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O que está em jogo na reforma política que será votada no Congresso

26 mai 2015 - 15h29
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Mariana Schreiber

Brasília | Foto: Richard Sowersby
Brasília | Foto: Richard Sowersby
Foto: BBC Mundo / Copyright

Da BBC Brasil em Brasília

Plenário deve analisar diversos temas, entre eles a forma como elegemos os parlamentares, o modelo de financiamento de campanhas e a proibição ou não da reeleição.

Tão desejada, tão complicada: a reforma política começa a ser votada nesta terça-feira na Câmara dos Deputados sob muito desentendimento entre os parlamentares. Sem um consenso em torno de vários pontos importantes, é difícil prever o que pode ser aprovado.

Está previsto que o plenário analise diversos temas, entre eles a forma como elegemos os parlamentares, o modelo de financiamento de campanhas e a proibição ou não da reeleição. A proposta de tornar o voto facultativo foi incluída de última hora nesta terça-feira pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que presidiu a Comissão Especial de Reforma Política, embora também não exista consenso em torno desse tema.

Um dos maiores pontos de polêmica é a alteração do modelo de eleição proporcional de deputados para o chamado distritão, que elegeria os mais bem votados em cada Estado, independentemente do desempenho geral dos partidos.

Na opinião dos críticos, esse modelo favoreceria campanhas caras, personalistas e a perpetuação daqueles que já estão no poder.

"O Brasil já há mais de vinte anos se esforça pra fazer uma reforma do seu sistema eleitoral, e quando parece que vai haver algum movimento, se constata que ele vai agravar os problemas existentes e não ajudar a resolvê-los", afirma o cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Por outro lado, defensores do distritão, como o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB, argumentam que ele é simples de ser entendido e aplicado, reduzirá o número de candidatos e acabará com a figura dos "puxadores de voto".

"(O sistema) segue o princípio constitucional de eleger os candidatos mais votados", disse Temer recentemente em evento.

"Só se candidatará quem souber que tem chance de se eleger. Isso vai diminuir sensivelmente o número de candidaturas de cada partido e tornará a fala dos candidatos mais programática."

Como as propostas são emendas constitucionais, sua aprovação é mais difícil que projetos de lei. Para que a Constituição seja alterada, é preciso 60% dos votos de deputados e senadores, em votações de dois turnos em cada casa. No caso dos deputados, são necessários 308 votos dos 513.

A reforma política foi analisada por uma Comissão Especial criada em fevereiro, mas o relatório do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) não agradou presidente da casa, Eduardo Cunha, e foi descartado.

O deputado Rodrigo Maia, presidente da comissão, apresentou um texto revisado, que irá direto para o plenário. Além disso, destaques apresentados por outros deputados também serão votados, de modo que diversas propostas em torno dos mesmos temas serão apreciadas.

Entenda os principais temas que estão previstos para serem votados nesta semana:

Sistema eleitoral

O primeiro ponto que deve ser votado, batizado de "sistema eleitoral", vai definir a forma como elegemos vereadores e deputados estaduais e federais.

Hoje, a eleição para esses cargos é proporcional ao total de votos recebidos por cada coligação de partidos. Esse modelo maximiza o potencial de cada voto, pois tanto os votos "excedentes" dos candidatos mais bem votados como os votos "insuficientes" dos menos votados são redistribuídos entre os candidatos de votação intermediárias de cada coligação.

Projeto do "distritão", defendido por Eduardo Cunha, é criticado por muitos analistas,

Na teoria, mesmo que o seu candidato não seja eleito, seu voto pode contribuir para eleger alguém de visão política semelhante, fortalecendo os partidos políticos.

Na prática, porém, não é bem assim que acontece, pois muitas vezes as coligações são formadas por conveniência e não por afinidade ideológica. Além disso, é comum legendas lançarem candidatos populares, sem qualquer vínculo histórico com os partidos, apenas para "puxar votos" e ampliar suas bancadas.

É o que aconteceu com a eleição do deputado Tiririca (PR-SP), que conquistou 1,3 milhão de votos em 2010 e carregou consigo outros três candidatos da sua coligação sem votação suficiente para se eleger por conta própria: dois petistas e o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiróz, do PC do B.

Há um certo consenso de que esse modelo é problemático e deveria ser substituído, mas os deputados estão divididos sobre que alternativa adotar.

Segundo o relator do projeto de reforma, deputado Marcelo Castro, é improvável que alguma delas receba o mínimo de votos necessários para aprovar uma emenda constitucional, de modo que a tendência é que o sistema proporcional seja mantido.

A primeira proposta que será votada é a do distritão: esse modelo, que parece ser a alternativa mais popular entre os parlamentares, é justamente o mais criticado pelos cientistas políticos. Nele, a votação dos legisladores passa a ser majoritária – os mais bem votados são eleitos, independentemente da votação geral dos partidos.

Seus grandes defensores são o vice-presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. "Hoje o sistema proporcional prestigia o partido político em detrimento da vontade da maioria popular", defendeu Temer recentemente, em artigo ao jornal O Estado de S. Paulo.

