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Política

Luiz Eduardo Soares: candidatos ignoraram segurança

6 nov 2010 - 18h53
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Juliana Prado
Direto de Belo Horizonte

O ex-secretário Nacional de Segurança Pública, antropólogo Luiz Eduardo Soares, criticou a ausência de um debate sobre segurança pública durante os quase quatro meses de campanha presidencial. "Faltou o tema. O que houve foi silêncio total, como se estivéssemos no 'momento zero', inaugural, como se nunca tivéssemos discutido os problemas".

Um dos maiores especialistas no tema, ele, que também é escritor, escancara no livro Elite da Tropa 2, as promíscuas - e perigosíssimas - relações entre o Poder Público, os governos e a criminalidade. Ainda sobre a disputa deste ano, ele afirmou ter ficado "chocado" com a reação "nazista" registrada na internet, principalmente no Twitter, contra o voto do nordestino, que foi majoritariamente em Dilma Rousseff (PT). O especialista esteve em Belo Horizonte nesta semana, onde participou de um bate-papo sobre o tema e autografou seu livro.

Soares nega que Elite 2 tenha dado origem ao controverso filme Tropa de Elite 2, do diretor José Padilha, de quem é amigo e com quem trabalha há anos. Reforça, no entanto, que as duas obras dialogam fortemente entre si. Nesta entrevista ao Terra, o antropólogo falou sobre sua mais recente produção, sobre o avanço das milícias no Rio de Janeiro e tratou das expectativas para o novo governo em relação ao combate ao crime organizado. Confira a entrevista de Luiz Eduardo Soares

Terra - Em seu segundo livro Elite da Tropa 2 a relação entre violência e Estado se cruzam e se escancaram. Até que ponto se romperam os limites desta relação?

Luiz Eduardo Soares - Isso é justamente o que define o crime organizado. Tecnicamente, crime organizado não é a organização de criminosos que planejam ação coordenada visando a um ato específico. Crime organizado, de fato, é a organização clandestina com interesses escusos, que envolve a participação de membros do Estado, de agentes sociais que atuam em instituições públicas. O que vemos nas milícias do Rio de Janeiro - e isso também é retratado no filme e no livro - é essa figura do crime organizado. O criminoso policial corrupto não é apenas cúmplice por omissão, nem cúmplice por uma sociedade ocasional, no varejo dos encontros e desencontros em favelas e comunidade. O policial corrupto é agora protagonista e empreendedor criminoso, o organizador. O que torna tudo muito mais assustador. Perigoso até porque ele tem conhecimento técnico, idade, articulação, liderança e visão, tanto que projeta a ocupação de espaços políticos. Ocorre que esta questão do bastidor político já estava presente no primeiro livro (Elite da Tropa).

Terra - Que você viu de dentro, inclusive?

Luiz Eduardo Soares - Pois é. E este segundo livro retrata essa questão dos problemas relacionados às milícias e vai um pouco além. Outro campo explorado no segundo livro é o sentimento, o mundo da subjetividade, o mundo dos valores dos policiais. São os grandes dilemas morais que os desafiam todos os dias.

Terra - Estamos saindo de uma campanha eleitoral. Qual avaliação que você faz do tratamento dado à questão da segurança pública?

Luiz Eduardo Soares - Qual tratamento? (risos) Faltou o tema. Havia aqui e ali uma alusão ao problema, mas no sentido do marketing eleitoral, pura retórica. É aquilo: não se pode não falar, então se fala "que horror a criminalidade, temos que fazer algo. O que vamos fazer? Diga aí alguma ideia. Ah, vamos criar mais uma guarda que cuide das fronteiras. Vamos sobrevoar fronteiras com equipamentos não tripulados ou criar um ministério". Não há compromisso com a linha histórica. O segundo Governo Fernando Henrique deu contribuições importantes, insuficientes, mas importantes, com a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Fundo Nacional de Segurança Pública, da Secretaria de Direitos Humanos, isso já no primeiro mandato. O primeiro Governo Lula teve a apresentação de um plano bastante ambicioso com diagnóstico e ações planejadas, do qual fiz parte. Previa reforma das polícias, criação de iniciativas sistemáticas. No segundo Governo Lula, a pauta não foi tocada, mas, em parte, se contemplou a expectativa de investimento na prevenção com o Pronasci, uma bela iniciativa. Bom, supunha-se que os candidatos apresentariam uma sequência ou corrigindo a rota ou tendo uma ideia nova. E o que houve foi silêncio total, como se estivéssemos no "momento zero", inaugural, como se nunca tivéssemos discutido os problemas. E se falou para a opinião pública com retórica de marketing. Infelizmente, essa é a realidade da eleição, não posso culpar um ou outro candidato.

