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Herdeira do Itaú: campanha sem ética se voltou contra Dilma

2 out 2015 - 05h59
(atualizado às 08h26)
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Foto: BBC Brasil

"A Neca não precisava de nada disso. Podia estar tomando champagne em Paris", diz uma pessoa próxima da socióloga, educadora e acionista do Itaú Maria Alice Setúbal, mais conhecida pelo apelido de infância - que vem do termo "boneca".

Herdeira do maior banco privado brasileiro, em vez disso, Neca escolheu trabalhar com projetos sociais em São Miguel Paulista, bairro no extremo leste de São Paulo, à frente da Fundação Tide Setúbal, e se meter no vespeiro da política brasileira, apoiando a ex-senadora Marina Silva, que disputou duas vezes a presidência.

A última decisão teve um custo. No ano passado, uma das principais estratégias da campanha do PT para enfraquecer Marina foi atacar sua associação com Neca, na época, coordenadora de seu programa de governo.

Dilma acusou Neca de agir como "banqueira", não como "educadora", e apoiar Marina para garantir sua adesão a políticas pró-bancos. "Foi uma campanha muito agressiva", lembra Neca em entrevista à BBC Brasil. "(Mas) a própria (queda na) popularidade da presidente, o fato de a população achar que ela mentiu. Tudo isso se voltou contra ela."

Hoje, Neca comemora a recente criação do partido de Marina, o Rede Sustentabilidade, e garante que a agremiação tem uma estratégia para evitar a "velha política" que tanto criticou na campanha: "Em torno de 20 deputados federais procuraram a Rede tentando encontrar ali um espaço da 'velha política' e isso não foi aceito. Os políticos têm de ter claro que a Rede não será um espaço de negócios políticos e troca de cargos ou favores", diz.

Em uma conversa com a BBC Brasil, Neca comentou sobre os cortes na área de educação, a crise política e o papel dos grandes empresários brasileiros nos esforços de redução das desigualdades sociais no país.

BBC Brasil - Durante a corrida presidencial, Dilma usou o fato de a senhora ser acionista do Itaú para atacar Marina. Como avalia o episódio com o distanciamento do tempo?

Setúbal - Foi uma campanha muito agressiva, não só comigo, mas também com a Marina, o Aécio (Neves) e o Armínio Fraga (apontado por Aécio para ser seu Ministro da Fazenda no caso de uma vitória do PSDB). Muitas vezes se perdeu a ética. Mas há fatos - as próprias pessoas com quem a Dilma conversa (hoje), quem ela convidou para o ministério (da Fazenda) - mostrando uma incoerência entre as criticas que ela fez e como está agindo. A própria (queda na) popularidade da presidente, o fato de a população achar que ela mentiu. Tudo isso se voltou contra ela.

BBC Brasil - Durante a campanha, vocês defenderam a continuidade de alguns programas do governo do PT, como o Bolsa Família, o Pronatec etc. Existe o risco de que a atual crise de credibilidade da gestão Dilma respingue nesses programas? Nas redes sociais alguns grupos já fazem crítica aberta a alguns deles…

Setúbal - Não sei. Acho muito difícil termos retrocesso em alguns programas como o Bolsa Família. As redes sociais veiculam de tudo, sem nenhum filtro. Estamos em uma era de muitas radicalizações e intolerância. Parece que tem um vale tudo nas redes que pode acabar dominando esse debate. Você sempre vai ter grupos radicais. Dois ou três, quatro ou cinco que radicalizam. Tem até gente pedindo intervenção militar. Não sei, posso estar alienada, mas pra falar a verdade, sinceramente, não vejo isso (críticas a programas). Nem nada contra o Bolsa Família, especificamente. Ao menos não há uma crítica consolidada.

Neca acompanha Marina durante a campanha de 2014
Neca acompanha Marina durante a campanha de 2014
Foto: BBC Brasil

BBC Brasil - A sra. terá algum papel na Rede Sustentabilidade?

