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Polícia

MG: fazendeiro e pistoleiros vão a júri por morte de 5 sem-terra após 9 anos

Acusados de invadir o acampamento Terra Prometida, em Felisburgo(MG), e matar cinco integrantes do MST, começam a ser julgados nesta quarta-feira

21 ago 2013 - 07h54
(atualizado às 08h00)
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Sem-terra querem acompanhar júri para evitar adiamento
Sem-terra querem acompanhar júri para evitar adiamento
Foto: Ney Rubens / Especial para Terra

Começa às 8h30 desta quarta-feira no 1º Tribunal do Júri do Fórum Lafayette, em Belo Horizonte (MG), o júri popular do fazendeiro Adriano Chafik Luedy e outros três acusados de invadir o acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha (MG) e matar cinco integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além das cinco pessoas mortas, outras 12 ficaram feridas. Um quinto acusado que também iria a júri nesta quarta-feira morreu durante o andamento do processo. 

O acampamento Terra Prometida fica dentro da fazenda Nova Alegria, de propriedade de Chafik, apontado pelo Ministério Público como o mandante do crime. Segundo o processo judicial, no dia 20 de novembro de 2004, o fazendeiro e outros 14 pistoleiros, a maioria encapuzada, invadiram o acampamento, atiraram contra os sem-terra e atearam fogo em 27 barracos de madeira onde funcionavam moradias e escolas. 

De acordo com o Ministério Público, o dono da fazenda Nova Alegria comandou o ataque depois ter negada pela Justiça ação de reintegração de posse. Os mais de 500 hectares foram remarcados em favor dos assentados. Inconformado com a derrota jurídica, Chafik reuniu 14 homens e, em 20 de novembro, ordenou e liderou o ataque ao acampamento. As vítimas foram executadas a tiros. 

Os réus são acusados de homicídio qualificado, tentativa de homicídio e incêndio. O fazendeiro responde ainda por formação de quadrilha.

O julgamento será presidido pelo juiz do 2º Tribunal do Júri do Fórum Lafayette, Glauco Eduardo Soares Fernandes, mas a sessão será realizada no plenário do 1º Tribunal do Júri. O Ministério Público será representado pelo promotor Christiano Leonardo Gonzaga Gomes. Todas as testemunhas serão ouvidas por carta precatória.  A transferência do júri para Belo Horizonte foi solicitada, segundo a Justiça, para garantir a imparcialidade e a segurança dos envolvidos.

Morosidade

Cerca de 800 integrantes do MST prometem acompanhar o júri popular em Belo Horizonte. Segundo Silvio Neto, uma das lideranças do movimento em Minas Gerais, o MST quer evitar que o fazendeiro Adriano Chafik e os outros três acusados sejam inocentados.

“Se isso acontecer, o MST se compromete a fazer manifestação e lutas em conjunto com a sociedade. No entendimento do MST, se não houver mobilização social, o Poder Judiciário tende mais uma vez a ser conivente com a violência no campo e a adiar o julgamento e a prisão desse fazendeiro Adriano Chafik, que é mandante e executor dos cinco trabalhadores que foram assassinados no acampamento Terra Prometida e também responsável por toda a barbárie e covardia que foi o massacre”, disse.

Nesta terça-feira, pelo menos 500 trabalhadores rurais acamparam em frente à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de onde sairão para seguir até o fórum. Os sem-terra reclamam da demora no júri dos executores, que já foi adiado duas vezes: “O risco de um novo adiamento existe. Por isso, estamos mobilizados para que ele seja julgado, ele e os outros pistoleiros. O que de fato não queremos é que voltemos para a casa sem nenhuma posição real do Poder Judiciário, queremos uma resposta, queremos um responsável pelo massacre”, completou Neto.

Sobreviventes

O Terra conversou com sobreviventes e familiares de vítimas do massacre acampados em Belo Horizonte. A maioria vestia uma camisa com os nomes dos cinco lavradores mortos na chacina. O lavrador Jorge Rodrigues Pereira contou que as mais de 200 famílias do acampamento Terra Prometida foram apanhadas de surpresa.

