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Especialistas: muro de pedras pode agravar destruição em SC

6 jun 2010 - 10h31
(atualizado às 10h35)
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Fabrício Escandiuzzi
Direto de Florianópolis

A construção de um muro de pedras para conter o avanço do mar na praia da Armação, em Florianópolis, pode agravar a situação no bairro diante de novos episódios de ressaca. O alerta é feito pelo diretor do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), João Luiz Baptista de Carvalho. Segundo ele, a colocação de pedras na praia poderá agravar o quadro de erosão marinha.

Montagem mostra a mudança na praia da Armação, em FLorianópolis, em dois anos. Em imagem de 2008, menino brinca no local onde há um muro de pedras hoje
Montagem mostra a mudança na praia da Armação, em FLorianópolis, em dois anos. Em imagem de 2008, menino brinca no local onde há um muro de pedras hoje
Foto: Restaurante Vieira,/Fabricio Escandiuzzi / Especial para Terra

"O problema pode se intensificar nas próximas ocorrências de ressaca", afirmou o especialista. "A princípio, a obra protege as casas afetadas em um curtíssimo prazo. A água irá encontrar a barreira de pedras e continuará erodindo com ainda mais força a parte inferior deste muro".

Para Carvalho, a destruição acelerada da praia teria sido causada pela junção de três fatores: a maré astronômica, a meteorológica e as ondas elevadas. "Num mesmo episódio tivemos essa combinação de fatores que levou várias casas à destruição", disse, acrescentando que a preocupação persiste para os próximos meses. "O inverno nem começou. Neste período as ressacas são mais frequentes e a praia já está muito fragilizada, sem nenhuma faixa de areia".

O geólogo Rodrigo Del Omo Sato, da diretoria do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) e voluntário da Defesa Civil, também defende a posição de que o muro não irá solucionar o problema. Na opinião dele, a situação irá se agravar e apenas a retirada do molhe auxiliaria a amenizar os efeitos da ressaca. Ele criticou a prefeitura de Florianópolis e diz que as autoridades não estão ouvindo técnicos da área. "Estou batendo nesta tecla. Construir o muro é o mesmo que dar remédio para tosse a um portador do HIV e esperar que ele melhore. Tem que se atacar a causa do problema, e isso não está ocorrendo", afirmou.

Sato realizou um estudo com imagens da praia da Armação desde 1938. Para ele, o fechamento completo do "molhe", realizado há menos de seis anos, teria agravado a situação. "Tem que se acreditar muito em coincidência e acaso para não perceber que o molhe alterou a dinâmica costeira", completou. "Técnicos da área não estão sendo ouvidos porque envolve a política. Ouve-se apenas a associação de pescadores".

O estudo do geólogo foi protocolado junto à prefeitura municipal esta semana. O documento alerta para que o sistema de enrocamento não é suficiente para conter o mar nos próximos meses, quando os episódios de ressaca são bastante frequentes. "Sem o engordamento da praia tudo vai voltar a erodir. É a mesma coisa de empurrar um carro sem freio ladeira acima. Quando parar para descansar ele volta a descer", comparou. "Assim que chegar uma ressaca para valer aí veremos o que é destruição".

A Defesa Civil de Santa Catarina emitiu um novo alerta para uma forte ressaca entre este domingo e segunda-feira, com ondas de 3 m de altura. O mar pode não avançar sobre as casas, mas, no entendimento do professor, começará desde já a causar erosão sobre o muro que começou a ser construído há uma semana.

Obra de R$ 16 milhões
O secretário de obras de Florianópolis, José Nilton Alexandre, afirmou que o engordamento da praia será realizado logo após as obras emergenciais de construção do muro. Ele disse que um projeto do governo do Estado, realizado em 1999, está sendo atualizado para a recuperação da Armação. "Sabemos que o muro é paliativo e estamos trabalhando na recuperação da praia em si. Estamos estudando a batimetria, hidrometria e levantamento de custos para a realização da dragagem de um banco de areia localizado a 200 m da costa", disse.

O custo da recuperação total da praia não está previsto nos recursos emergenciais de R$ 10 milhões transferidos pela União à prefeitura de Florianópolis. Pelo estudo, o custo da nova obra superaria a marca dos R$ 16 milhões. "Estes valores estão desatualizados, pois são referentes aos cálculos realizados há dois anos", disse, ressaltando que um dos maiores obstáculos é o trabalho de dragagem. "Não existe no Brasil uma draga capaz de realizar esse serviço no mar, com aquelas condições que encontramos na Armação".

O projeto de recuperação, que ainda está sendo estudado e "atualizado", ainda necessita de uma série de licenças ambientais. O enrocamento da praia deve durar cerca de cinco meses para ser concluído.

Na praia da Armação, 58 caminhões realizam quase 180 viagens ao dia transportando as pedras que estão sendo utilizadas na construção do muro. Mesmo assim, em alguns pontos as ondas chegam a transpassar a barreira de rochas.

O cenário num dos mais procurados balneários de Florianópolis mudou radicalmente nas últimas semanas. O muro que terá 1.750 m de extensão e 70.000 m³ de rocha começa a tomar o espaço do que antes era uma faixa de areia.

Moradores se dizem aliviados com o muro, mas ao mesmo tempo lamentam o "fim da praia". "Eu jogava futebol ali em frente das casas que caíram", afirma Armando Luís Silveira, 29 anos. "È necessário construir esse muro, mas não dá para acreditar no que aconteceu aqui".

A destruição foi tão acelerada que fotografias feitas há menos de quatro anos dão a dimensão do tamanho da praia onde hoje o mar destruiu residências e muros. Num dos restaurantes mais movimentados da Armação, imagens feitas em 2008 mostram crianças brincando na areia, exatamente no local onde hoje está sendo erguido o muro.

Fonte: Especial para Terra
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