Setúbal - Continuo muito próxima da Marina. Eu me filiei à Rede, mas não tenho nenhum cargo.

BBC Brasil - E na questão do apoio financeiro? A Rede terá uma parcela ínfima do fundo partidário...

Setúbal - A gente não tinha nada. Ter alguma coisa vai ser melhor que nada.

BBC Brasil - Mas a senhora pode no futuro vir a oferecer apoio financeiro?

Setúbal - Não tenho nenhum planejamento para fazer isso. Nada previsto.

BBC Brasil - Qual a estratégia para evitar a 'velha política'?

Setúbal - Já estamos evitando (essas práticas). Em torno de 20 deputados federais procuraram a Rede tentando encontrar ali um espaço da velha política e isso não foi aceito. Os políticos têm de ter claro que a Rede não será um espaço de negócios políticos e troca de cargos ou favores. Nem de imposições. Essa lógica da velha política, que não tem a ética como eixo central, não cabe dentro do partido.

Em sua constituição a Rede também já se diferencia por ter uma forma muito mais horizontal que os outros partidos. (Pelas suas regras) só vai ser permitido uma única reeleição para um mesmo cargo. Ou seja, se você é um deputado pela Rede só vai poder se reeleger uma vez como deputado. Nós também prevemos no estatuto a criação de um conselho da sociedade civil que vai monitorar as ações e posições assumidas pelo partido.

BBC Brasil - Por que a Marina parece ter optado por um protagonismo mais fraco nesse momento de crise política e econômica?

Setúbal - Acho que ela optou por falar nas redes sociais. Até porque, justamente, não tinha um partido até agora. Certamente com a Rede se viabilizando, ela já pode falar a partir de um lugar, um partido que faz parte do cenário político brasileiro. Mas ela nunca deixou de falar nas redes sociais. Acho que foi uma opção esperar esse partido.

BBC Brasil - Como a Rede vai se posicionar sobre a crise política e os pedidos de impeachment da presidente?

Setúbal - A Rede e a Marina têm se posicionado dizendo que estamos em uma crise e a presidente não está com legitimidade, mas você não tem ainda condições concretas que justifiquem um impeachment. Então a posição é contra o impeachment neste momento.

BBC Brasil - Em uma entrevista recente ao jornal , o seu irmão (Roberto Setúbal, presidente do Itaú) defendeu a permanência de Dilma no poder...

Setúbal - A posição dele você pergunta para ele. Acho que está difícil saber. Estamos em uma crise. Está muito difícil a posição dela (Dilma). Ela está perdendo cada vez mais apoio. Acho que impeachment tem de ser uma coisa muito bem estruturada. Se for. Eu nunca fui a favor do impeachment. Com a posição dela (Dilma) fica difícil para qualquer pessoa entender o que vai acontecer e saber que posição tomar. Não tomei nenhuma posição radical. Tenho minhas críticas a Dilma e ao governo. Acho que é a sociedade que vai ter de chegar a uma decisão.

BBC Brasil - A sra. criticou em um artigo recente as "manifestações de ódio" nas redes sociais. A que se referia exatamente?

Setúbal - Sou contra radicalizações e intolerância, a falta de abertura ao diálogo. (Contra) ter uma posição radical, seja ela a favor ou contra a Dilma. Essa história de um grupo xingando o outro. Você pode ser diferente, ter outra posição, mas a gente pode debater e discutir. Eu posso respeitar sua posição desde que ela seja ética e ter um diálogo de respeito.

BBC Brasil - A sra. defende a taxação das grandes fortunas e sua família é uma das mais ricas do país. Quanto seria um nível de imposto justo e aceitável por exemplo, sobre herança ou renda. Quanto aceitaria pagar?

