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Oriente Médio

Sanções ao Irã são beco sem saída e gerariam confrontos, diz Nobel

29 mai 2010 - 17h35
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O ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Mohamed ElBaradei, Nobel da Paz em 2005, não escondeu a sua satisfação com o acordo sobre a troca de combustível nuclear mediado pelo Brasil e pela Turquia em Teerã no último dia 17, em entrevista concedida com exclusividade ao Jornal do Brasil. Para o ex-diplomata egípcio, a decisão do governo iraniano de firmar a declaração representa um ponto de partida para a ampliação das negociações sobre o programa nuclear iraniano.

ElBaradei, 67 anos, diz que se surpreendeu com a reação de alguns países ao afirmarem que continuariam com o projeto de sanções ao Irã. Neste sentido, alerta: "Esta insistência em se conseguir tudo antes de começar a negociar é a razão pela qual desperdiçamos seis anos na questão iraniana. Sanções levam a um beco sem saída, e novos confrontos virão".

O senhor se surpreendeu quando o Irã aceitou assinar a Declaração de Teerã coordenada por Brasil e a Turquia?

Não me surpreendi nem um pouco. Estive envolvido nessas negociações durante muitos anos, quando ainda era o diretor-geral da AIEA, cargo que ocupei até novembro do ano passado. Sempre considerei que o diálogo é a única verdadeira solução para o programa nuclear iraniano, e fico feliz que o Irã tenha firmado o acordo através dos bons ofícios da Turquia e do Brasil. Mesmo depois de ter deixado a agência atômica, mantive contato com Celso Amorim e o ministro das Relações Exteriores da Turquia, encorajando-os a prosseguir nos seus esforços.

O que me surpreendeu foi a reação de alguns países de afirmar que continuariam com o projeto de sanções ao Irã. Se Teerã retirar mais da metade do seu material nuclear do país e enviá-lo à Turquia, isso será claramente um esforço de construção de confiança e revelará as intenções do Irã de cooperar. O combustível que permanecerá no país estará seguro, sob salvaguardas da AIEA, e não há absolutamente nenhuma ameaça iminente de que o Irã irá desenvolver uma bomba a partir deste material. O acordo deve ser compreendido como uma medida de confiança inicial, um passo à frente dado pelo Irã, que decidiu finalmente estender a sua mão e dizer que está pronto para negociar.

Alguns meses atrás, em setembro, Obama afirmou que estava pronto para negociar com o Irã sem condições prévias. Agora, o Irã respondeu, e eu esperava que a oferta seria vista como um ponto de partida para as negociações. É claro que há uma série de outras questões não resolvidas, como, por exemplo, a razão de o Irã continuar a dizer que vai enriquecer urânio a 20% mesmo depois de receber o combustível necessário para o seu reator de pesquisas. Mas todos nós sabemos que estas questões só serão resolvidas através do diálogo. Decidir prosseguir com as sanções mesmo depois deste acordo seria totalmente contraproducente. É como não aceitar o sim como resposta.

Em qualquer negociação, nunca conseguimos tudo o que queremos no início. Esta insistência em se conseguir tudo antes de começar a negociar é a razão pela qual desperdiçamos seis anos na questão iraniana. Espero que os países que ainda insistem em adotar sanções repensem a sua posição. Sanções, em minha opinião, levam a um beco sem saída, e novos confrontos virão.

Em junho do ano passado, o presidente americano Barack Obama fez um discurso no Cairo prometendo uma nova política americana para o Oriente Médio. O senhor acha que Obama mudou de ideia no que diz respeito ao Irã?

Não estou certo de que a postura de Obama representa um retrocesso ao seu comprometimento anterior, e espero que não seja o caso. Também não acho que a questão do Irã é representativa da abordagem americana para o mundo muçulmano em geral. Como sabe, existem alguns países vizinhos que também estão preocupados com o programa nuclear iraniano. Há muita desconfiança, e minha preocupação é que, se sanções forem adotadas, vamos polarizar os hemisférios Norte e Sul. Se de um lado há países como Brasil, Turquia, África do Sul e outros do Hemisfério Sul apoiando a negociação, e, de outro, países ocidentais com um ponto de vista completamente contrário, exigindo sanções, isso seria muito perigoso, porque você vai continuar a ter uma linha divisória entre o Norte e o Sul sobre uma questão que só pode ser resolvida através de negociações.

