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Polícia

Beltrame defende criação de ministério para segurança pública

14 dez 2012 - 09h06
(atualizado às 09h14)
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O gaúcho José Mariano Beltrame, 55 anos, completa, no final deste ano, seis anos à frente da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Impulsionado pelo sucesso da implementação do projeto das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), Beltrame já é, na história recente do Rio, a pessoa que mais tempo permaneceu à frente da pasta.

Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro concedeu entrevista exclusiva ao <strong>Terra</strong>
Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro concedeu entrevista exclusiva ao Terra
Foto: Mauro Pimentel / Terra

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Nesse período, conseguiu reduzir alguns índices de criminalidade, como os números de roubos de rua e de veículos, e aumentou as apreensões de drogas e de prisões, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Além das UPPs, cujo primeiro projeto, no morro Santa Marta, completa quatro anos de existência na próxima quarta-feira, Beltrame criou o sistema de metas de redução de criminalidade, que paga prêmios aos batalhões que conseguem diminuir a incidência de crimes.

Ele atribui o sucesso de sua gestão à despolitização da pasta da Segurança Pública. Oriundo da Polícia Federal, Beltrame garante ter tido carta branca para trabalhar, sem influência política para nomear os gestores da segurança fluminense. Em entrevista exclusiva ao Terra, o discurso de Beltrame passa bem longe do tom político. Em tom franco e direto, o secretário diz que visualiza a segurança além da questão do combate ao crime, e não poupa alfinetadas a setores dos governos municipal, estadual e federal.

Para o governo federal, não faltam críticas ao tratamento que a segurança pública tem. Beltrame pede a criação de um ministério específico para tratar do tema, e defende que a segurança deve ser vista com a mesma preocupação que a saúde e a educação têm. "Hoje, a segurança pública não tem um ministério, não é vista pelo governo federal com o tamanho da educação, da saúde", afirma.

Veja abaixo a primeira parte da entrevista exclusiva de Beltrame ao Terra:

Terra: O senhor está há seis anos na pasta, é o secretário que mais tempo está à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro. Qual o segredo de se manter em um cargo que num cargo que sempre teve grande rotatividade no Estado?

José Mariano Beltrame: O grande segredo, que é um ganho que a população tem, que é maior até que a própria UPP, é a despolitização da segurança pública. Talvez seja o ganho mais importante. Não posso querer fazer um programa de redução de meta de criminalidade, se o delegado da área não está enquadrado naquilo que se pretende. A despolitização foi chave para tudo. É a grande vitória que o Rio de Janeiro tem. Não que um político não possa vir a ser secretário. A pessoa para fazer algo hoje aqui precisa ser transparente, objetiva, e conhecer que temos muito mais problemas para resolver do que aquilo que já foi feito. É um discurso difícil para um político se movimentar, porque ele, o partido, as coligações, enfim, não permitem que ele mostre uma mazela com clareza. E já acho que o técnico faz o movimento contrário. Se estou com dor de cabeça, tenho que ir ao médico e dizer que estou com dor de cabeça. Não posso dizer que me dói mais ou menos. Só vai ter um diagnóstico e executar uma solução efetivamente em cima daquela mazela, daquele problema.

Terra: Qual a grande diferença na atuação de hoje, que o senhor diz ser despolitizada, e a de gestões anteriores?

Beltrame: Não tínhamos política de segurança muito clara. Se agia muito em cima da mídia negativa. A notícia era ruim, então a polícia corria.

Terra: Nesse tempo à frente da secretaria, o que ainda o deixa insatisfeito? O que mais precisa ser feito?

Beltrame: Acho que precisamos avançar muito na questão da infraestrutura. Chego a comparar com o Brasil, onde há avanços, mas o nosso crescimento fica comprometido porque não se tem portos, estradas, esgoto. O desafio da segurança é muito parecido. Hoje se preparam policiais para se trabalhar numa UPP totalmente fora da realidade que existia há cinco anos. Mudamos a carga horária e o currículo para se formar operadores da segurança pública, e não mais guerreiros. Isso é um avanço. Mas, em compensação, não temos os batalhões por rede de tecnologia, nem todas as UPPs têm internet. O desafio é desenvolver uma polícia e fazer um trabalho de infraestrutura.

Temos também o desafio da consolidação. Não tem mais muito o que se inventar, pelo menos no curto prazo, já que temos mais dois anos aqui. O que temos (de fazer) é colocar os projetos em andamento para funcionar, como consolidar a redução de metas de criminalidade, colocar o centro de comando integrado para funcionar, inaugurar a cidade da polícia e um novo ICCE (Instituto de Criminalística). Estudamos com o Bradesco uma bolsa-moradia para o PM.

Terra: Quais os maiores empecilhos que o senhor enfrentou para implementar os projetos para a segurança do Rio?