“A gente havia acabado de sair de uma reunião quando alguns pistoleiros apareceram e pegaram um senhor chamado Geraldo Guimarães pelo colarinho da camisa e com uma arma já encostada na cabeça dele. Atrás, vinham duas filas formadas por diversos jagunços armados. Os primeiros que foram atingidos foram os cinco que morreram. Foi uma cena de filme, naquela hora corria um para o lado e outro para o outro, e tentava voltar, mas aí muitos tiros ao mesmo tempo”, relembrou.

Os sobreviventes contam que o fazendeiro Adriano Chafik Luedy liderava o grupo de jagunços e foi reconhecido pelas vítimas: “Ele estava no meio das filas de pistoleiros, gritando, fazendo cena. Essa hora foi desespero mesmo: criança chorando, mulher chorando, gente ensanguentada. E eu saí e eles disseram: 'põe fogo, põe fogo!' Depois, voltaram para trás e fizeram um círculo atirando para todo o lado, vários tiros ao mesmo tempo”, contou Pereira. 

O lavrador Melquíades Jorge da Silva Neto perdeu o pai, o também lavrador Juvenal Jorge da Silva. Ele contou que trabalhava em uma lavoura ao lado do acampamento quando soube do massacre: “Quando eu cheguei, ele já estava morto. Ele e os outros quatro companheiros. Os corpos já tinham sido colocados à sombra. Eu vi que o Francisco ainda estava vivo, batendo com a cabeça e os miolos saindo pela testa, uma cena horrível”, narrou.

Inconformado, Melquíades disse que a família quer a condenação do fazendeiro a uma pena maior que 30 anos. “A gente quer ele na cadeia, para pagar o que fez. A minha mãe está sofrendo até hoje com o menino que ela tem (filho da vítima, que na época do crime tinha quatro anos).” “Ele era um homem trabalhador, o esteio da família. Até hoje a gente sofre pela falta dele. A minha filha, neta dele, de três anos na época, teve depressão e até hoje sofre”, completou Maria Renilda da Silva, nora de Juvenal.

O lavrador disse não acreditar na hipótese dos acusados serem inocentados no julgamento, mas, se isso acontecer, novos confrontos poderão acontecer. “Ele vai chegar lá com novos pistoleiros, não vai chegar só. E aí nós vamos vingar a morte do meu pai e dos quatro companheiros, mas ele não será capaz de ir lá, não”, disse.

Outro sobrevivente é o lavrador José Maroto Lima dos Santos, que ficou internado durante oito dias para se recuperar de um tiro que levou no peito: “Eles vieram soltando foguete. Eles começaram a atirar e eu recebi um tiro aqui no peito. Os quatro companheiros foram atingidos e caíram todos encostados do meu lado. Eu corri para a beira de um córrego e só senti a dormência, não senti dor. Passaram uns dez minutos e quando tentei levantar, não achei forças”, disse. 

Medo

Maroto revelou que o acampamento Terra Prometida tinha na época mais de 200 famílias. Atualmente apenas 40 vivem no local do plantio de lavouras e da criação de animais. “A maioria abandonou o acampamento por medo de que aquilo aconteça de novo. Foi muito triste.”

“Medo, ameaças. Tinha uma ameaça indireta que rodava na cidade que iriam jogar uma bomba para exterminar todo mundo, isso criou um pânico. Quem tinha família fora, em Belo Horizonte ou São Paulo ou em algum lugar mais longe, achava qualquer jeito de pegar a família e levar embora. Por dia, perdemos de três a quatro famílias por conta dessas ameaças”, completou Jorge Rodrigues Pereira. 

Desapropriação

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Belo Horizonte informou que o processo de desapropriação da Fazenda Nova Alegria em Felisburgo foi ajuizado em 2009 e o órgão atualmente aguarda decisão da Vara Agrária da Justiça Federal de Minas Gerais.

O proprietário das terras entrou com uma ação ordinária que questiona o laudo de improdutividade do Incra-MG. Somente após o julgamento dessa ação o processo de desapropriação e assentamento das famílias poderá ser executado.

Fonte: Especial para Terra
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