Terra - Você acredita que o Governo Dilma possa apresentar projeto concreto para a segurança pública?

Luiz Eduardo Soares - O que poderia suscitar alguma esperança de avanço seria a manutenção do Ricardo Balestreri, excelente secretário (de Segurança Pública), o respeito ao trabalho acumulado e a vontade até de dar alguns passos que foram deixados de lado, cumprindo-se etapas indispensáveis de reconfiguração institucional. Quem sabe, mantendo lá o Ricardo Balestreri, pelo menos, vamos dar um passo e avançar. Isso só já é motivo para regozijo e aplauso, ainda que insuficiente. Agora, não há sinalização no horizonte de que projeto mais ousado será implementado.

Terra - Como avalia a relação irada que se teve com relação à eleição da Dilma, numa outra forma de violência contra uma parcela da sociedade, os nordestinos?

Luiz Eduardo Soares - Já vi muita coisa e não sou propriamente jovem, mas você sabe que, sinceramente, fiquei chocado. Eu não sabia nem se deveria comentar no Twitter e comentar com meus amigos, intervir publicamente. Achei que seria perigoso falar disso porque poderia reforçar a visibilidade desse pessoal. Mas acabei optando em correr o risco de falar, porque foi uma manifestação nazista, uma coisa que nunca vi no Brasil. É assustador. Mas seria injusto que associasse ao (ex candidato do PSDB José) Serra, ao PSDB. Malucos, racistas, nazistas podem aderir a qualquer projeto e a gente não pode culpar os partidos ou as candidaturas. Mas o clima de radicalização foi tão nefasto, negativo e sem substância, tão sem consistência, tão retórico, esvaziado que concorreu para criar o terreno propício para essas coisas muito ruins, muito tristes.

Terra - Você apoiou a senadora Marina Silva (PV), no primeiro turno. A ex-candidata é defensora dos direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, suas posições conservadoras com relação a alguns pontos criam um paradoxo. Como vê isso?

Luiz Eduardo Soares - A Marina separa muito bem o que é convicção pessoal, de ordem privada, na dimensão em que ela pode vivenciar sua fé e praticar sua religião, do que é compromisso público e responsabilidade de um gestor público. Ela separa muito bem esses dois universos e, por isso, conviveu bem na campanha com pessoas que vêem as coisas de forma diferente da dela. Tínhamos um ambiente plural e de muito respeito. Todos sabíamos que um presidente não pode impor sua crença.

Terra - Você acredita que ela criaria condições favoráveis para tratar da segurança pública e dos direitos humanos?

Luiz Eduardo Soares - Sem dúvida. Foi ela quem apresentou uma proposta de segurança sobre o item mais espinhoso da campanha, que nenhum dos outros candidatos apresentou: a questão da mudança do modelo policial. Além disso, ela sempre foi muito firme com relação aos direitos humanos no cenário internacional, a Cuba e Irã, por exemplo. Sempre mencionou importância do Brasil se colocar em defesa dos direitos humanos em relação a outros países, independente de interesse econômico.

Terra - Um taxista de Belo Horizonte uma vez disse que "violência tem em todo lugar. O problema é que o bandido do Rio é mais dedicado". A criação das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) ajuda a diminuir o "empenho" do criminoso carioca?

Luiz Eduardo Soares - (risos) A Unidade de Polícia Pacificadora é um projeto muito importante. Eu e muitos amigos defendemos há muitos anos o mesmo projeto. Implantamos o "mutirão da paz" no governo do Rio. Este projeto tem percurso muito parecido com o da UPP e é perfeitamente possível. A ideia é oferecer policiamento permanente sem incursões bélicas. Uma vez liberadas as áreas com a presença permanente, qualificada, as responsabilidades do Estado são cumpridas plenamente. O problema é que as UPPs retomam a tradição, mas com menos sucesso. Temos que transformar os projetos-piloto em política pública. É importante dizer que, sem transformar a PM principalmente, não será possível conferir às UPPs o que elas precisam. Até agora, o governo estadual não apresentou compromisso nesse sentido.

Fonte: Especial para Terra
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