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Polícia

SP: para especialistas, negar e atacar PCC são métodos ultrapassados

5 nov 2012 - 06h02
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Melissa Bulegon

Ao que tudo indica, há uma guerra à surdina entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e a Polícia Militar (PM). E essa batalha de força tem sido determinante para a onda de violência que assola o Estado de São Paulo, principalmente a capital paulista. "É uma guerra que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) não admite e quer omitir da população", diz o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade de Campinas (Unicamp), Guaracy Mingardi, que também é analista e membro do Fórum Nacional da Segurança Pública.

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A doutora em Sociologia e pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, Camila Nunes Dias, explica que hoje o PCC ocupa uma posição de hegemonia no cenário criminal paulista. Essa supremacia está associada à relativa estabilidade da segurança pública em São Paulo dos últimos anos, na medida em que há uma redução significativa dos conflitos envolvendo disputas relacionadas ao tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. "Porém, dado que se trata de uma estabilidade baseada num equilíbrio precário, uma vez que depende de uma acomodação da organização criminosa com o poder público, sobretudo com as polícias, há rupturas e o desencadeamento de ciclos de violência como o que assistimos neste momento", afirma.

Segundo Camila, documentos divulgados recentemente mostram que o PCC conta atualmente com mais de mil integrantes e atua, principalmente, no tráfico de drogas. Para ela, a forma como os órgãos de segurança tem enfrentado o PCC tem sido equivocada. "O modelo de enfrentamento não tem funcionado e não é alterado. Desde 2003, o governador Alckmin decreta a 'desarticulação' do PCC e, volta e meio, a sociedade percebe que isso se trata de uma bravata. O enfrentamento através do confronto direto com a PM e com a ampliação do encarceramento massivo apenas transmite a sociedade uma sensação de que algo está sendo feito, mas não traz resultados positivos no longo prazo", analisa.

O fato do PCC estar por trás da alta da criminalidade em São Paulo parece uma hipótese bem fundamentada para a diretora do Instituto Sou da Paz, Luciana Guimarães. Mas ela ressalta que é só com um bom diagnóstico, que revele as verdadeiras motivações, que será possível avançar no combate a onda de violência. "E só quem tem condições disso é a Polícia Civil, mas o problema é que ela não tem feito", considera a advogada.

Luciana também acredita que é preciso reconhecer o problema para poder enfrentá-lo. "Se acreditou em um momento que a gente não pode falar, não pode dar espaço na imprensa, não pode dar nomes à organização criminosa porque isso constitui todo um glamour em torno do crime e isso vai fortalecê-lo. Não é pelo fato de negar a existência do crime organizado que você vai combatê-lo. Acho que é mais uma estratégia que se mostrou ineficiente, como também esvaziar o trabalho da polícia me parece ineficiente. Mas, mais do que isso, voltar à política de 15 anos atrás, de que violência se combate com violência, também é muito ineficiente", afirma.

Na visão de Mingardi, é preciso trabalhar em três linhas para desmobilizar o PCC: mandar para a cadeia quem precisa e quem comanda ser encaminhado para o regime diferenciado; impedir a entrada de celulares nos presídios; e tirar o dinheiro da facção criminosa, que provém do tráfico, do pagamento de mensalidades ou rifas. "Tem também que mostrar força. Isso não significa matar bandidinho no meio da rua, só se deve matar em extrema necessidade. Essa é a lei. Além de ir atrás do PCC, é preciso ir atrás dos policiais e das pessoas que estão matando nas ruas. E, por último, ir atrás de quem mata policial porque se policial morre e você não vê aquele que matou sendo preso, os outros policiais vão querer vingança", completa.

Espiral da violência

O pesquisador explica que existem dois motivos que influenciam o que Mingardi chama de espiral da violência. O primeiro ocorreu ainda na década de 70. "Quando oficiais do Exército comandaram a PM, parte da mentalidade das Forças Armadas foi transferida para a polícia. Nas Forças Armadas, a ideia base é que não interessa o inimigo, mas sim que ele se renda ou morra. Já na PM é muito mais importante a rendição, a prisão. Matar é a última instância. Então com a unificação se criou um grupo de policiais que matavam bandidos. Muitos ficaram com essa mentalidade e isso se transferiu para a tropa", explica Mingardi, que foi ainda investigador de polícia, secretário de Segurança de Guarulhos e diretor na Secretaria Nacional de Segurança Pública.

"Foi em cima dessa percepção que surgiu a noção da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que mata e prende", ressalta Mingardi. Isso aumentou o número de criminosos mortos em confronto com polícia e quebrou a base de um "acordo" existente em muitos países, de que bandido que se entrega vai para a cadeia, e somente aquele que atira na polícia corre o risco de morte. "Essa quebra de regra provocou uma mudança de atitude dos criminosos e acirrou as coisas entre os dois lados, provocando o surgimento de uma espiral da violência. Enquanto criminosos começaram a resistir e atirar na polícia, os policiais partiram para a represália", ressalta.

Mingardi, que atualmente é assessor da Comissão da Verdade, cita que o segundo motivo que contribuiu para esse panorama de violência em São Paulo é o "acordo implícito" que o governo fez com os criminosos do PCC em 2006, após as grandes rebeliões nos presídios e os ataques da facção à polícia. "O governo depois disso fez uma espécie de acordo implícito com os criminosos: vocês não fazem confusão que a gente não manda ninguém para o regime disciplinado diferenciado. Eles não fazem agitação, em compensação não vão para lá. Isso deu muito mais prestígio entre os criminosos e chances para eles se organizarem ainda mais", salienta.

Na visão do analista, o PCC está mais organizado do que jamais esteve. "Esse erro de 2006 é importante porque deu tempo para o PCC crescer novamente, respirar, tomar conta das cadeias de novo", destaca. Em maio deste ano, uma nova desavença quebrou outra vez a "sintonia" que havia entre a facção criminosa e a polícia. "O Estado não errou em quebrar o acordo, mas sim em fazê-lo porque não se faz acordo com criminoso, ainda mais que antes disso houve a morte de 50 policiais", critica.

Por meio da assessoria de imprensa da SSP, o Terra tentou entrevistar o secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, mas não obteve retorno.

Fonte: Terra
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