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Polícia

Iminência de invasão provoca diferentes reações no Alemão

28 nov 2010 - 01h48
(atualizado às 06h13)
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Vagner Magalhães
Direto do Rio de Janeiro

A resignação daqueles que deixaram as suas casas levando uns poucos e básicos pertences, a curiosidade mórbida de quem tomava uma cerveja sobre a calçada, soldados que lembravam figurantes de um filme e um comerciante desacordado, resgatado de dentro de um bar com as portas fechadas que pegou fogo, são algumas das imagens captadas enquanto as forças de segurança decidiam se invadiam ou não a comunidade da Grota, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.

Pode-se juntar também a esse cenário o esforço de duas mulheres, que passaram por dezenas de soldados equilibrando um bolo para uma festa de 15 anos e suspeitos detidos para averiguação que reclamavam do "esculacho" da polícia. De tempo em tempo, as rajadas de metalhadoras espantavam um grupo de pombos e alguns menos indiferentes à situação, que estavam por ali de passagem ou o dia todo por força de ofício.

Um botijão de gás, um forno microondas, quatro cadeiras e um passarinho foi o pouco que a família conseguiu tirar de casa. Em fila, seguiram pela avenida Itararé, em direção à casa de parentes. O motivo da saída, ninguém quis explicar. A situação não permitia.

No meio da tarde, ouvem-se rajadas de metralhadoras. Praticamente no mesmo instante, duas janelas de um bar, que possuía uma confecção anexa, começa a pegar fogo, apesar de um fato não estar relacionado ao outro. A fumaça começa a ficar mais espessa, mas ninguém se aproxima para apagar as chamas, já que o comércio estava exatamente na linha de tiro dos traficantes.

Passados dez minutos, quatro pessoas descem o morro oposto em disparada. Começam a bater na porta do bar. Acreditam que o dono esteja lá dentro. Eles conseguem tirar o homem, desacordado, e pedem socorro. Nenhum policial faz menção de ir até o local. Um deles usa o rádio da viatura e em dois minutos, dois caminhões dos bombeiros chegam ao local. O comerciante recebe os primeiros socorros e respira espontaneamente. Tem sinais de intoxicação por fumaça e pelo consumo de ácool. Acredita-se que estava dormindo quando o fogo começou.

Antes de a noite cair duas mulheres se encarregam de levar o bolo de dois andares para um dos novos apartamentos construídos com financiamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O aniversário de 15 anos não pode ser adiado. Nem mesmo pelo fogo cruzado, que volta a ser ouvido.

Durante o dia inteiro, o bar do Maluco passou a tarde cheia. Vendeu água para as dezenas de jornalistas e cerveja para os moradores, que viam ali a "Tropa de elite em 3D", como definiu um curioso. No fim do dia, o dono do Maluco se deu mal. Policiais perceberam que ali existiam sete máquinas caça níqueis e todas foram levadas embora. Sorte de um garoto, que recolheu algumas moedas que caíram durante o transporte da tralha.

No cair da noite, mais de 60 homens do exército chegaram para reforçar policiamento. Pularam do caminhão, apontando armas para todos os lados. Foram prontamente cercados por fotógrafos, sem fazer nenhuma menção para afastá-los. Se precisassem verdadeiramente atirar, seria impossível. Mas ficaram bem nas fotos.

Um quarteirão adiante, mais de 30 homens - a maioria jovem - eram levados a um trailler para averiguação dos documentos e posteriormente algemados dentro de um ônibus. Dali, iriam para a delegacia mais próxima. Enquanto alguns desciam tranquilos, outros reclamavam abertamente do "esculacho" dos policiais.

Como em uma novela, a anunciada invasão do morro, que desde a manhã era noticiada como iminente, ficou para o capítulo seguinte. Pode acontecer neste domingo...

