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'Homofobia ainda é forte', diz 1º casal a conseguir união estável

5 mai 2012 - 09h46
(atualizado às 15h54)
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Mirelle Irene
Direto de Goiânia

Liorcino Filho e Odílio Neto: anunciados como o primeiro casal homossexual a oficializar sua  união estável no Brasil
Liorcino Filho e Odílio Neto: anunciados como o primeiro casal homossexual a oficializar sua união estável no Brasil
Foto: Mirelle Irene / Especial para Terra

Há cerca de um ano, o jornalista Liorcino Mendes Pereira Filho, 48 anos, e o estudante Odílio Cordeiro Torres Neto, 22 anos, foram notícia no Brasil, e até no exterior, por terem sido anunciados como o primeiro casal homossexual a oficializar sua união estável no Brasil após decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu este direito. No entanto, viram o sonho cair com a decisão do juiz da 1º Vara da Fazenda Pública de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas, anulou este primeiro "casamento", dando aos dois um segundo momento de notoriedade com a polêmica suscitada pelo caso. Após um ano, eles consideram que homofobia cultural no Brasil ainda é muito forte.

Um ano após STF reconhecer união estável, 100 conseguem casamento

Mas a história teve um final feliz, já que a decisão do juiz foi cassada pela corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás, mas Liorcino, mais conhecido como, Leo, e Odílio, acreditam que, com o episódio de superexposição de sua história pessoal, eles deram sua contribuição para o debate sobre os direitos dos gays no Brasil. "Não imaginávamos que ia dar aquela repercussão toda na mídia. Apenas fomos lá e casamos. Mas teve muita gente que nos parava na rua para pedir autógrafo e tirar foto", conta Leo Mendes, que também é ativista e presidente a entidade Articulação Brasileira de Gays - a ArtGay.

Segundo Leo, mesmo um ano depois do episódio ainda é muito procurado por outros gays de todo o País interessados em conversar sobre a experiência do casamento registrado no cartório. "Muita gente liga, pedindo conselhos. A maioria quer saber se é melhor casar ou fazer a união estável, se já pode fazer o casamento civil direto. Quanto que paga, onde faz, enfim, todos os detalhes, né?", conta.

O casal, que mora em Goiânia, acha importante ter sido um símbolo de luta contra a homofobia, mas após um ano, alerta que os direitos dos homossexuais ainda são muito agredidos e que a consciência da diferença ainda é embrionária na sociedade brasileira. "Não só a diversidade sexual, a diversidade humana não é respeitada. Como a religiosa", afirma Leo Mendes. "A homofobia cultural é muito forte. Ela não mudou".

O jornalista lembra, por exemplo, que poder casar não significa que gays já estão livres do preconceito, "o que muda é que agora são duas pessoas para lutar contra o preconceito", assinala. Ele lembra que há, com a união estável reconhecida, a garantia de direitos que casais heterossexuais já tinham, como a inscrição em programas sociais do governo, a pensão em decorrência de morte do companheiro, a inclusão em plano de saúde familiar e a possibilidade menos burocratizada de adotar uma criança. "A partir do momento que você registra uma união estável você se torna uma família", compara.

Apesar disso, o companheiro de Leo, Odilio, lembra que na prática, a igualdade de direitos não funciona muito bem. "Promoção de churrascaria é só para casal homem e mulher", brinca. "No consumo ainda existe o problema da homofobia cultural. Os empresários e comerciantes ainda não estão preparados para lidar com esta nova realidade", completa Leo, lembrando, porém, que da discriminação cabe ações de indenização.

Apesar das dificuldades, o casal acha que a conquista da união estável foi um avanço mais que necessário e garante a formalização de uma necessidade subjetiva de todo ser humano. "Eu percebo é que a maioria dos casais gays e lésbicas quer casar, se você perguntar, todos vão dizer isso. Porque as pessoas vivem muito sozinhas e há muito preconceito. Elas querem, sim, alguém ao lado delas que compartilhe, que conviva", acredita Leo Mendes.

Para ele, porém, que muitos homossexuais tem uma visão heterossexual do casamento. "Tem gente que acha que ao casar vai viver como um casal heterossexual. Não vai, vai continuar sendo um casal gay, sofrendo preconceito, infelizmente", alerta. "Nós não podemos desenvolver o nosso afeto publicamente como casal. A acolhida na família também é diferente o preconceito é cultural", analisa.

Neste ponto, Odílio conta a experiência que teve com a sua família e com a igreja que frequentava na cidade de origem, Lizarda, no Tocantins, na região do Jalapão. Odilio disse que não conversava sobre ser homossexual com os pais. "Minha mãe ficou sabendo do meu casamento pela TV. Sei que ela ficou em pânico, mas nunca tocou no assunto comigo", conta.

Segundo Odílio, mesmo sendo a família conhecida na cidade - o pai havia sido vice-prefeito - os irmãos menores chegaram a ter de evitar ir na escola por causa das brincadeiras contra o irmão que ficou famoso no Brasil todo por seu casamento gay. Porém após um ano, a situação se inverteu. "Fui lá no Natal e vi que a cabeça das pessoas é outra agora. Superaram o baque inicial por causa da visibilidade do nosso caso na mídia", disse. Segundo Odílio, a acolhida foi mais calorosa e ele foi tratado quase como um herói, que venceu uma cruzada. "Acho que, após a decisão do juiz e de tudo o que aconteceu, entenderam que eu era a vítima".

Odilio confessa, no entanto, que, afetado pelo preconceito de membros da igreja evangélica, não congrega mais na Assembléia de Deus, que freqüentava até a adolescência. "Acabei com esta ilusão. Sofri muito na igreja. Mas acredito em Deus", sintetiza.

Fonte: Especial para Terra
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