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Polícia

Pulo de 7 metros e blecaute: entenda como foi a morte de DG

Últimos minutos de vida do dançarino do programa “Esquenta” incluíram um salto de quase sete metros de altura na laje de uma creche, durante uma fuga realizada em meio a um blecaute

4 mar 2015 - 17h58
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Documento de identidade do dançarino do Esquenta, Douglas Rafael da Silva Pereira
Documento de identidade do dançarino do Esquenta, Douglas Rafael da Silva Pereira
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Após encerrar inquérito sobre a morte do dançarino do programa “Esquenta”, da TV Globo, com o pedido de prisão preventiva do policial que o atingiu com um tiro, o delegado responsável pelo caso narrou o “perrengue” da fuga que terminou em morte numa favela de Copacabana, no Rio de Janeiro.

A palavra usada pelo delegado titular da 13a DP (Ipanema) define de maneira bastante direta como foram os últimos momentos de vida de Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG: “perrengue”. Os últimos minutos de vida do dançarino do programa “Esquenta”, que trabalhava com Regina Casé havia quatro anos, incluíram um salto de quase sete metros de altura na laje de uma creche, durante uma fuga realizada em meio a um blecaute na comunidade Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.

Foi lá, no fundo de uma creche, que o seu corpo foi encontrado no dia 23 de abril de 2014, um dia depois de um intenso tiroteio entre policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local e supostos três traficantes. Na conclusão do inquérito, que levou quase um ano para ser finalizado, o delegado titular da 13a DP (Ipanema), Gilberto Ribeiro, pede ao Ministério Público a prisão preventiva por homicídio qualificado (sem direito a defesa) do soldado Walter Saldanha Corrêa Júnior – segundo Ribeiro, o autor do disparo único que matou DG.

Outros seis PMs foram indiciados ainda por falso testemunho e prevaricação. Dois outros homens da UPP foram absolvidos na investigação. O tiro que atingiu DG perfurou a região lombar direita e saiu pelo ombro do mesmo lado, debaixo para cima – perfurando o pulmão e causando a hemorragia que lhe tirou a vida, como constatou a perícia técnica no corpo do dançarino.

Maria de Fátima da Silva comparou a morte do filho, o dançarino DG, ao desaparecimento de Amarildo e disse que "UPPs são uma farsa"
Maria de Fátima da Silva comparou a morte do filho, o dançarino DG, ao desaparecimento de Amarildo e disse que "UPPs são uma farsa"
Foto: Daniel Ramalho / Terra

“Não existem dúvidas de que o tiro foi dado pelo policial militar e que ele foi morto dentro de uma ação imprudente”, disse o delegado. Gilberto Freire ainda acrescentou de que o soldado Saldanha teve o dolo de matar, “pois na posição em que ele (DG) se encontrava, ele não oferecia risco nenhum”. A partir do momento em que o dançarino foi atingido, tem início uma série de mentiras que, no decorrer das investigações, foram sendo provadas pelo inquérito. A principal delas: que os traficantes teriam atingido a vítima fatal, mas como, se o tiro foi debaixo para cima, justamente na posição em que estava policial e o atingido, respectivamente?.

Ação desastrada

Por volta de 22h do dia 22 de abril do ano passado, o sargento Alessandro da Silva anunciou para a equipe de plantão na sede da UPP do Pavão-Pavãozinho de que uma denúncia anônima dava conta que três traficantes estavam numa determinada localidade da comunidade – Tiaguinho, Dudamel e Pitbull, tido como o chefe do tráfico local. Somente pouco mais de duas horas depois, nove policiais militares tomaram a decisão de patrulhar pelas vielas.

Na chegada a uma quadra local, todos os PMs relataram que houve investida por parte dos traficantes – que estavam localizados num prédio alto, de cinco pavimentos, sendo apenas os três primeiros habitados. “Diante de todos os depoimentos recolhidos (inclusive de moradores), não restam dúvidas de que houve o confronto”.