Violência

Os ataques tiveram início na tarde de domingo, dia 21, quando seis homens armados com fuzis abordaram três veículos por volta das 13h na Linha Vermelha, na altura da rodovia Washington Luis. Eles assaltaram os donos dos veículos e incendiaram dois destes carros, abandonando o terceiro. Enquanto fugia, o grupo atacou um carro oficial do Comando da Aeronáutica (Comaer) que andava em velocidade reduzida devido a uma pane mecânica. A quadrilha chegou a arremessar uma granada contra o utilitário Doblò. O ocupante do veículo, o sargento da Aeronáutica Renato Fernandes da Silva, conseguiu escapar ileso. A partir de então, os ataques se multiplicaram.

Na segunda-feira, cartas divulgadas pela imprensa levantaram a hipótese de que o ataque teria sido orquestrado por líderes de facções criminosas que estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. O governo do Rio afirmou que há informações dos serviços de inteligência que levam a crer no plano de ataque, mas que não há nada confirmado. Na terça, a polícia anunciou que todo o efetivo foi colocado nas ruas para combater os ataques e foi pedido o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar as estradas. Foram registrados 12 presos, três detidos e três mortos.

Na quarta-feira, com o policiamento reforçado e as operações nas favelas, 15 pessoas morreram em confronto com os agentes de segurança, 31 foram presas e dois policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) se feriram, no dia mais violento até então. Entre as vítimas dos confrontos, está uma adolescente de 14 anos, que morreu após ser baleada nas costas. Além disso, 15 carros, duas vans, sete ônibus e um caminhão foram queimados no Estado.

Ainda na quarta-feira, o governo do Estado transferiu oito presidiários do Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona oeste do Rio, para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná. Eles são acusados de liderar a onda de ataques. Outra medida para tentar conter a violência foi anunciada pelo Ministério da Defesa: o Rio terá o apoio logístico da Marinha para reforçar as ações de combate aos criminosos. Até quarta-feira, 23 pessoas foram mortas, 159 foram presas ou detidas e 37 veículos foram incendiados no Estado

Na quinta-feira, a polícia confirmou que nove pessoas morreram em confronto na favela de Jacaré, zona norte do Rio. Durante o dia, 200 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) entraram na vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, na maior operação desde o começo dos atentados. Os agentes contaram com o apoio de blindados fornecidos pela Marinha. Quinze pessoas foram presas ao longo do dia e 35 veículos, incendiados.

Durante a noite, 13 presidiários que estavam na Penitenciária de Segurança Máxima de Catanduvas, no Paraná, foram transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Marcinho VP e Elias Maluco, considerados, pelo setor de inteligência da Secretaria Estadual de Segurança, diretamente ligados aos atos de violência ocorridos nos últimos dias. Também à noite, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, assinou autorização para que 800 homens do Exército sejam enviados para garantir a proteção das áreas ocupadas pelas polícias. Além disso, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, anunciou que a Polícia Federal vai se integrar às operações.

Na sexta-feira, a força-tarefa que combate a onda de ataques ganhou o reforço de 1,1 mil homens da Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e da Polícia Federal, que auxiliaram no confronto com traficantes no Complexo do Alemão e na vila Cruzeiro. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a polícia permanecerá nas favelas por tempo indeterminado. A troca de tiros entre policias e bandidos no Complexo do Alemão matou o traficante Thiago Ferreira Farias, conhecido como Thiaguinho G3. Uma mulher de 61 anos foi atingida pelo tiroteio na favela e resgatada por um carro blindado da polícia. Foram registrados quatro mortos e dois feridos ao longo do dia. Um fotógrafo da agência Reuters foi baleado no ombro e hospitalizado.

Na parte da noite, o Departamento de Segurança Nacional (Depen) confirmou a transferência de 10 apenados do Rio de Janeiro para o presídio federal de Catanduvas (PR). Também à noite, a Justiça decretou a prisão de três advogados do traficante Marcinho VP e a Polícia Civil anunciou a prisão de sua mulher por lavagem de dinheiro.

Fonte: Terra
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