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Oriente Médio

Irã pode ter usado Brasil para ganhar tempo, diz pesquisador

22 mai 2010 - 22h20
(atualizado em 24/5/2010 às 14h59)
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Lúcia Müzell
Direto de Madri

Responsável pelos estudos de transformação dos aparatos militares contemporâneos e de proliferação de armas de destruição de massa no Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), em Paris, o pesquisador Corentin Brustlein tem reservas em relação à negociação protagonizada pelo Brasil e a Turquia com o Irã acerca do seu programa nuclear. Para Brustlein, o Brasil pode ter ido usado pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad para ganhar tempo enquanto prossegue com o enriquecimento de urânio.

O especialista justificou as preocupações dos países com direito a voto no Conselho de Segurança da ONU ao estudarem aprovar uma nova resolução prevendo sanções econômicas e comerciais ao Irã. No entender de Brustlein, França, Alemanha, Rússia, China, Reino Unido e Estados Unidos (grupo de países chamado de G5+1) cansaram de dar prazos para Ahmadinejad e agora estão decididos a pôr um basta na "enrolação" protagonizada pelo líder iraniano.

Terra - O presidente Nicolas Sarkozy encontrou-se com Lula pela manhã, parabenizou-o pelo acordo obtido com o Irã e, à tarde, se alinhou aos Estados Unidos na sua proposta de resolução prevendo sanções aos iranianos. Outros países, como a China e Rússia, fizeram o mesmo. O que eles querem, afinal?

Corentin Brustlein - O que os países europeus e os Estados Unidos querem é reforçar o regime de não-proliferação de armas nucleares e gerenciar com eficácia o caso iraniano. Reforçar o regime de não-proliferação significa que os países que não respeitam os seus comprometimentos e que desrespeitam as resoluções do Conselho de Segurança da ONU devem sofrer as consequências. Se deixamos o Irã violar as resoluções do Conselho de Segurança de maneira impune, estamos dando um péssimo exemplo a todos os candidatos potenciais de fazer proliferação. Se queremos evitar o aumento das armas nucleares, precisamos conseguir responder com eficácia o problema que o Irã representa.

Quer dizer que a ação do Brasil e da Turquia, insistindo na via diplomática, não foi bem recebida por esses países?

Não, não significa que os países do G5+1 não recebem bem o acordo que foi feito. É um ponto positivo, com certeza. Mas os países antes precisam ver os detalhes deste acordo ¿ por exemplo, quais são os países intermediários, quem será encarregado de fazer o enriquecimento do urânio iraniano no exterior, quem vai fabricar o combustível nuclear e, sobretudo, o Irã tem uma triste tradição de ganhar tempo dando a entender que haverá um acordo e no fim, nada acontece. A prova é que a situação mudou desde a proposta de acordo prevista em outubro passado, que não foi fechada porque o Irã se retirou das negociações. O Irã continua enriquecendo urânio sem poder fazê-lo e, no decorrer deste período, o seu estoque de urânio certamente aumentou. Ao mesmo tempo, o acordo com o Brasil e a Turquia prevê a entrega da mesma quantidade de urânio que o acordo de outubro previa. Com o Irã, existe sempre esse problema grave de transparência.

Você acha que as potências nucleares estão surpresas ou mesmo desapontadas com o papel que o Brasil desempenhou?

Não há nada contra o Brasil. Desde que toda essa negociação começou, o Irã já ganhou tempo demais com esse tipo de enrolação. O que se quer evitar é que isso continue. Não é uma coincidência que este acordo apareça exatamente no momento em que os Estados Unidos se preparavam para apresentar uma proposta de resolução prevendo sanções contra o Irã. As coisas estão diretamente ligadas e tenho certeza de que os chefes de Estado turco e brasileiro sabem disso.

Existe alguma chance de a proposta de resolução encaminhada pelos americanos ser recusada?

A proposta de resolução do Conselho de Segurança existe e será solicitada enquanto o Irã não se adequar ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O acordo é um avanço, mas não significa que o Irã vai cumprir todas as suas obrigações. Ele precisa fazer outros gestos para provar a sua boa vontade. Enquanto isso não acontecer, a questão das sanções vai continuar ativa. É necessário tanto tempo para mobilizar o Conselho de Segurança acerca de uma causa que não se pode permitir interromper e recomeçar do zero a toda a hora somente porque o Irã faz esse tipo de manobras. É possível que daqui a um mês a gente fique sabendo que a o Irã achou melhor não aceitar fazer nada e é isso que se quer evitar agora. É preciso que ele seja submetido a uma pressão mais forte.

Então você acredita que o tempo de negociações definitivamente acabou?

Eu acho que o tempo de negociações vai terminar, no entanto ele não acabará neste acordo mediado pelo Brasil. Primeiro porque ele não é suficiente em si e, segundo, porque as sanções são previstas como uma resposta a uma atitude generalizada do Irã. Eles continuam enriquecendo urânio, recusando serem transparentes e a responder a uma série de questões precisas sobre o seu programa nuclear. Se eventualmente o Irã começa a fornecer respostas mais satisfatórias e propõe interromper, sob algumas condições, o seu programa de enriquecimento poderemos suspender a perspectiva de sanções. Ou seja, as negociações podem recomeçar, mas elas deverão englobar muito mais questões e o Irã deverá ser muito mais convincente do que vem sendo.

Como você analisa o papel do Brasil nesta situação?

Acho que o papel de mediação de um país que se propõe a dialogar com outro que só dá sinais de ruptura pode ser bem-vindo, mas vai depender das circunstâncias. Neste caso, foi uma coisa boa pois compreendemos que o Lula teve um interesse em que esse acordo realmente saísse. Se a recepção do acordo não foi muito favorável, não se deve estender isso à postura do presidente brasileiro. A desconfiança é dirigida ao Irã e ao seu comportamento incerto e que não inspira muita confiança de acordo com o que temos visto nos últimos anos. A posição turca e brasileira aparentemente foi apoiada pelos Estados Unidos, mas não é suficiente. O que se quer evitar é que, de forma alguma, a situação regrida. Se daqui a seis meses percebermos que o a situação não progrediu, ou ainda pior, se o Irã continuar enriquecendo urânio poderemos dizer que o acordo foi um fracasso. Mas, ao contrário, se a mediação permitir um aumento da transparência do regime iraniano, uma mudança de atitude e de provar que a boa vontade em contribuir é real, terá sido um sucesso.

Alguns analista apontaram que o Brasil foi ingênuo diante do Irã, que quer sempre ganhar mais tempo enquanto continua o seu programa nuclear.

Sim, eu compreendo. Lula fez uma aposta sobre a sua capacidade de influenciar o Irã, e, da mesma forma, Mahmoud Ahmadinejad fez uma aposta sobre a sua relação especial com Lula. Ainda é muito cedo para saber quem ganhou. Mas acho que há uma grande chance de, se a resolução prevendo sanções for aprovada, o acordo mediado por Lula ir por água abaixo. Ou seja, há fortes chances de que este acordo tenha uma duração de vida extremamente curta.

Você acha que os países que conduzem essas negociações estão prontos a ter um novo mediador originário de um país emergente, como o Brasil?

Acho que é bem-vindo enquanto é benéfico para a comunidade internacional. E tenho certeza de que o Brasil também tem os seus limites e não vai querer aparecer como uma marionete de Ahmadinejad enquanto ele quer ganhar tempo. Acho que enquanto essa situação não é nitidamente clara, a mediação será bem-vinda. Mas depende também do tipo de assunto: há alguns que são tratados de forma multilateral e outros de forma mais direta, sem intermediários.

Fonte: Especial para Terra
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