PUBLICIDADE

Polícia

Rio: moradores denunciam abuso de policiais na Vila Cruzeiro

27 nov 2010 - 07h39
(atualizado às 07h44)
Compartilhar

O contato inicial de uma população carente - que há anos vive refém de traficantes sanguinários - com a polícia que chega representando o Estado provocou as mais distintas reações na Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio de Janeiro. A sexta-feira foi de calmaria absoluta nas ruas. Ninguém foi obrigado a ficar dentro de casa rezando para que uma bala perdida não atravessasse a parede. Crianças jogavam bola e corriam de um lado para o outro. O comércio estava todo reaberto. E sem os criminosos ali, os policiais também caminharam tranquilamente e revistavam tudo o que queriam dentro da favela. Alguns abusos e uma boa dose de descaso, entretanto, geraram protestos dos cidadãos.

Um exemplo absurdo virou registro de furto na 22ªDP (Penha). O representante de vendas e pastor evangélico Ronai de Almeida Lima Braga Júnior, 32 anos, saiu de sua casa, na rua 16, por poucos minutos. Foi tempo suficiente para que alguns policiais invadissem e destruíssem o local.

"É revoltante! Venham aqui na casa do meu irmão para ver o que fizeram. Era o sonho de comprar uma casa fora daqui e roubaram todo o dinheiro dele", repetia, revoltada, Silvia Almeida.

Funcionário de uma empresa por dez anos, ele somou o dinheiro que guardou com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que recebeu há poucos dias e se preparava para levar os R$ 31 mil à Caixa Econômica Federal na parte da tarde. Não deu tempo. Quando chegou em casa, alertado por vizinhos, Ronai viu seu sonho evaporado.

Para a delegacia, ele levou os comprovantes do pagamento do FGTS. Eram três - nos valores de R$ 5.300, de R$ 10.520 e de R$ 4.729. "Até o momento, não fomos notificados de nenhuma apreensão de dinheiro. Então, vamos investigar quem pode ter sido o autor", explicou a delegada Márcia Beck, titular da 22ª DP (Penha). Vizinhos acusam um policial que usaria farda preta, com o nome de Carlos e o tipo sanguíneo A positivo marcado no colete.

Perto dali, Rosinéia Santos, 28 anos, funcionária de um restaurante, reclamava de seu computador furtado. Mas nenhum outro registro de ocorrência foi feito. A principal reclamação dos moradores, na verdade, era em relação à Light, que durante horas alegou não ter segurança para entrar e consertar o problema de falta de energia. Foram quase 24 horas sem luz. "Perdi o feijão todo que havia feito. E muitos remédios de criança e comida estão estragando", dizia uma moradora.

O que rendeu elogios foi a ação rápida da Secretaria de Ordem Pública (Seop) e da Comlurb, que entraram na Vila Cruzeiro e fizeram a limpeza das vielas, com a retirada de carros incendiados e barricadas. Para isso, contou com a ajuda das retroescavadeiras do Batalhão de Operações Especiais (Bope), que destruiu várias casamatas do tráfico.

Prefeitura promete limpar a comunidade

O secretário de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Ozório, circulou pelas vielas da Vila Cruzeiro para identificar as necessidades dos moradores. A bordo do blindado "caveirão", Ozório pôde ver a quantidade de lixo e a dificuldade de acesso em alguns locais. "Podemos ajudar com a abertura e fechamento de ruas e com a retirada de lixo e carcaça de carros. A RioLuz já está lá, recuperando a iluminação", afirmou.

Morador da Penha há 47 anos, o biscateiro Dorval Alves de Moura, 48 anos, só conseguiu sair de casa ontem, depois de dias entrincheirado dentro de seu lar. "Esses bandidos são machos com o trabalhador. Agora a polícia vai ter que ficar de vez, senão a comunidade vai sofrer muito com isso", afirmou.

Dono de uma agência de veículos em Del Castilho, P., 50 anos, calcula os prejuízos dos dias em que a loja ficou fechada, mas acredita que tenha sido por um bom motivo. "Tive medo de que incendiassem os carros da loja. Todo mundo sabia que o preço dessa mudança ia ser alto. Foi muito tempo de abandono e agora espero ver resultados", torce o comerciante.

Moradores aplaudem chegada do Exército e tiram fotos com blindados

Um comboio de veículos pesados e tanques de guerra em tons de verde camuflado pintou as ruas do subúrbio de esperança. Enquanto o Exército se posicionava desde Vicente de Carvalho até Inhaúma, cercando um por um todos os acessos aos complexos da Penha e do Alemão, moradores, comerciantes e motoristas davam boas vindas à sensação de paz trazida pelos militares com aplausos. No céu, dois helicópteros acompanhavam o desembarque das tropas. Em Olaria, em frente ao 16º BPM, muita gente com espírito cívico parou para observar os blindados da Marinha e registrar fotos dos veículo que viraram a marca da operação mais importante da história daquela região.

"Deixaram eles tomarem nosso espaço. Já tinha que ter feito essa operação conjunta há muito tempo, pelo bem da cidade. É hora de entrar lá e devolver a paz a todos nós", disse o paraquedista Rafael Medeiros, 35 anos, que estava de mãos dadas com os três sobrinhos pequenos, apresentando os "lagartos anfíbios".

"Ih, mãe, são iguais aos meus soldadinhos", disse o pequeno João Pedro, 5 anos, à servidora pública Andréia Silva, 40 anos, que disse ter boas expectativas para o futuro. "Consegui respirar aliviada de novo. Estava preocupada com a violência crescente e assustadora", acrescentou.

O assistente financeiro Jonas Venâncio, 45 anos, também levou a filha Ana Carolina, 9 anos, para fotografar os blindados. "Apesar do impacto desses carros de guerra, a sensação é de alívio. Minha família acordou feliz, com esperanças de que finalmente poderemos ter paz. Até então, era só troca de tiros e parece que alguma coisa concreta vai acontecer", festejou ele, depois das fotos.

Em Vicente de Carvalho, a produtora de eventos Luzia Mara, 51 anos, também saiu de casa mais tranquila. "Minha vontade esses dias era de ficar em casa, escondida. Só saí porque realmente precisava resolver coisas do dia a dia. O bairro estava entregue e agora temos alguma esperança", disse.

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que os resultados obtidos pela polícia ocorreram graças à colaboração da população. "Tenho uma série de informes que ajudaram a polícia a alcançar seus objetivos. Quando isso tudo parar, gostaria de poder abraçar essas pessoas e quem sabe apresentá-las ao Brasil, para mostrar a importância que isso está tendo. Estamos devolvendo o sentimento de esperança às pessoas", frisou. Desde o dia 20 de novembro, 36 pessoas morreram nos confrontos em todo o Estado.

Violência

Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.

Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.

Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.

Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado

Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.

Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.

Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.

Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.

Fonte: O Dia
Compartilhar
Publicidade