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Papa Francisco no Brasil

Rio: comunidade quer receber papa Francisco 'sem maquiagem'

Varginha, no complexo de Manguinhos, pretende que o Papa conheça a comunidade e os problemas enfrentados pelos moradores diariamente

26 mai 2013 - 12h06
(atualizado às 12h06)
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Moradores querem que papa veja o bairro como ele é, e chamam obras de 'maquiagem'
Moradores querem que papa veja o bairro como ele é, e chamam obras de 'maquiagem'
Foto: Daniel Ramalho / Terra

No salão de beleza de Kelly se fala de tudo. Mas o assunto que tem tomado conta do local nos últimos dias é a visita do papa Francisco à comunidade de Varginha, ou Parque Carlos Chagas, como o local de cerca de 3 mil habitantes dentro do complexo de Manguinhos era chamado a até bem pouco tempo. Mas, por mais incrível que possa parecer, Kelly e suas amigas querem que Varginha receba o Papa no dia 25 de julho, durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), como está, sem maquiagem. “Essa limpeza que está acontecendo é só por enquanto, uma maquiagem”, disse Kelly Cristina Conceição, dona do salão, enquanto vê homens da prefeitura trabalhando na recolha do lixo. Algumas poucas coisas já chegaram ao local com a confirmação da visita do Papa e com a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em janeiro. “Quero ver ele ter que ir ao médico na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) entre 18h e 19h” desafia Virginia Ferreira, amiga de Kelly.

Do lado oposto da avenida Leopoldo Bulhões, conhecida até pouco tempo por Faixa de Gaza, o local escolhido pelo Vaticano e pelo comitê organizador para a visita do Papa foi selecionado com muita cautela. A igreja de São Jerômino Emiliano fica a menos de 20 metros da avenida principal. Com uma estrutura simples de 15 metros por 6 metros, tem capacidade para 60 pessoas sentadas e foi reformada recentemente com dinheiro dos próprios paroquianos. 

"Já veio gente aqui oferecer qualquer coisa que a gente precisasse para melhorar a igreja, mas não queremos nada. Do jeito que está, está bom”, conta José da Costa Oliveira, um dos responsáveis por cuidar da igreja fundada por padres italianos há 42 anos. “Não seria bom o Papa chegar e ver uma comunidade maquiada. São Jerômino protegia os pobres e agora esse Papa quis vir aqui ver como vivem os pobres”, afirmou.

Dentro da igreja tudo é muito simples. Dezoito bancos de madeira, quatro ventiladores de parede, três luminárias, um garrafão de água mineral para acalmar o calor das missas dominicais das 18h compõem o cenário. Na sacristia, o papa Francisco vai ter à disposição uma mesa de ferro meio enferrujada e um banheiro apertado com azulejos em tom bege. “Não precisamos de nenhum tipo de maquiagem aqui. Somos católicos por convicção e não por qualquer outro motivo”, disse o padre Marcio Queiroz, um dos responsáveis pela comunidade e também diretor de comunicação da Jornada Mundial da Juventude. 

Da igreja até o campo onde vai dar uma benção, o Papa vai ter que andar cerca de 200 metros. Do mesmo lado da igreja vai passar por cinco bares, o salão de beleza da Kelly, várias casas simples e uma igreja da Assembleia de Deus. Do outro lado, apenas o Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Juscelino Kubistchek e, antes do portão, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, inaugurada em maio de 2005. 

“Nem sei se vou abrir no dia. Vai ser muita gente”, se assusta o mineiro Marciano Batista, que há 18 anos gerencia seu bar bem em frente ao campo. “A gente nem acreditou na notícia. Tanto lugar para escolher e ele escolhe logo a gente”, comemora o comerciante.

Marciano é outro que é contra qualquer tipo de mudança na localidade para receber o Pontífice. “Colocaram asfalto na metade das ruas. Tiraram os quebra-molas e agora as motos passam em alta velocidade. Temos muitas crianças aqui e fica muito perigoso”, afirma. 

Crianças podem ser encontradas em dois lugares. Na escola e no campo onde o Papa vai dar a benção. E no campo o comando está nas mãos de Jair Ventura Filho, o Jairzinho, o Furacão da Copa de 1970, quando o Brasil venceu o tricampeonato. Há quatro anos ele comanda a Fábrica de Talentos Furacão. 

“Quem ia esperar que um Papa viesse aqui? Jesus nasceu pobre e o Papa vir a um lugar desses é dar visibilidade ao mundo que é a vida de fato”, diz o ex-jogador, que comanda com disciplina os cerca de 300 alunos da região que treinam com ele duas vezes por semana. Do lado de fora da grade o olhar atento de João Alves da Silva, 72 anos, de olho no neto Gabriel que busca melhor sorte no futebol e que faz planos para a visita do papa Francisco. “Dizem que ele vai andar pelas ruas da comunidade. Vou ficar em casa, colocar minha cadeira na varanda e esperar para vê-lo”, planeja. João veio da Paraíba há 50 anos e já viu de tudo em Varginha. 

