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Polícia

RJ vive a maior operação policial da história, diz especialista

27 nov 2010 - 14h15
(atualizado às 20h05)
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A audácia dos traficantes no emprego da violência e no uso de armas pesadas não é uma novidade no cotidiano da população do Rio de Janeiro. Porém, para especialistas, a contundência da resposta do Estado à série de ataques orquestrada por facções criminosas ao longo da semana foi surpreendente.

Conforme o consultor da Secretaria Nacional de Segurança, Vinícius Cavalcanti, o Rio de Janeiro vive a maior mobilização policial de sua história. "Foram chamados agentes de todo o Estado, policiais civis e militares em férias, em folga e licenciados", afirmou.

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro disse que os atentados contra, principalmente, a rede de transporte público e veículos privados ocorreram em represália à instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas da capital carioca, um processo iniciado em dezembro de 2008.

Cavalcanti prevê que a implantação das UPPs deve provocar mudança de feição no tráfico de drogas do Rio de Janeiro. "As quadrilhas vão continuar sendo violentas e fratricidas entre si, mas não poderão mais ostentar fuzis, metralhadoras e domínio de território. Serão vendas discretas por encomendas."

Inspiração em Medellín

Conforme dados da municipalidade de Medellín, na Colômbia, de janeiro a agosto de 2010 ocorreram 1.250 mortes em conflitos com a polícia e nas disputas entre gangues e paramilitares por 52 territórios. Até julho, 2.266 pessoas abandonaram suas casas, fugindo da violência. Medellín adotou a estratégia que inspira as UPPs.

Sabine Kurtenbach, especialista em América Latina do Instituto alemão GIGA, sediado em Hamburgo, acredita que se pode aprender com a experiência de Medellín. Para ela, é normal o retorno da violência quando os investimentos sociais não são contínuos. "A desigualdade social é muito acentuada, algo que precisa ser combatido com investimentos. Também é necessário descobrir a razão do retorno da violência".

Kurtenbach disse que se trata de uma estratégia de fôlego, a conciliar continuamente a presença do Estado de Direito e a integração social nas comunidades. "Uma política que una somente segurança e desenvolvimento não funciona. Também é preciso aliar concomitantemente a integração social".

Para Kurtenbach, os esforços de segurança são eficientes somente quando a política de desenvolvimento tem um componente social. Vinícius Cavalcante lembra que a implantação do modelo no Rio tem sido menos sangrenta do que foi na Colômbia, pois as ocupações das favelas são previamente anunciadas

"No Rio, o bandido consegue fugir. Na Colômbia, os teleféricos, as belas escadarias e praças de Medellín e Cali foram erguidos em cima de cadáveres de bandidos comuns e líderes de quadrilhas", diz o especialista brasileiro, que visitou a Colômbia para conhecer o projeto que inspirou as UPPs.

Com a expulsão dos líderes do tráfico do Rio e a implantação das UPPs, o crime está migrando para cidades serranas, norte fluminense, Região dos Lagos e Baixada Fluminense. O fenômeno tem sido debatido pelos governos municipais, mas ainda não foram anunciadas medidas para combatê-lo.

Desde o início dos ataques, no último domingo, pelo menos 38 pessoas morreram em confrontos no Rio de Janeiro.

Violência

Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.

Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.

Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.

Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado

Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.

Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.

Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.

Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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