PUBLICIDADE

Indicado ao Nobel ensina medicina mais humana a brasileiros

28 jun 2010 - 19h17
Compartilhar
Fabiana Leal
Direto de Porto Alegre

O médico congolês Denis Mukwege, um dos indicados ao prêmio Nobel da Paz em 2009, vai contar a sua experiência com o tratamento de vítimas de violência sexual para médicos em Porto Alegre (RS), na manhã desta terça-feira. Para Mukwege, "o ensino da medicina que ignora o lado humano, o lado espiritual, o lado não palpável, é uma medicina que não leva em conta o homem na sua abordagem holística".

Médico congolês está no Brasil para falar sobre experiências na África
Médico congolês está no Brasil para falar sobre experiências na África
Foto: Fabiana Leal / Terra

Mukwege, que acompanhava o pai - um pastor pentecostal - rezando para doentes em hospitais durante a infância, se especializou em ginecologia e obstetrícia. Hoje, dedica seu tempo a operações de reconstrução genital em mulheres violentadas e mutiladas em meio à guerra civil. Devolve alguma dignidade a pessoas cujos direitos não são reconhecidos no Congo.

"Eu vivia na cidade e não tinha percebido a vida que as mulheres levavam no meio rural africano. Quando eu tive oportunidade de trabalhar em um hospital rural, fiquei chocado ao ver o número de mulheres que morriam todos os dias porque queriam, simplesmente, dar à luz", afirmou.

Segundo o médico, entre 800 e 1 mil mulheres morrem em cada 100 mil partos no Congo. Na Suécia, esse índice cai para 1 a 2 óbitos para os mesmos 100 mil partos. "Pensei que poderia contribuir para resolver este problema".

Mudança de foco

No entanto, o médico ganhou notoriedade quando mudou o foco da profissão. Depois de uma especialização na França, retornou para a cidade de Lemera, no sul do Congo, em 1996, e viu o hospital em que trabalhava destruído pela guerra. No atentado, morreram os pacientes e os médicos que estavam no local. Traumatizado, Mukwege ficou dois anos sem operar.

Ele deixou a cidade e foi se refugiar em Bukavu, no leste do país, onde começou a trabalhar no hospital de Panzi, na época com quatro leitos. "O hospital foi organizado para atender a maternidade, mas a primeira mulher que chegou era uma vítima de estupro, com o seu aparelho genital destruído. Percebi que aquilo era apenas a ponta do iceberg", afirmou. O hospital cresceu e tem hoje 400 leitos para tratar basicamente de mulheres vítimas da guerra. O médico atende cerca de dez pacientes por dia. A instituição recebe ajudas do Unicef e de instituições americanas e europeias.

O hospital já atendeu 30 mil mulheres. Um terço são casos em que houve comprometimento dos aparelhos genital, urinário e digestivo simultaneamente. Os médicos conseguiram reestabelecer a saúde das mulheres em 95% das cirurgias - nos outros 5%, as mulheres deixaram o hospital com colostomia (procedimento cirúrgico onde se faz uma abertura no abdome para a drenagem fecal) ou com incontinência urinária e terão uma rotina difícil.

Mukwege fica apenas com os casos mais críticos que chegam ao hospital. "Há um número infinitamente maior, para o qual não dispomos de dados. Para a gente só chegam os casos muito graves, visíveis", afirmou. Ou seja, os casos de estupro e violações que não chegam ao atendimento são muito mais numerosos.

Guerra

A guerra no Congo já dura mais de dez anos e tem motivação econômica: o Congo detém 80% das reservas mundiais de coltan, mineral usado em telefones celulares, DVD players, computadores e câmeras digitais. Só que nessa guerra travada entre os homens, as maiores vítimas acabam sendo as mulheres e as crianças, já que, nesses conflitos, as atrocidades são fator de desestabilização e humilhação para facção vencida.

As meninas chegam a ser utilizadas como escravas sexuais. No entanto, quando uma facção desbanca a outra, a garota é violentada pelo vencedor. Os meninos que não são mortos nos conflitos tornam-se crianças-soldados e vão para o front.

Apoio após operações

Mukwege sabe que faz a sua parte, mas acredita que para reduzir os dados de violência contra a mulher, o Estado precisa reconhecer o direito das vítimas e assumir as suas responsabilidades. "Nós tratamos das vítimas, mas é muito importante vencer a questão da impunidade. Nós fazemos a nossa parte, mas é preciso que aja uma ação para reinserir essas mulheres na sociedade. Elas não podem ser responsabilizadas por atos dos quais são vítimas", disse.

Cidade da Alegria

Para apoiar as vítimas da violência, o médico está organizando a Cidade da Alegria - um programa que ainda não está totalmente em funcionamento, mas que visa a fortalecer e ensinar a mulheres vítimas de violência (que geralmente não conseguem retornar para casa) no Congo a ser líderes em suas próprias comunidades. O trabalho com essas mulheres será feito por uma equipe do hospital de Panzi.

Vozes internacionais

O médico gostaria que a visibilidade adquirida internacionalmente pudesse parar com a barbárie contra as mulheres. Mukwege acredita que a violência contra as mulheres no Congo pode ser uma espécie de resposta à emancipação feminina, uma demonstração do medo dos homens de perder o poder.

Mukwege participará do debate Compromisso Social da Medicina, do qual participarão apenas médicos, nesta terça-feira, às 10h, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em Porto Alegre. Antes, na noite desta segunda, ele fala no ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, na capital gaúcha.

Fonte: Redação Terra
Compartilhar
TAGS
Publicidade