A bola rola e o que se vê é o talento natural do brasileiro para o futebol e um clima de muito respeito entre os “jogadores”. “Se não for assim o Jairzinho bota para fora da escolinha”, conta o senhor João.

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“Antes os jogos aqui eram sempre em clima de confusão. Qualquer coisa tinha gente dando tiro. Agora melhorou muito, pode-se até dormir de porta aberta. Temos sossego” conta, lembrando dos tempos de domínio dos traficantes, que faziam a “escolta armada” das partidas no fim de semana. Além das melhorias que espera para o lugar, o aposentado diz que o Papa vai trazer só coisas boas para Varginha. “Vai trazer muito mais união. Porque aqui todo mundo é amigo”, afirma o devoto de São Sebastião. 

Pode-se andar tranquilamente pela comunidade. A sede da Unidade de Polícia Pacificadora fica do outro lado do rio Faria Timbó, hoje um valão com uma água negra, onde imperam arbustos com sacos de lixos pendurados, em uma espécie de árvore de Natal fora de época e de aspecto lamentável. 

Funcionários da prefeitura trabalham à toque de caixa para dar um aspecto mais normal a uma comunidade que passou anos sem qualquer benefício dos serviços públicos e que, em alguns lugares, parece ter passado por uma guerra. 

Depois da UPP aconteceram alguns confrontos entre moradores e a polícia, mas não em Varginha. Ali, o funk ainda pode ser ouvido sem problemas e, com normalidade, alguns se reúnem em um quiosque para fumar maconha. Reina a paz. “Olhando para dentro da realidade da comunidade, o processo de pacificação foi importante. Não apenas para a paz de poder caminhar tranquilo pelo local, pela paz interior que trouxe a cada uma das pessoas que vive aqui” afirma o padre Márcio. 

Na comunidade cada um vai se virar como puder para ver o Papa. A maioria vai para o campo, de onde o papa Francisco vai dar uma benção de cima do vestiário usado pela garotada. Alguns frequentadores da missa vão ganhar o privilégio de ver o Papa na igreja de São Jerômino. O pessoal da música prepara uma canção especial. O senhor João Alves vai pôr sua cadeira na varanda. Glória Regina Teodora, amiga da manicure Kelly, vai preparar um bolo de fubá. “O melhor do Rio de Janeiro”, aposta.

Jairzinho, católico, espera ainda por um convite para estar no local. A grande dúvida que reina entre todos é se o papa Francisco vai repetir o que fazia na periferia de Buenos Aires, quando visitava as favelas locais e entrava nas casas das pessoas. “Dizem que ele é simples e é capaz de fazer isso”, afirma José Oliveira. Para o padre Márcio, estar perto do vigário de Cristo na Terra é um dom imenso. 

Varginha se prepara para recebê-lo com simplicidade, mas sonha com um futuro melhor.  As casas têm esgoto, mas estão velhos, entupidos. As crianças vão à escola, podem sonhar com um futuro através do esporte com a escola de Jairzinho. “Eles precisam se formar homens, cidadãos”, diz o ex-jogador. As pessoas têm trabalho. Mas, depois que o papa Francisco acabar sua uma hora de visita, Varginha não quer ser esquecida. “Estão olhando para cá com outros olhos agora. Mas é preciso trazer projetos para crianças, para os idosos, melhor atendimento médico e uma vida mais digna” pede Kelly. Que, não se pode negar, como dona do salão de beleza do local, entende bem de maquiagem. 

Papa Francisco no Brasil
Com um público estimado em 1,5 milhão de pessoas, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2013 ocorre entre os dias 23 e 28 de julho, no Rio de Janeiro. O evento, realizado a cada dois ou três anos, promove um encontro internacional de jovens católicos o Papa. A última edição da JMJ ocorreu em 2011, em Madri, na Espanha, e reuniu cerca de 2 milhões de pessoas, de mais de 190 países.

O evento marca também a primeira grande visita internacional do papa Francisco desde sua nomeação como líder máximo da Igreja Católica, em 13 de março desde ano. O Pontífice chega ao Rio de Janeiro na tarde do dia 22 de julho, com retorno a Roma previsto para o dia 28. Sua agenda no Brasil contempla a visita à comunidade de Varginha, no complexo de Manguinhos, na zona norte do Rio, e ao Hospital São Francisco de Assis. Além disso, terá um encontro com a sociedade no Theatro Municipal, no centro da cidade, e ao Santuário de Aparecida, em São Paulo. O ponto alto fica por conta de duas grandes celebrações na praia de Copacabana, na zona sul do Rio, nos dias 25 e 26.

Fonte: Terra
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