Comissão que definirá critérios de anencefalia será multidisciplinar
13 abr2012 - 16h27
(atualizado às 17h56)
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A comissão criada nesta sexta-feira pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para definir critérios de diagnóstico de anencefalia em fetos será formada por especialistas em ultrassonografia fetal, ginecologia, obstetrícia, genética e bioética. De acordo com o vice-presidente da entidade, Carlos Vital, será convidado também um representante do Ministério da Saúde.
Vital explicou que o objetivo do conselho é elaborar critérios seguros e bem definidos para que o diagnóstico da malformação seja feito. "Hoje, já sabemos que o diagnóstico por imagem (ultrassom) tem um caráter muito resolutivo. Precisamos elaborar isso com detalhes, com o conhecimento de especialistas na área, para que possamos, sem a menor dúvida, dar à sociedade a segurança de critérios seguros e eficientes."
Vital lembrou que, até 2009, mais de cinco mil alvarás foram emitidos pela Justiça brasileira autorizando o aborto de fetos anencéfalos. "As experiências médicas no País existem, não só em termos de diagnóstico, como de realização dos procedimentos", explicou. Ele criticou, entretanto, que o País permita o aborto apenas por meio de técnicas como a indução e a curetagem.
Sobre casos de sobrevida de bebês com anencefalia por meses ou anos, Vital destacou que os diagnósticos da malformação, "quando corretos e precisos", não permitem uma sobrevida prolongada, e que casos como o da menina Vitória de Cristo, atualmente com 2 anos e 2 meses, podem ter sido mal diagnosticados.
Foi estabelecido prazo de 60 dias para que a comissão defina os critérios para basear o diagnóstico de anencefalia. Só após essa definição, a resolução do CFM será publicada.
STF descriminaliza o aborto de anencéfalos
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 12 de abril de 2012, por maioria de 8 votos a 2, que não é mais crime o aborto de fetos anencéfalos (com má-formação do cérebro e do córtex). Já era permitida a interrupção da gestação em casos de estupro ou de claro risco à vida da mulher. Todas as demais formas de aborto continuam sendo crime, com punição prevista no Código Penal. A antecipação do parto de um feto anencéfalo passa a ser voluntária e gratuita, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), sem necessidade de autorização judicial.
A ação julgada pelo STF foi movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) em 2004 e chegou a ter liminar favorável concedida pelo ministro Marco Aurélio de Mello ainda naquele ano. A decisão seria cassada três meses depois. A maior pressão contra a liberação da prática veio de grupos religiosos. O relator, Marco Aurélio, iniciou a votação defendendo o Estado laico. Ele foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Divergiram os ministros Ricardo Lewandowski e o presidente do STF, Cézar Peluso. mas prevaleceu a interpretação de que não há vida quando não há atividade cerebral.
A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação do cérebro e do córtex do bebê, havendo apenas um "resíduo" do tronco encefálico. De acordo com a CNTS, 65% dos bebês anencefálicos morrem ainda dentro do útero materno e, nos casos de nascimento, a sobrevida é de horas ou de poucos dias.
'Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade privilegiar apenas um dos seres da relação (o feto anencéfalo), aniquilando os direitos da mulher, impingindo-lhe sofrimento desarrazoado', afirmou Marco Aurélio, que votou a favor da descriminalização do aborto
Foto: Nelson Jr. / Divulgação
"É de se reconhecer que merecem endosso as opiniões que expressam não caber anencefalia no conceito de aborto. O crime de aborto quer dizer a interrupção da vida e, por tudo o que foi debatido nesta ação, a anencefalia não é compatível com essas características que consubstanciam a ideia de vida para o Direito", disse Rosa Weber, a segunda a votar a favor da interrupção da gravidez
Foto: Carlos Humberto / STF / Divulgação
O ministro Joaquim Barbosa antecipou seu voto e também votou favoravelmente à descriminalização do aborto de anencéfalos
Foto: Carlos Humberto / STF / Divulgação
O ministro Luiz Fux argumentou que, houvesse na época da edição do Código Penal condições para detectar a existência de fetos anencefálicos, o legislador teria previsto a permissão do aborto para esses casos, já que tal medida é liberada quando a gravidez decorre de estupro, mesmo com feto sadio
Foto: Carlos Humberto / STF / Divulgação
Cármen Lúcia se somou aos ministros que acompanharam o voto do relator: "O útero é o primeiro berço do ser humano. Quando o berço se transforma num pequeno esquife, a vida se entorta."
Foto: Carlos Humberto / STF / Divulgação
"Não é lícito ao maior órgão judicante do País envergar as vestes de legislador criando normas legais. (...) Não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem", disse Ricardo Lewandowski, que votou contra a descriminalização do aborto de anencéfalos
Foto: Fellipe Sampaio / STF / Divulgação
"Levar esse martírio contra a vontade da mulher corresponde à tortura, ao tratamento cruel. O martírio é voluntário. Quem quiser assumir a gravidez até as últimas consequências, que o faça. Ninguém está proibindo. Agora, impor à gestante ou proibir essa mulher gestante de fazer a opção da interrupção da gravidez, até por amor ao feto que no ventre da gestante lateja, me parece que é proibi-la de fazer uma opção até lógica", disse Ayres Britto, levando o placar a 6 a 1
Foto: Nelson Jr. / Divulgação
"Não é razoavelmente tolerável que se imponha à mulher esse tamanho ônus por uma falta de um modelo institucional adequado de proteção", argumentou Gilmar Mendes, ressalvando, por outro lado, que "argumentos de organizações religiosas podem e devem ser considerados pelo Estado porque também se referem a razões públicas"
Foto: Nelson Jr. / Divulgação
"O crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o feto esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser resultado direto e imediato das manobras abortivas. A interrupção da gravidez em decorrência da anencefalia não satisfaz esses elementos. A interrupção da gravidez é atípica e não pode ser taxada de aborto, criminoso ou não", argumentou Celso de Mello
Foto: Nelson Jr. / Divulgação
"Este é, a meu juízo, o mais importante julgamento na história desta Corte. Porque nela, na verdade, se tenta definir no fundo o alcance constitucional do conceito de vida e sua tutela normativa", disse Cezar Peluso, que votou contra o aborto e disse que a ideia de "morte encefálica" supõe a vida do feto