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Polícia

Trauma e prejuízo marcam vítimas de veículos incendiados

28 nov 2010 - 02h27
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O pesadelo da guerra que toma conta do Rio de Janeiro há uma semana faz cada vez mais vítimas diretas dos ataques criminosos. Desde o início dos conflitos, pelo menos 100 carros de passeio, ônibus, motos, vans e caminhões já foram incendiados. Humilhados pelas ações do tráfico, cidadãos choram seus mortos e calculam prejuízos. Abalados e dominados pelo medo, não conseguem retomar a rotina.

A corretora de seguros Daniele Toledo, 36 anos, não dorme em paz e não sai mais de casa. No dia 22, na Tijuca, Zona Norte, por volta das 23h, ela viu seu Renault Clio, que usava para trabalhar, ser consumido pelas chamas na porta de casa, enquanto os dois motoqueiros que atearam fogo no veículo acompanhavam da esquina, de forma debochada, seu desespero. "Agora, acordo agitada e chorando a todo momento", conta Daniele, que precisou se afastar do trabalho. Aterrorizada, a filha dela, K., 17, decidiu deixar o Rio. "Ela vai morar na casa de parentes, no interior", lamenta.

O fabricante de velas José Augusto Rocha Costelha, 53 anos, é outro que sentiu sua dignidade ser reduzida a cinzas. O Fiat Uno 95, que usava para entregar as velas que fabrica, foi incinerado com outros dois veículos por cinco homens armados no Trevo das Margaridas, em Irajá, na manhã de segunda-feira. "Quem vai pagar meu prejuízo?", revolta-se ele.

Naquele dia, no mesmo local e horário, o mecânico Wagner Villas Boas, 45 anos, que também viu seu Monza ser incendiado, quase morreu ao ser confundido com um PM. "A imagem do fuzil apontado para minha cabeça e os gritos de 'atira, atira que ele é PM' me tiram a paz a todo instante", relembra.

A família de Rosângela Alves, 14 anos, morta com um tiro no peito na quarta-feira, durante confronto na Penha, não se conforma. A menina estava dentro de casa quando foi atingida por bala perdida. Na quinta-feira, parentes e amigos mal conseguiram velar o corpo, enterrado sob forte tiroteio.

Para a socióloga Edna Del Pomo de Araújo, coordenadora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o medo e a insegurança desencadeiam a sensação de pânico coletivo. "Havia a ilusão de que a simples instalação das UPPs resolveria os problemas de tráfico e violência no Rio", explica.

Menino é baleado por se recusar a incendiar moto
Por ter se recusado a atear fogo em uma motocicleta, o menor M., 10 anos, foi baleado por um traficante conhecido como André Luiz, no fim da noite de sexta-feira, no bairro do Jacaré. Na madrugada de ontem, quatro carros estacionados foram incendiados no bairro Botafogo, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Na tarde de sexta-feira, a polícia informou que o chefe do tráfico do Cantagalo, Paulo Cezar Figueiredo Cabral, 39 anos, conhecido como Bolão, que está preso em Bangu 3, seria um dos mandantes do incêndio em um carro na noite de sexta, em Ipanema. Bolão teria dado as ordens ao gerente do tráfico do Cantagalo, Washington Marcelo da Cruz, o Marcelinho, 19 anos, e seu comparsa, Bruno Francisco da Silva, o Carcaça, 21 anos, que obrigaram menores a cometerem os ataques na Zona Sul do Rio.

Violência

Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.

Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.

Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.

Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado

Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.

Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.

Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.

Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.

Fonte: O Dia
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