Pichação expõe desigualdade social de SP, diz 'New York Times'
A cruzada das autoridades paulistanas contra a "poluição visual", que inclui o banimento de outdoors e a demolição de edifícios abandonados, se entrelaça com um conflito social mais profundo deixado à mostra por uma forma de expressão que não encontra igual em outras cidades: a pichação. A constatação é do jornal americano The New York Times, que em sua edição dominical afirma que os jovens que se armam de tinta preta e latas de spray estão tomando parte em uma luta contra o sistema, representado pela paisagem que a sociedade tenta manter higienizada.
"Praticamos uma guerra de classes, e há baixas na guerra. Somos comparados a barbáros, e talvez haja alguma verdade nisso", afirma Rafael Guedes Augustaitiz, 27 anos, praticante do que o periódico americano cita como um "alfabeto concebido para a invasão urbana".
Segundo o jornal, a pichação reflete a decadência do meio urbano e as profundas divisões de classe que definem a São Paulo de quase 20 milhões de habitantes. As assinaturas deixadas em muros, arranha-céus, monumentos e prédios públicos seriam um "lembrete" das "mazelas sociais" que o crescimento econômico brasileiro até aqui não conseguiu resolver - e que, segundo o jornal, podem estar se acentuando.
A reportagem do NYT afirma que os brasileiros ficaram "arturdidos" neste mês diante dos conflitos de moradores do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), com a Polícia Militar, que cumpria no local ordem judicial de reintegração de posse. De acordo com o texto, o protesto contra o prefeito Gilberto Kassab (PSD) na última semana no centro de São Paulo foi uma reação à violência observada no Pinheirinho e nas ações de "limpeza" da Cracolândia.
"É positivo ver outros reagindo com indignação contra nossa elite. Corremos riscos para lembrar a sociedade que, para começar, esta cidade já é uma agressão visual e hostil a qualquer pessoa que não seja rica", diz Djan Ivson Silva, pichador de 27 anos.
Ainda que o graffiti paulistano seja respeitado como uma arte de rua, acabando inclusive exposto em galerias internacionais, a pichação permanece de fora dessas convenções. "Eles fazem edifícios parecerem grotescos e muros parecerem repugnantes", afirma Telma Sabino, uma secretária de 45 anos.
Por outro lado, a pichação chama a atenção de acadêmicos, que identificaram que a forma de expressão difere daquelas derivadas do graffiti colorido da Nova York dos anos 1970. A herança seria, antes, a tipografia pela qual são reconhecidas bandas de rock como Iron Maiden, adeptas de letras góticas e runas vikings. Para os pichadores, diz o jornal, o graffiti é uma forma "menor" de expressão por ser facilmente cooptada pela cena artística comercial.
Para o espanto dos paulistanos que repudiam a pichação da sociedade que "derrama poucas lágrimas" diante das mortes dos pichadores que se arriscam para deixar a sua marca, afirma o jornal, a prática começa a ser abraçada pelo meio artístico estrangeiro. Uma gangue chegou a ser convidada para a Bienal de Arte Contemporânea em Berlim. O lavador de carros Luiz Henrique do Vale Salles, 40 anos, discorda dos curadores berlinenses. Ele era pago para lavar muros pichados. "Como limpador da bagunça deles, eu me sentia horrível."