Setúbal - Acho que isso não é assim. Essa pergunta não faz sentido. Isso tem de ser uma política de governo, tem de estar alinhado com várias outras coisas. Não é o que eu ou a Maria estamos dispostos a pagar. Tem de ser uma política séria. De um país que está se planejando, fazendo um ajuste. Eu sempre defendi que o imposto tinha de ser progressivo.

BBC Brasil - A sua fortuna vem do setor financeiro, bastante criticado em função dos lucros altos. Foi inclusive essa, digamos, "impopularidade" do setor que foi explorada na campanha. Ao atuar na área social, encontrou resistência?

Setúbal - Isso foi muito forte durante a campanha. Talvez tenha sido o momento em que (o setor) foi mais combatido e criticado. Tudo foi muito agressivo. Mas a história também teve um outro lado. As pessoas que me conheciam e conheciam meu trabalho me apoiaram bastante, reconheceram que era um absurdo que isso estivesse sendo feito. Gente do próprio PT fez declarações públicas e nas redes sociais nessa linha.

Existe uma critica ao sistema financeiro, não só no Brasil, mas no mundo. Isso existe. É parte da minha história e eu tenho de saber lidar com isso. É parte da vida. Normal. Como outros são criticados, sei lá, por serem evangélicos ou do candomblé, por ser branco, verde ou azul. Isso é parte do jogo democrático.

BBC Brasil - Mas a sra. acha injustas essas críticas aos bancos?

Setúbal - Acho que isso faz parte. Democracia é assim. Você tem interesses diferentes. Às vezes conflitantes, as vezes não. Às vezes se chega a um consenso, outras não. A Dilma mesmo convidou o Joaquim Levy, do Banco Bradesco (para ser ministro da Fazenda). Ela se consulta com o Luiz Trabuco, (ex-) chefe dele (e presidente do Bradesco). Tem momentos em que ela vai estar em conflito com os bancos. E outros em que vai estar se alinhando com os bancos. Isso é parte do jogo democrático. Não é justo ou injusto. As pessoas têm interesses diferentes.

BBC Brasil - Se a chapa da sra. tivesse vencido as eleições, o que faria de diferente na educação?

Setúbal - É difícil falar sobre (um cenário que depende de algo) ter ou não ter acontecido, porque as configurações de forças seriam outras. A educação está conectada com outras áreas. Seria um outro momento, uma outra articulação entre ministérios e uma outra forma de encarar um projeto para o Brasil. Não dá para pensar a educação separada do resto.

BBC Brasil - As prioridades seriam as mesmas?

Setúbal - O MEC (Ministério da Educação) hoje tem como prioridade o Plano Nacional de Educação (PNE). Isso também estava em nosso programa de governo. Agora, o PNE é muito amplo. O MEC está focando a (criação de uma) base nacional comum curricular, que é de fato um aspecto superimportante.

BBC Brasil - A educação está sendo duramente afetada pelo ajuste fiscal. Os cortes atingiram programas-bandeira da campanha de Dilma, como o Pronatec e o Ciências Sem Fronteira, além do orçamento das federais, investimentos e etc. Dava para ser diferente?

Setúbal - Podemos discutir porque chegamos até agora, até setembro. Talvez esse corte deveria ter sido feito um pouco antes. Todos têm de contribuir um pouco para a saída da crise. Meu questionamento é sobre o fato do corte ter sido linear. Não houve uma preocupação de preservar algumas áreas como educação, apesar de até o slogan do governo ser "pátria educadora".

Isso poderia ter sido bem melhor planejado. Inclusive se pensarmos no caso do Pronatec, que sofreu um corte grande. Talvez fosse o momento, já que o desemprego aumentou, de incentivar a capacitação de mão de obra pelo programa. Já os critérios introduzidos no FIES (programa de financiamento estudantil), ligados a pontuação dos estudantes no exame ENEM, foram importantes. Também tem um critério de renda. Isso tudo colaborou para o (aprimoramento do) programa.