Três policias considerados mais experientes na comunidades, “há cerca de seis meses na UPP da comunidade”, como relata o delagado, fizeram investida de verificação dentro do prédio. Outros seis, ficaram no trabalho de retaguarda, sendo que o sargento Valadão, dando guarita aos que ficaram em solo, foi o único do grupo que não faltou com a verdade na investigação.

“Os outros cinco se fecharam na mentira”, conta o delegado, lembrando que Valadão ficou na defensiva, com a visão de outro ângulo dos restantes dos colegas. Foi justamente o seu depoimento o decisivo para saber que Saldanha foi o autor do disparo, como explicou o delegado, já que ele relatou que o soldado havia confessado lhe confessado no retorno dos policiais após a ação que “havia acertado um ganso”. O tal ganso era DG.

O dançarino, não se sabe por qual motivo, “uma vez que não conseguimos detectar isso, já que não conseguimos depoimentos que provassem qual era a relação dele com o local do confronto”, estava no beiral do quarto andar do prédio. Pelo rádio, um dos policiais que acompanhava a conversa dos supostos traficantes, avisou que eles estavam munidos de granadas.

Neste momento, numa infeliz coincidência, “a gente percebeu uma fratura no concreto desse beiral por onde ele passava”, relembra Ribeiro. A constatação é que o concreto que caiu assustou os policiais e Saldanha, que teria efetuado o disparo. “Ele em seu depoimento, disse que fez apenas cinco tiros, todos antes de chegar a esse ponto”. “Mas acho realmente que eles pensaram que era uma bomba” que teria sido arremessada e que poderia ser deflagrada a qualquer instante.

Mas como o corpo de DG foi parar tão longe, já que o muro que separa o prédio e, posteriormente, a laje para onde foi o dançarino tem uma distância bastante alta, de cerca de sete metros?

“A gente fazia a perícia no local tentando entender o que aconteceu, quando olhou três pessoas no prédio onde o DG estaria. Perguntei se eles tinham ouvido tiros, e uma menina confirmou. Perguntei depois se elas tinham visto alguém pular. Aí ela falou: ‘bicho acuado faz qualquer coisa para fugir’. Foi nesse momento que eu vi que uma das caixas d’água estava sem a tampa e lembrei que o corpo dele foi encontrado molhado”.

Muito embora o delegado confesse que “eu já sabia que tinha sido os policiais desde o terceiro dia de investigação”, o quebra-cabeça começou a ser montado ali. De acordo com o inquérito, DG “na ânsia pela fuga, no desespero”, saltou para um muro numa altura bastante considerável. Ao acertar uma das caixa d’águas, DG teria machucado o rosto – o que gerou dúvidas por parte da família do dançarino, que sempre acusou a PM de tê-lo torturado.

“Ele passou por um grande perrengue”, conclui Ribeiro. “Imagina ele, atingido por um tiro que acertou o seu pulmão, pular de uma altura daquela, cair numa caixa d’água, caminhar por uma laje entre duas creches, cair, e depois se arrastar por um beco antes de morrer. E tudo isso na escuridão, já que muitos relatos, inclusive dos policiais, falam em blecaute justamente na hora em que ele salta do prédio”.

As manchas de sangue no corredor estreito onde DG foi encontrado comprovaram, de acordo com o inquérito, que ele seguia em fuga antes de cair, sem forças. “A conclusão da perícia foi que o corpo (encontrado no dia seguinte) foi encontrado em posição cadavérica, o que não traz a certeza, mas a tese, de acordo com o delegado, de que a posição de defesa que os familiares reclamavam em que ele foi encontrado, nada mais foi do que a posição em que ele perdeu a vida.

Outros dois policiais que foram enviados ao local para guardar o corpo para a chegada da perícia também foram indiciados por falso testemunho e prevaricação, pois, se não existem provas de que eles poderiam ter mexido no corpo, “ficou claro que eles tentaram colocar no local um rádio-transmissor (muito usado por traficantes), mas que pela posição onde encontraram e disseram ter visualizado o corpo dele, era impossível”, finaliza Gilberto Ribeiro, que enviou o relatório que agora está nas mãos do Ministério Público do Rio de Janeiro. 

Fonte: Terra
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