Beltrame: Meu maior problema aqui foi a mudança de um paradigma de violência nas polícias. Hoje, principalmente para a PM, que tem a ação ostensiva, que atende as pessoas, sair de um lado que você não é mais um guerreiro, e sim, um operador de segurança pública. Numa instituição que chegou aqui com o Império, para servir o rei, e não à sociedade, uma polícia que foi colocada nas ruas para fazer guerra, que subia morro para matar, morrer e ferir, mudar isso, dizer a ela para desistir do fuzil e partir para a arma não-letal. Isso está acontecendo porque hoje temos 7 mil PMs nas UPPs que trabalham assim. Não posso dizer que ela mudou, mas ela está em franco processo de mudança. Esses policiais novos estão sendo preparados dentro de uma outra lógica. Mas ainda temos mais de 30 mil policiais oriundos da política de o cachorro querer morder o rabo. Não quero dizer que a Polícia Civil não mudou ou não vai mudar, mas ela é uma instituição eminentemente técnica, que tem função de investigar.

Esses lugares que têm UPPs eram ilhas de violência, o Estado não existia. E na cidade precisa de outra política, que é a de metas, na qual a gente paga para quem conseguir reduzir criminalidade. Você tem efetivamente uma cidade partida a ponto de ter políticas diferentes. Mas ali na frente, elas se juntam. O Santa Marta, por exemplo, não é mais favela. É do bairro de Botafogo. Na Cidade de Deus e na Mangueira é a mesma coisa. Agora, isso é uma caminhada, é o que a gente pretende como parte de uma solução. Mas ainda tem um caminho oceânico aí para ser percorrido. Ainda temos muito o que crescer.

Terra: A simples presença da polícia é sinônimo de garantia de que essas áreas serão realmente pacificadas?

Beltrame: O Rio não tem nessas áreas uma política contra a violência. A discussão de violência hoje só gira em torno do combate ao que já existe. Há vários tipos de violência, como a doméstica, com a criança que vê o pai agredir a mãe, a criança que vê alguém colocar fogo num ônibus, que assiste alguém com uma granada na mão. A violência não precisa ser física. Ouvir o estampido de um tiro é ser violentado. E não se tem uma política. Qual o trabalho do Estado, do município ou da própria União? Ah, tem a secretaria A, mas são trabalhos pífios, que muitas vezes se reduzem a denuncismo. O que se faz hoje nessas áreas em termos de uma política contra o ato violento? Não se tem uma política que seja não-violência. Uma fila de um hospital, como a do Into (Instituto de Traumato-Ortopedia), será que aquilo não é violência? A fila de um ônibus, de um trem, o jeito que as pessoas são recebidas no metrô. Isso tudo leva as pessoas a um nível difícil.

Terra: O Rio sempre teve grandes problemas na área da segurança pública, mas, ultimamente, São Paulo e outros Estados, como Santa Catarina, enfrentaram crises significativas. A mazela da segurança deixou de ser uma questão eminentemente do Rio?

Beltrame: Segurança pública é um problema brasileiro. Nunca deu voto. Então não se investe em polícia, não se dá salário para polícia. De vez em quando vai alguém lá e abana as chaves de um monte de carro, promove algumas pessoas, e segue. Mas hoje ninguém sobe em um palanque político sem falar primeiro em segurança pública. Mas se vê muitas polícias em situação muito difícil. O governo federal deixou, para mim, isso para trás, na Constituição de 1988, que realmente é um instrumento democrático. Mas os caras colocaram tudo que eles não queriam, e, entre essas coisas, polícia era sinônimo de repressão, de braço forte do Estado. Era um patinho feio. Então, deixaram tudo isso de lado, passaram para os Estados. Hoje, a segurança pública não tem um ministério, não é vista pelo governo federal com o tamanho da educação, da saúde. E hoje ela tem demanda talvez maior do que a da educação e a da saúde.

Terra: O governo federal não prioriza a segurança pública? É fundamental ter um ministério?

Beltrame: Defendo um ministério. Não é a figura do ministério, já que se podem ter vários ministérios, e eles não terem força. Mas o ministério é importante porque em determinados momentos você senta numa mesa com o presidente da República, em igualdade de condições com os demais ministros. O ministério é uma demonstração preferencial sobre o assunto. Com ele, você tem um acesso, um canal, uma agenda mais fácil com a Presidência. Entendo que o governo federal tem que entrar e resgatar isso.

O que fizemos aqui no Rio? Procuramos no inteirar dos assuntos, e consultorias externas. Ter uma visão eminentemente profissional, com programas de metas, meritocracia nas promoções. Quem dá aula hoje na academia? Temos um banco de talentos, que seleciona automaticamente. Não é mais o major que era amigo do delegado. Acho que, lá atrás, se faltou uma visão prospectiva de uma segurança para dali a dez, 20 anos. E hoje nós temos esse problemas.

Terra: Então, os Estados ficam sozinhos nessa questão da segurança pública?

Beltrame: Acho que ficam. Os Estados maiores, como Rio e Minas, têm o recurso próprio que consegue movimentar um pouco a segurança pública. Mas há os Estados muito pequenos, muito pobres, que têm arrecadação pequena, e que dependem, efetivamente, do fundo nacional de segurança, de um convênio, de um recurso do governo federal para tocar a segurança. Sou muito favorável a que se reveja tudo isso, porque segurança é que nem saúde, é que nem educação. Não adianta ter uma segurança boa no Rio, se não se tem uma segurança boa em outros Estados. Sem segurança, não se tem educação. Por exemplo, recebi a informação de que depois da ocupação na Cidade de Deus, 38% dos alunos retornaram às escolas, as mães começaram a liberar os filhos para ir à aula.

Fonte: Terra
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