No passado, o senhor rejeitou a ideia de um ataque ao Irã, comparando-o à guerra no Iraque, onde 70 mil civis morreram pela suspeita de que o país tinha armas nucleares. O senhor acha que Israel está mais perto hoje de atacar o Irã do que alguns anos atrás? Quais seriam as prováveis consequências de um ataque?

Eu não acho que Israel está mais próximo de um ataque ao Irã, e espero que não esteja, porque seria uma loucura. Um ataque poderia transformar o Oriente Médio em uma bola de fogo, não resolveria a questão iraniana, e seria um incentivo ao Irã para o desenvolvimento de armas nucleares, mesmo que o país não tenha a ambição de desenvolver essas armas agora. Um ataque provavelmente atrasaria o programa nuclear iraniano por um ou dois anos, mas o Irã certamente voltaria com uma missão clara de desenvolver a pior arma possível.

Quando um país é bombardeado, quando perde a sua dignidade, ele volta com a arma mais poderosa que puder arrumar. Podemos aprender com a história que a humilhação de um país não é uma solução, pelo contrário, acaba fortalecendo os políticos linha-dura. Estremeço só em pensar na implicação de um ataque ao Irã para o resto do Oriente Médio. Vimos o Iraque ser atacado sob a pretensão de mudança de regime. Depois de sete anos, o Iraque é hoje um foco de instabilidade, de atentados suicidas.

Vi, na sexta-feira, uma pesquisa sobre quais as cidades mais habitáveis do mundo. O relatório classificou mais de 200 cidades, e Bagdá ficou em último lugar por causa de toda a instabilidade e da insegurança que existe lá. Temos bons exemplos para entender que qualquer opção militar conduziria a um desastre.

De acordo com o último relatório da AIEA sobre o Irã, não há qualquer evidência de que o país esteja desviando seu combustível nuclear para fins bélicos. Ao mesmo tempo, os inspetores da agência afirmam que não podem realmente ter certeza, porque o Irã não assinou o protocolo adicional, que permitiria mais inspeções. O senhor acha que a ameaça do programa nuclear iraniano é exagerada?

Se uma ameaça significa a possibilidade iminente de o Irã desenvolver armas nucleares, não temos nenhuma evidência disso, pelo menos até eu sair da agência, há apenas seis meses. Na época, não havia qualquer indicação de que o Irã estivesse desenvolvendo armamento nuclear. Assim, a ideia de que o Irã é uma ameaça nuclear no presente ou que conseguirá armas nucleares no próximo mês ou em dois meses é totalmente exagerada, e acho que esta avaliação é tambem compartilhada por todas os serviços de inteligência americanos e de outros países ocidentais.

O senhor acha que os EUA deveriam aceitar a participação de países emergentes como Brasil e Turquia na mediação de assuntos de relevância internacional?

Com toda a certeza. Acho que a comunidade internacional tem muitos países responsáveis que devem tentar mediar conflitos em regiões diferentes do mundo. Precisamos levar em conta não apenas a abordagem das potências ocidentais, mas também de países do Hemisfério Sul como o Brasil e a África do Sul. Todos estes países que estão emergindo como potências econômicas devem também exercer o seu soft power e sua influência para assegurar que tenhamos um mundo equilibrado.

O senhor já confirmou a sua intenção de concorrer à Presidência do Egito no ano que vem?

Ainda não. Continuo dizendo que só concorrerei se houver a garantia de uma eleição justa e transparente. Não farei parte de um sistema que carece de legitimidade, de justiça e equidade. Estou tentando aqui no Cairo pressionar por mudanças, e essa é a minha prioridade agora.

Jornal do Brasil Jornal do Brasil
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