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Polícia

Ocupação pacífica da Rocinha tem salto alto, bêbados e samba

13 nov 2011 - 21h03
(atualizado às 21h28)
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Vagner Magalhães
Direto do Rio de Janeiro

Do ponto de vista do governo do Rio de Janeiro, a ocupação da favela da Rocinha pelas forças de segurança do Estado - com apoio da Marinha do Brasil - foi um sucesso. Do ponto de vista dos moradores também correu bem. Nenhum tiro foi disparado e ninguém ferido. No morro, não se esperava nada muito diferente. Na sexta-feira, todos diziam que "os meninos do movimento", responsáveis pelo comércio de drogas, já não estavam mais lá. O número de motos abandonadas e a ausência de prisões neste domingo são indícios de que estavam certos.

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A prisão mais importante se deu na quinta-feira, quando aquele que era considerado chefe do tráfico local, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, foi preso pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, escondido no porta-malas de um carro parado em uma blitz. Em conversas rápidas com moradores da comunidade, uma linha comum: ele não era o demônio pintado pela polícia, mas tinha muitos pecados. Chegar ao cargo de chefe do tráfico de uma favela cujo movimento atende à classe alta da zona sul do Rio não é uma tarefa que se cumpra sem se deixar (muitos) inimigos.

Neste domingo, tudo ocorreu conforme os planos do Palácio da Guanabara. A operação começou no horário pré-determinado desde sexta-feira - por volta das 4h - com as ruas semidesertas, algo incomum na entrada principal de São Conrado. Uns poucos bêbados com as suas conversas desconexas, além de um grupo de jovens, foram as primeiras testemunhas da entrada das forças de segurança.

Logo após a chegada da primeira equipe do Bope, um dos bêbados não se conteve e puxou o refrão rápido e provocativo de Tempo de Dom-Dom, consagrado por Zeca Pagodinho, talvez para quebrar o gelo: "No tempo que Dom-Dom jogava no Andaraí, nossa vida era mais fácil de viver". No mesmo momento, outros dois debatiam sobre a operação, observando o rasante do helicóptero da Polícia Militar, capaz de balançar a cabeleira de um deles.

"Só gastando gasolina", disse o cabeludo. O outro respondeu: "quem é do bem está despreocupado". Um terceiro ameaçava voltar para casa, mas o primeiro dá a sentença. "Se subir é enquadrado". Todos se calam - por uns minutinhos - e permanecem onde estavam por mais pelo menos 2 horas.

No amanhecer, comerciantes ameaçaram abrir as lojas, mas preferiam esperar para ver no que ia dar. Ao ver a rotina quebrada, outro morador reclama: "parece que o mundo acabou. Tá tudo fechado". Por pouco tempo. Por volta das 7h as primeiras portas foram levantadas e permaneceram assim por todo o domingo.

Na paralela da direita da Via Ápia, a entrada principal, dois policiais do Bope cumprem a sua tarefa e devagar vão adentrando a Rocinha. Com um fuzil em mãos, eles olham para cima, mesma posição para onde as armas são apontadas. De repente, uma massa de cerca de 20 fotógrafos e cinegrafistas percebe o movimento e avança atrás deles.

Vinte contra dois. Barulho, flashes disparados, iluminação para as TVs. Nem mesmo a memória ainda recente do cinegrafista da Band Gelson Domingos, morto na semana passada durante uma troca de tiros entre policiais e supostos traficantes na favela de Antares, no Rio, parecia incomodar ninguém, de um lado e do outro.

Se houvesse qualquer tipo de resistência, não seria difícil acertar alguém naquele bloco maciço, ainda mais com a sinalização dos flashes. Os policiais avançam. A imprensa recua e o clima fica um pouco mais tenso. Um novo grupo de policiais está acompanhado agora de um "X9". Delações são sempre tensas. Com o corpo coberto da cabeça aos pés, ele encaminha o grupo a um dos becos. E de lá não se pode ver mais nada.

Perto das 12h, um grupo de 12 defensores públicos chega à Rocinha, que é recebido por um grupo ainda maior de membros da associação de moradores locais. Os defensores estarão à disposição dos moradores que, por ventura, tenham os seus direitos desrespeitados neste período de transição, da troca do poder ilegal pelo legal na favela.

No grupo, algumas mulheres compareceram ao local de salto alto. Sofreram ao ter que entrar na Rocinha e percorrer mais de 2 km morro acima com os sapatos. Para piorar, trechos da estrada da Gávea estavam cobertos de óleo, derramado pelos criminosos para dificultar a subida dos veículos dos policiais e de todos que por ali caminhavam. De uma voz espirituosa, a sentença: "a Justiça sempre de salto alto".

No retorno de todos um policial civil deu uma pista sobre a preocupação daqui pra frente. "Aí dentro está pacificado. Agora a questão é aqui no asfalto. Vão querer fazer dinheiro de algum jeito. Esse povo não fica parado.", disse.

A prisão de Nem

O chefe do tráfico da favela da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, foi preso pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar no início da madrugada de 10 de novembro. Um dos líderes mais importantes da facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA), ele estava escondido no porta-malas de um carro parado em uma blitz por estar com a suspensão baixa, em uma das saídas da maior favela da América Latina -, que havia sido cercada por policiais na noite do dia 8 de novembro.

Desde o dia anterior, a polícia já investigava denúncias de um possível plano para retirar o traficante da Rocinha. Além de Nem, três homens estavam no carro. Um se identificou como cônsul do Congo, o outro como funcionário do cônsul, e um terceiro como advogado - a embaixada da República do Congo, entretanto, informou não ter consulados no Rio. Os PMs pediram para revistar o carro, mas o trio se negou, alegando imunidade diplomática. Os agentes decidiram, então, escoltar o veículo até a sede da Polícia Federal. No caminho, porém, os ocupantes pediram para parar o carro e ofereceram R$ 1 milhão para serem liberados. Neste momento, os PMs abriram o porta-malas e encontraram Nem, que se escondia com R$ 59,9 mil e 50,5 mil euros em dinheiro.

Nem estava no comando do tráfico da Rocinha e do Vidigal, em São Conrado, junto de João Rafael da Silva, o Joca, desde outubro de 2005, quando substituiu o traficante Bem-te-vi, que foi morto. Com 35 anos, dez de crime e cinco como o chefe das bocas de fumo mais rentáveis da cidade, ele tinha nove mandados de prisão por tráfico de drogas, homicídio e lavagem de dinheiro. Nem possuía um arsenal de pelo menos 150 fuzis, adquiridos por meio da venda de maconha, cocaína e ecstasy, sendo a última a única droga consumida por ele. Com isso, movimentaria cerca de R$ 3 milhões por mês, graças à existência de refinarias de cocaína dentro da favela.

Fonte: Terra
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