em maio de 92, em entrevista publicada pela revista Veja, o irmão do presidente, Pedro Collor, acusou o empresário Paulo César Farias de ser "testa-de-ferro" do chefe do Executivo. As denúncias resultaram na criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso para investigar as relações de Collor com PC Farias e que, em seu relatório final, incriminou o presidente.

Com a conclusão dos trabalhos da CPMI, foi criado o Movimento pela Ética na Política, que contava com entidades como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Essas organizações, junto com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), se reuniram para formatar o pedido formal de impeachment do presidente feito à Câmara no começo de setembro.

O advogado Marcelo Lavenère, presidente da OAB na época, conta que aceitou assinar o pedido, junto com o então presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, após receber em seu gabinete uma comissão de representantes dos principais partidos do Congresso Nacional. "Os senadores Fernando Henrique Cardoso, representante do PSDB, e Pedro Simon, que representava o PMDB, e os deputados Aldo Rebelo, do PCdoB, e Vivaldo Barbosa, do PDT, compareceram ao prédio do Conselho Federal da OAB e pediram para que, em nome de todo o movimento que havia, eu aceitasse assinar o pedido de impeachment junto com o doutor Barbosa", recorda Lavenère.

Collor deixou o Palácio do Planalto pela porta da frente no dia 2 de outubro. A matéria só foi votada no Senado no final de dezembro e, quando a sessão começou, os congressistas foram surpreendidos pela leitura da carta de renúncia do presidente, na tentativa de evitar o impeachment. Mesmo assim, Collor foi condenado pelos senadores à perda de seus direitos políticos, ficando inelegível por oito anos.

Os dias pré-votação

Semanas antes da votação, a Câmara parou para analisar apenas o pedido de afastamento do presidente. Brasília era um "caldeirão", segundo relato dos parlamentares da época. Por todo o País, os caras-pintadas ocupavam as ruas vestidos de preto aos gritos de "fora Collor", fazendo a pressão chegar até os legisladores, que ainda eram assediados politicamente por movimentos sociais, por colegas e por integrantes do governo, incluindo o próprio presidente.

"Tava na cara" que o impeachment seria aprovado, na opinião do então presidente da Câmara. Ibsen Pinheiro conta que, poucos dias antes da sessão, recebeu uma comitiva de parlamentares da Austrália para um almoço e foi questionado sobre a crise. "No final do almoço, a chefe da delegação, uma senadora, me perguntou: 'o senhor acha que depois de 25 anos de ditadura, um presidente eleito com 35 milhões de votos diretos pode perder o mandato com dois terços dos votos dos deputados?'. E eu respondi: 'com dois terços é impossível, mais fácil é dar unanimidade'", lembra Ibsen.

O governo Collor

Fernando Collor de Mello chegou à presidência após vencer, no segundo turno, o candidato do PT Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 1989. Ele assumiu em março de 1990, tornando-se o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar e o mais jovem a ocupar o cargo no Brasil.

O governo Collor durou pouco mais de dois anos e foi marcado por medidas econômicas polêmicas, como os planos Collor I e II, que tentavam estabilizar a inflação, e a abertura para produtos e empresas estrangeiras. A concessão para exploração do sistema de transportes, o fim da proibição da participação estrangeira no setor da comunicação, o fim do monopólio da Petrobras na exploração de petróleo e as primeiras privatizações também foram medidas adotadas durante o governo de Fernando Collor.

Em maio de 1992, em entrevista publicada pela revista Veja, Pedro Collor, acusou o empresário alagoano Paulo Cesar Farias de ser o testa-de-ferro do presidente. As denúncias do irmão do presidente levaram o Congresso Nacional a instalar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar a relação de PC Farias com o governo. Um dos primeiros depoimentos colhidos na comissão foi o de Pedro Collor, que acusou PC de montar uma rede de tráfico de influência no governo com a conivência do presidente.

Em julho, o motorista Eriberto França foi à CPMI e confirmou os depósitos de PC Farias para a secretária do presidente, Ana Acioli. No mês seguinte, os parlamentares conseguiram comprovar que a reforma da Casa da Dinda, residência de Collor em Brasília, foi paga por uma empresa de PC. O relatório final da CPMI foi apresentado no dia 26 de agosto de 1992. Depois de 85 dias de trabalho, o senador Amir Lando conclui a investigação incriminando o presidente Collor.

Em meio a uma onda de manifestações por todo o País, os presidentes da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcelo Lavenère, apresentam à Câmara dos Deputados, no início de setembro, o pedido de impeachment. O pedido foi votado no dia 29 do mesmo mês e aprovado por 441 votos a favor, 38 contra e uma abstenção. Com isso, o presidente foi afastado do cargo até o Senado concluir o processo e o vice, Itamar Franco, assumiu.

Em dezembro, quando o Senado começava o julgamento, Collor apresentou sua carta de renúncia para tentar evitar o impeachment. O documento não foi aceito e, por 76 votos a favor e dois contra, Fernando Collor foi condenado e perdeu seus direitos políticos por oito anos. A ação penal contra o presidente por corrupção passiva foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 1994. Após quatro dias de julgamento, a maioria dos ministros do Supremo absolveu Collor por falta de provas.

Presidente da Câmara em 1992, o ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB) conta bastidores da votação que aprovou a abertura do processo de impeachment contra Collor
Presidente da Câmara em 1992, o ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB) conta bastidores da votação que aprovou a abertura do processo de impeachment contra Collor
Foto: PMDB / Divulgação
Fonte: Terra
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