Mas o governo até agora não deu uma concretude ao lema pátria educadora. E não só pelos cortes. A educação teria de sofrer algum tipo de corte. Mas, fora isso, o governo não deu um direcionamento claro ao que seria a pátria educadora. Tem vários projetos. O ministro (Renato Janine Ribeiro, empossado em abril) também entrou no meio do caminho, estava há pouco tempo no cargo.

BBC Brasil - Como vê a troca de Janine Ribeiro por Aloízio Mercadante?

Setúbal - É uma pena para a educação ver (o afastamento de) um ministro que entrou há pouquíssimo tempo e nem teve tempo de desenvolver um trabalho, embora o Mercadante já tenha estado no ministério. É o terceiro ministro em um ano.

BBC Brasil - A pasta está sendo usada como moeda de troca no jogo político?

Setúbal - Acho que é preciso entender bem o contexto da troca. A nomeação do Renato não foi uma moeda de troca. Nem a do Cid Gomes (primeiro ministro da educação do ano e ex-governador do Ceará).

BBC Brasil - Como avançar na questão da qualidade da educação com um orçamento apertado?

Setúbal - A educação precisa de mais recursos e mais gestão. Não adianta colocar mais dinheiro se você não tem uma gestão comprometida com resultados, com a qualidade da aprendizagem, mobilização e valorização dos professores. Agora, a execução do Plano Nacional de Educação exige, sim, mais recursos. Estamos em uma crise, mas vamos pensar que esse corte de recursos é emergencial, conjuntural.

BBC Brasil - Mas estamos no caminho certo? Uma crítica frequente é que o Brasil precisaria priorizar mais a educação básica …

Setúbal - Não concordo. Acho que há algum tempo o MEC já está priorizando a educação básica. Nesse sentido, sim, estamos no caminho certo. Mas a educação é algo muito complexo. Não dá para dizer que é um ou outro elemento (que vai fazer a diferença). Se fosse fácil já estaríamos em outra situação. Agora, (avançar) exige também uma vontade política, um esforço de articulação. Você também não pode deixar de lado a questão da qualificação da mão de obra ou o ensino superior. A democratização do ensino superior, feita principalmente através do Prouni e Fies, é muito importante.

BBC Brasil - Pela sua origem e área de atuação, a sra. é uma pessoa que tem contato com vários segmentos da sociedade brasileira, dos mais ricos aos mais pobres. Parte do PT denuncia uma polarização social e atribui a rejeição ao governo a uma luta de classes. Como vê isso?

Setúbal - Acho que isso é um posicionamento ideológico que o PT sempre teve e o Lula sempre teve. É parte do jogo democrático. A sociedade de fato tem suas diferenças, sua diversidade, diferente classes sociais. Isso é parte do jogo. Normal.

BBC Brasil - A senhora escolheu se dedicar a projetos sociais. Mas há quem veja falta de empatia social nas elites brasileiras. Nos EUA parece haver uma cultura maior de doações a fundações e ONGs, por exemplo. O que acha?

Setúbal - É difícil comparar. Os Estados Unidos são um país muito mais rico que o Brasil. Incomparavelmente. Tem uma quantidade de pessoas ricas maior. Lá também há muitos incentivos para se abrir fundações. Aqui não. Eles têm uma cultura de participação diferente, além desses incentivos fiscais muito diferenciados. E acho até que essas comparações não têm muita consistência. Se você me falar tem uma pesquisa que levantou isso, aí a gente poderia analisar.

BBC Brasil - Os grandes empresários tem algum papel na redução das desigualdades sociais?

Setúbal - No Brasil você já tem vários empresários e pessoas que fazem muito individualmente. Tem aumentado muito o número de fundações familiares e empresariais, institutos e programas. Existe uma sociedade civil atuante - e de diferentes formas. Na área de educação, temos várias fundações e institutos com o objetivo de contribuir para a melhoria do pais e (redução) das desigualdades. É claro que eu gostaria que fosse mais.

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