Os críticos, por sua vez, dizem que a mudança beneficiaria os candidatos já conhecidos do grande público, capazes de atrair grande votação, em detrimento de candidatos novos ou representantes de minorias. Ainda de acordo com os críticos, o projeto causaria também grande desperdício de votos, já que votos dos candidatos derrotados não seriam aproveitados pelo partido.

Caso o distritão não seja aprovado, será votada em seguida a proposta de sistema distrital misto, defendida pelo PSDB, em que parte das vagas será preenchida pelo sistema proporcional e o restante pelo sistema majoritário. Os defensores do modelo distrital misto argumentam que esse sistema viabiliza campanhas mais baratas e aproxima mais os candidatos dos eleitores, além de fortalecer os partidos

Se essa proposta também perder, será analisado então o sistema de listas partidárias. Nesse caso, o eleitor vota na legenda e o partido distribui os votos entre seus candidatos, numa ordem pré-estabelecida. É o modelo que mais fortalece os partidos e historicamente é defendido pelo PT.

Financiamento de campanhas

Julgamento sobre constitucionalidade de doações de empresas a campanhas está parado há um ano no STF

O segundo tema que será apreciado em plenário é a forma como candidatos e partidos obtêm dinheiro para suas campanhas.

Atualmente, o grosso desses recursos vem de doações de empresas, uma parcela menos significativa vem do fundo partidário (recursos públicos), e uma parte menor ainda vem de doações de pessoas físicas.

Os críticos a esse modelo reclamam do peso grande que as empresas acabam tendo nos resultados das eleições, já que os candidatos eleitos, em geral, são justamente os que mais ganham dinheiro de companhias. Eles dizem também que as empresas doam com objetivo de que os políticos eleitos atuem segundo seus interesses, mesmo que em detrimento de outros grupos da sociedade.

Os defensores, por sua vez, argumentam que as empresas também devem ter direito a apoiar candidatos alinhados com seus ideais.

O PT quer a proibição total das doações empresariais - a proposta será votada, mas conta com pouco apoio em em outras legendas. Já o PMDB é a favor de que seja mantido o modelo de financiamento misto, com alguns ajustes, como por exemplo limitar as doações de empresas a no máximo um partido.

Há também uma proposta debatida entre parlamentares de diferentes partidos de reduzir bastante o limite máximo das doações de empresas, que hoje é muito elevado. O objetivo é limitar, assim, o peso das corporações no financiamento de campanha. No entanto, não houve consenso sobre qual seria esse teto- se a proposta for aprovada, o teto terá que ser definido posteriormente com a aprovação de um projeto de lei.

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal está analisando se doações de empresas são inconstitucionais. A maioria dos ministros já se pronunciou pela proibição, mas o julgamento está há mais de um ano parado por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Reeleição e duração dos mandatos

Em seguida, serão analisados três temas: o fim da reeleição para cargos de Presidente, governador e prefeito; a alteração do tempo de duração dos mandatos para cinco anos; e a coincidência de todos os mandatos, de modo que as eleições municipais, estaduais e federal ocorram no mesmo ano.

O fim da reeleição é defendido por PMDB e PSDB.

O argumento dos que criticam hoje a reeleição é que o candidato que está no poder tentando a renovação do seu mandato tem vantagem na corrida eleitoral, já que controla a máquina pública.

Dois cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil criticaram a proposta. Para Lavareda, a reeleição é positiva na medida em que "ajuda a possibilitar a continuidade por um período maior de algumas políticas públicas". Já Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que a possibilidade de conquistar um segundo mandato é "um incentivo para o bom comportamento dos governos".

Ambos criticam também a coincidência de mandatos. Quem defende a medida, argumenta que as eleições "param o país", ao mudar o foco dos políticos de seus mandatos para a disputa eleitoral.

Na avaliação Cortez, no entanto, a realização de eleições municipais na mesma data que os pleitos presidencial e estaduais geraria um excesso de informação a ser assimilado pelo eleitor e poderia tirar atenção das disputas locais devido à grande importância dada à disputa presidencial.

"Há um mito no Brasil de que o país tem muita eleição. Nos Estados Unidos, os mandatos de deputados são de dois anos, assim como o mandato de governador em vários Estados. As eleições são um processo de oxigenação do processo político", afirma Lavareda.

Voto facultativo

Previsto para ser um dos últimos temas a ser votado, a proposta de voto facultativo foi incluída no texto nesta terça-feira pelo deputado Rodrigo Maia. Apesar de outros parlamentares apoiarem a ideia, não há consenso em torno dessa alteração e o próprio Maia reconheceu que não sabe se a mudança será aprovada.

Atualmente, o voto é permitido a partir dos 16 anos e obrigatório para quem tem entre 18 anos e 60 anos - dentro dessa faixa etária, quem deixar de votar precisa justificar a falta ou pagar uma multa. Se não fizer isso, fica sujeito a penalidades: não pode se inscrever em concurso público; ser empossado em cargo público; obter passaporte; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial; obter empréstimos em bancos oficiais; e participar de concorrência pública ou administrativa.

O voto facultativo é adotado em boa parte dos países desenvolvidos. Dessa forma, um dos maiores desafios dos candidatos é convencer o leitor a exercer seu direito. Em muitos países, o ceticismo com a política, tem provocado baixos índices de comparecimento às urnas.

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