Portaria para demarcação e uso de terras indígenas gera polêmica
Nesta terça-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou a Portaria 303/2012, que regulamenta a atuação de advogados e procuradores em processos judiciais que envolvem áreas indígenas em todo o País - três anos depois do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que homologou a demarcação em área contínua da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol. A nova portaria coloca em vigor as 19 normas, definidas pelo STF na época do julgamento, para demarcação e direito de uso de terras indígenas.
A medida foi criticada por organizações socioambientalistas e de defesa dos direitos dos índios, que temem o acirramento de conflitos agrários e retrocessos para comunidades indígenas. A proibição da ampliação de terras indígenas já demarcadas e a garantia de participação de Estados e municípios em toda as etapas do processo de demarcação estão entre os pontos mais polêmicos da portaria.
Segundo o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, não se trata da criação de novas regras, somente a regulamentação para orientar órgãos da AGU a atuarem conforme o que foi estabelecido pelo STF em 2009. "A portaria é necessária para que exista segurança jurídica desses processos. Estou acatando e não criando normas, apenas apropriando uma jurisprudência que o STF entendeu ser geral, para todas as terras indígenas. Não é uma súmula vinculante, mas estabeleceu uma jurisprudência geral", explicou Adams.
A comercialização ou arrendamento de qualquer parte de território indígena que possa limitar o pleno exercício do usufruto e da posse direta pelas comunidades às quais se destina estão probidos, assim como o garimpo, a mineração e o aproveitamento hídrico das terras por parte dos próprios índios. Eles também não podem cobrar qualquer taxa extra ou fazer exigências para utilização de estradas, linhas de transmissão e outros equipamentos de serviço público que estejam dentro das áreas demarcadas.
Para o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, o documento da AGU restringe a autonomia dos povos indígenas em seus territórios, além de gerar insegurança jurídica, já que mesmo áreas já homologadas estarão sujeitas a questionamentos na Justiça. "É uma irresponsabilidade propor algo do tipo. Estamos prevendo uma enxurrada de ações judiciais movida por particulares, estados e municípios", opinou Feitosa.
A portaria deverá orientar a atuação da União em todos os processos jurídicos envolvendo conflitos pelas áreas de terras indígenas. Conforme Adams, os territórios já homologados não serão prejudicados.
Segundo o Instituto Sociambiental (ISA), a impossibilidade de ampliação de terras já demarcadas é o ponto mais crítico da medida, porque pode inviabilizar demandas como a da etnia Guarani-Kaiowá, que há anos disputa áreas com produtores rurais em Mato Grosso do Sul. "São muitas as TIs demarcadas, sobretudo no centro-sul do País, que demandam revisão de limites por não corresponder a toda a área de ocupação tradicional e não ter o tamanho suficiente para garantir a sobrevivência das comunidades indígenas. O caso dos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul é o mais exemplar e dramático", criticou a entidade através de um comunicado.
De acordo com Adams, em casos como esse a União poderá decidir pela desapropriação de novas áreas e destiná-las às comunidades indígenas, sem rever a demarcação original. "A decisão do STF é clara, a revisão não pode acontecer. O que não impede que a administração pública desaproprie outras áreas por interesse público e alargue essas terras para as comunidades", adiantou.
A portaria ainda confirma o entendimento do STF de que os direitos dos índios sobre as terras não podem ser sobrepostos aos interesses da política de defesa nacional, portanto fica garantida a entrada e instalação de bases, unidades e postos militares dentro de reservas. A expansão de malha viária, a exploração de alternativas de geração de energia e de "riquezas de cunho estratégico para o País" também não dependerão de consentimento dos índios que vivem nas TIs afetadas, de acordo com as regras publicadas.