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Polícia

RJ: "quem tira a vida é Deus”, diz mãe de mototaxista morto

Em depoimento ao Terra, mães de dois mototaxistas mortos no morro São Carlos, no Rio de Janeiro, criticam PM e pedem justiça

18 mai 2015 - 15h23
(atualizado às 16h32)
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O Batalhão de Choque, homens do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e os próprios policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do morro São Carlos, no centro do Rio de Janeiro, ocupam a comunidade por tempo indeterminado, após os protestos de moradores pelas mortes dos mototaxistas Ramon de Moura (22) e Rodrigo Lourenço (29), além dos confrontos com traficantes rivais no morro da Coroa e Fallet, no Rio Comprido, bem próximo ao local.

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É justamente a presença maciça do Estado, com sua farda, que deixa ainda mais receosa as mães dos dois jovens mortos – segundo a família, por policiais militares. Mortos, não, executados. Pois eles têm a certeza de que a Polícia Militar é responsável pela morte de dois pais de família – ambos tinham um filho de três anos.

Os corpos de ambos foram encontrados num matagal na parte alta do morro São Carlos. Na certidão de óbito de Ramon de Moura, a causa mortis diz, resumidamente: “ferimentos transfixantes dos pulmões e coração, projétil de arma de fogo”. Na de Rodrigo Lourenço, “ferimentos transfixantes do encéfalo, projéteis de arma de fogo” - teriam sido quatro tiros na cabeça.

Enquanto a Divisão de Homicídios da Polícia Civil inicia as investigações – o laudo da morte sai em até 30 dias, e os depoimentos dos familiares estão sendo recolhidos nesta segunda-feira, na sede da DH, na Barra da Tijuca – o Terra conversou com as mães dos dois jovens no momento em que eram recebidas pelo deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. E traz nesta reportagem a versão das duas de como é a vida hoje de quem supostamente vive numa “comunidade pacificada”.

Margarete de Moura, mãe de Ramon

“O Ramón era meu príncipe. E eu sei que eu não vou ter mais ele de volta. Foi uma morte cruel. Bruta. Tento repensar a cena do que pode ter acontecido e tenho certeza de que ele pensou, no fundo: ‘quero a minha mãe’. A vida dele estava na minha mão. Somos de família humilde, de São José Operário, atrás do antigo presídio, ali no bairro do Estácio. Vivíamos eu, meu marido, meu filho, minha filha e meu neto. O meu marido, coitado, está caindo a ficha. Ele não conseguiu sair de casa ainda. É muita tristeza. O Ramón trabalhava todos os dias para pagar a moto que ele comprou com muito custo por R$ 3.500. Todo mês, ele pagava a prestação certinha de R$ 500.

Margarete de Moura, mãe do mototaxista Ramon de Moura, morto no Morro São Carlos
Margarete de Moura, mãe do mototaxista Ramon de Moura, morto no Morro São Carlos
Foto: André Naddeo / Terra

“Algumas vezes ele chegava em casa com R$ 50. Dizia que o ‘movimento foi fraco hoje, mãe’, mas eu sabia que ele não sobrava de algumas pessoas da comunidade. Tudo isso para escutar, depois, que o seu filho era bandido. Todas as mães gostavam dele como um filho. E quem não gostava dele era porque queria ser como ele. Como vai ser a nossa vida agora? Como vou explicar para o meu neto, de apenas três anos, que o pai agora é uma estrelinha no céu?

“Ele cresceu sendo vascaíno, mas aí o melhor amigo falou que ele tinha quer Botafogo. Aí acabou sendo um pouco dos dois. Ele gostava muito de dançar, era um palhaço, a festa só começava quando ele chegava. Perdemos o nosso dançarino. Sabe, eu sou muito religiosa, e acho que o propósito dele aqui foi esse, alegrar a vida das pessoas. Mas não precisava ter essa saída tão covarde.

“Meu marido sempre disse: cuidado com a Polícia, eles são covardes, é uma raça que só te escracha, te humilha. Se algum dia eles te abordarem e se você tiver que perder a moto, que perca. Deixa de lado. O povo te conhece, você corre atrás de novo. E olha o que aconteceu. Não temos dúvidas de quem matou o Ramón, de quem matou o Rodrigo. Eles ganham a farda para servir, não para tirar a vida. Quem tira a vida é Deus”.

Mariângela Lourenço, mãe de Rodrigo

“O Rodrigo era um pai de família muito responsável. Mas no estilo brincalhão, muito querido em toda a comunidade. Ele morava em Santíssimo, com a mulher e o meu neto, mas vinha trabalhar aqui na comunidade todos os dias. Chegava por volta de 6h15 em casa para o café. Só ia embora lá pelas 22h. Na quinta-feira, ele apareceu aqui em casa para pedir emprestado o cartão (do banco) da irmã, são cinco filhos que eu tive com o meu marido no total. Ela emprestou o cartão para ele consertar algo que precisava na moto. Aí ele sumiu.

Mariângela Lourenço, mãe de Rodrigo Lourenço, também morto no morro São Carlos
Mariângela Lourenço, mãe de Rodrigo Lourenço, também morto no morro São Carlos
Foto: André Naddeo / Terra

“Eu ligava para o celular dele toda hora, e só dava caixa postal. Não tínhamos resposta nenhuma. Chegou uma hora em que eu falei com a minha filha: ‘acho que mataram o meu filho, ele não deixaria de me responder, ele teria dado notícias’. Até que acharam o corpo dele e do Ramón. Eles eram como ‘Tico e Teco’. A vida do ser humano não está valendo mais nada.

“As pessoas têm medo da Polícia. É um convívio ruim, não tem projeto social nenhum. Você só vê tiro. Eles querem o meu respeito pelo fuzil. Cadê o treinamento que o Governo do Rio tanto prometeu? São pessoas cruéis. Eu estou em pé aqui conversando com você não sei nem como. Meus filhos me apoiam, me ajudam, mas não sei até quando eu vou aguentar.

“Minha nora não consegue sair da cama e o meu neto está lá, perguntando do pai, da moto, quando ele chega. Como essa criança vai crescer? Sabe o que é pior, na verdade? Quem matou o Rodrigo não está nem aí. E a ordem, mais uma vez, é invertida. Meus filhos que deveriam me enterrar.

“Só quem mora em comunidade sabe do que esses policiais são capazes. Se todo mudo tivesse coragem para denunciar... Estamos vivendo num Estado onde existe a pena de morte, mas sem julgamento. Daqui a pouco não vamos ter mais jovens no mundo. Que a justiça seja feita”.

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Fonte: Terra
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