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Polícia

Psicóloga: no interior do MA, todo mundo sabe o que é um pai-avô

26 jun 2010 - 14h10
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Daniel Favero

José Agostinho Bispo Pereira, 54 anos, foi preso em Pinheiro (MA)
José Agostinho Bispo Pereira, 54 anos, foi preso em Pinheiro (MA)
Foto: Eveline Cunha / Especial para Terra

De acordo com a psicóloga Rosângela Rosa, que trabalha junto à Secretaria de Segurança do Maranhão, a figura do pai-avô é de conhecimento comum no Estado. Ela é a responsável pelo laudo psicológico do lavrador José Agostinho Pereira, da cidade de Pinheiro. Ele foi preso e indiciado este mês por ter oito filhos-netos com as duas filhas, além de abusar de duas destas crianças e manter parte da família em cárcere privado em uma zona rural isolada. "O pai-avô, que engravida a filha, tem uma forte conotação cultural no Estado. Esses casos sempre aconteceram. No interior, todo mundo sabe o que é um pai-avô", afirmou.

Na avaliação da psicóloga, existe uma cultura patriarcal de omissão e de submissão da mulher em que os casos de violência são comuns. "É claro que a atitude dele é reprovável, mas conversando com ele se vê que ele não entende o que aconteceu. Ele tinha o papel de mantenedor da família, nada mais conveniente do que ficar com a filha".

Sobre o laudo que vai elaborar sobre o caso, a psicóloga diz que vai expor o componente cultural. "É mais fácil taxar de monstro do que compreender o que está acontecendo. Temos que entender que existe um componente cultural determinante, mais amplo. Isso acontece no Maranhão inteiro. Esses casos que vimos recentemente são o ápice do abuso, mas existem muitos outros na base.

Ela diz que a omissão da comunidade é comum porque as pessoas "naturalizam" esse tipo de comportamento. "A comunidade sabe disso, mas se omite porque naturaliza o fato e, para não ter problemas, não se envolve. É impossível que ninguém tenha visto o que aconteceu em Pinheiro. Por mais isolados que eles vivessem, a família tinha amigos, compadres e comadres, mas ninguém impediu ou denunciou", afirmou.

Para Rosângela, o cenário da exploração infantil no Estado "é algo assustador". Pequisas apontaram as cidades de Imperatriz, Caxias, Açailândia e Timon como locais de alta vulnerabilidade para abuso e exploração sexual. "Os Conselhos Tutelares identificaram 1.664 casos com a ajuda da comunidade. Em mais de 50% deles, a violência era intrafamiliar, ocorria dentro dos próprios lares", disse.

Para ela, as crianças vítimas de abusos se tornam reféns porque dependem financeiramente da família. Em muitos dos casos, são os pais, padrastos e irmãos que cometem a violência, assim como ocorreu no segundo caso registrado na cidade de Pinheiro, onde o pai, os irmãos e até os vizinhos teriam violentado uma menina de 12 anos. "É um dado muito sério. Muitos fogem de casa porque se sentam ameaçados, e a mãe faz vista grossa porque não quer perder o homem, porque não tem renda. É uma cultura de submissão onde existe a prevalência do homem sobre a mulher. Ele determina. Ele deve ser obedecido", afirmou.

"Na cabeça da criança, isso é muito complicado. No caso da menina de 12 anos, fica difícil para ela compreender o que o pai está fazendo, porque ele representa a lei (referência) dentro de casa. A criança não entende se é carinho, carícia ou outra coisa. São pessoas que não tem referência", disse.

De acordo com a psicóloga, estudos apontam que, na maioria dos casos, os abusadores também foram vítimas de violência quando crianças, o que sugere um círculo de abusos que se perpetua há muito tempo no Maranhão. "A gente se ilude quando acha que os casos aumentaram porque o número de denúncias aumentou. Isso sempre existiu. Os fatos estão saindo da opacidade, está ficando mais transparente, tudo está vindo à tona. As pessoas estão se atualizando na conduta ética, por meio de ações educativas e de cultura", afirmou.

Fonte: Redação Terra
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