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Casal gay de GO registra nova união e estuda processar juiz

22 jun 2011 - 18h12
(atualizado às 18h29)
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Mirelle Irene

Após o que qualificaram como "dias de martírio", o casal Liorcino Mendes, 47 anos, e Odílio Torres, 26 anos, oficializariam pela segunda vez sua união na tarde desta quarta-feira, no Rio de Janeiro. A cerimônia, prevista para iniciar às 16h, na Central do Brasil, reuniria cerca de 45 casais homossexuais, em um casamento coletivo, promovido pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio.

"É a primeira vez que isso acontece no mundo", disse Liorcino, mais conhecido como Léo Mendes, para quem o ato é um protesto contra a decisão do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, Jeronymo Pedro Villas Boas, que anulou a união registrada por eles, na última sexta-feira.

Na terça-feira, o ato de ofício do juiz foi cancelado pela corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), desembargadora Beatriz Figueiredo Franco. No entanto, Léo Mendes diz que o casal decidiu oficializar pela segunda vez a união para não ser pego de surpresa. "Para a gente não correr o risco de algum maluco de novo tomar esse tipo de decisão, estamos registrando também aqui no Rio. Vamos ficar com dois registros", disse.

Segundo Mendes, não é de conhecimento da maioria das pessoas que a união estável pode ser registrada diversas vezes em qualquer cartório do Brasil. "Então, se juiz começar a perseguir gays em uma cidade, é possível ir para outra e fazer um registro." Ele ainda diz que, ao ter a primeira união anulada, o casal pensou em registrar nova em Aparecida de Goiânia, a 15 km de Goiânia, mas, ao receber o convite do governo do Rio de Janeiro na segunda-feira, resolveu participar do evento coletivo.

Símbolo

Para Mendes, o juiz Villas Boas resolveu pela anulação por ter sido ela a primeira registrada no Brasil. "Vários casais se uniram, mas ele visou especificamente a gente porque nós fomos os primeiros do Brasil a registrar uma união estável. Foi uma forma simbólica dele dizer que ele não concordava com isso", afirmou.

O casal acredita que a anulação de sua união estável, e a polêmica que causou, mostra que as instituições no Brasil estão muito longe de respeitar o artigo 19 da Constituição, que fala sobre o Estado laico, onde o Estado não pode ter elo de ligação com religião. Na sentença, o juiz declarou sua fé religiosa como argumento, afirmando que compreende que o mundo foi feito para um homem e uma mulher, e não para dois homens. De acordo com Mendes, o juiz teria os classificado como "terceiro sexo", que seria "linguajar que está sendo muito utilizado pela Assembleia de Deus", afirmou Mendes.

Para ele, todas as vezes que se barra direitos de homossexuais no Legisativo, Executivo ou Judiciário, o pano de fundo é a religião. "Essa promiscuidade da entrada da religião dentro do Estado tem prejudicado, e muito, a cidadania de muitos cidadãos, inclusive os homossexuais. Não é a moral, já que pelo costume, há casais homossexuais na prática há muito tempo", afirmou. Para Mendes, quando servidores públicos, como o juiz, colocam a religião deles a frente do trabalho, o resultado é desastroso. "Estamos estudando se vamos processar o juiz por danos morais", disse.

Odílio Torres, que é evangélico e cresceu frequentando a Assembleia de Deus, também lamenta a confusão entre o público e o privado, protagonizada pelo juiz Villas Boas. "Sempre fui religioso, minha formação toda foi evangélica, mas não sou um fundamentalista religioso. Eu sei separar as coisas, a religião e a vida particular. Com essa, ninguém tem nada a ver", afirmou.

O casal acredita que o caso trouxe lições e alguns alertas para eles. "Nós aprendemos que a gente deve ficar o tempo todo antenado, na defesa dos nossos direitos. Porque, a qualquer momento pode aparecer um parlamentar preconceituoso querendo cassá-los", disse Mendes.

Para Mendes, apesar do avanço que a união gay trouxe, os homossexuais estão longe de ter conquistado seus direitos no Brasil. "Ainda falta o casamento civil, por exemplo, e nossa luta é para ter os mesmos direitos dos casais heterossexuais, nem mais, nem menos. E ainda não conseguimos." Segundo o jornalista, em São Paulo, há pouco tempo, foi negado um pedido de casamento civil, que seria a progressão da união estável. "Então, vamos começar a fazer pedidos de transformação de uniões estáveis em casamento civil no Brasil inteiro. Alguma hora um juiz vai dar uma decisão favorável", afirmou Mendes.

Celebridades

O casal está surpreso com a repercussão que o caso causou. Odílio acha engraçado ter que dar autógrafos nas ruas do Rio, para pessoas - gays e héteros - que os reconhecem. "Fiquei triste, mas ao mesmo tempo estou feliz também, porque esta história toda vai servir de exemplo para outras pessoas da comunidade gay, para incentivar ainda mais a luta pelos seus direitos", disse. Depois do Rio, o casal deve seguir para São Paulo, onde participará da Parada Gay, a maior do mundo, no próximo domingo.

Casal posa para fotos com a escritura da união estável
Casal posa para fotos com a escritura da união estável
Foto: Mirelle Irene / Especial para Terra
Fonte: Especial para Terra
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