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Oriente Médio

Especialistas: acordo fracassou e Brasil sofrerá consequências

23 mai 2010 - 23h08
(atualizado em 24/5/2010 às 09h30)
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Claudia Andrade e Luciana Cobbuci
Direto de Brasília

Ao intermediar um acordo com o Irã na área de energia nuclear, o Brasil assumiu um risco que pode trazer consequências desfavoráveis para um país que se coloca como "conciliador" no cenário internacional, segundo a análise feita por especialistas ouvidos pelo Terra. O problema apontado por eles é o considerado "fracasso" do acordo que, mal foi assinado, acabou rebatido pela afirmação iraniana de que continuaria a enriquecer urânio e pela declaração americana de que sanções contra o Irã continuavam sendo negociadas.

Acordo foi celebrado no dia 17 de maio
Acordo foi celebrado no dia 17 de maio
Foto: AFP

"O Brasil poderia ter assumido uma postura mais cautelosa, sem essa exposição toda. E, depois do resultado pífio, deveria ter humildade para reconhecer que tentou fazer o que podia, sem esconder o fracasso, sem insistir em um resultado positivo de um acordo que não vai valer", afirmou o cientista político Samuel Feldberg. "Isso desqualifica o Brasil como intermediário, como possível mediador para próximos conflitos. O País queimou cartucho".

"Nunca houve na diplomacia brasileira um fracasso como este. É um resultado tão desastroso que duvido que se repita", disse José Augusto Guilhon Albuquerque, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. "Eu desejo de que seja assim, porque vai ser muito grave se não se aprender nada depois disso".

Os dois especialistas da USP são céticos sobre a postura iraniana a respeito de seu programa nuclear e criticam o fato de o Brasil ter abandonado a neutralidade no episódio. "O Brasil fez coisa semelhante na questão de Honduras, no conflito entre Equador e Colômbia e agora: adotou um lado. Como pode resolver um conflito se adota um dos lados?", questiona Guilhon.

Na opinião de Feldberg, ao apoiar o Irã na mediação, o Brasil passa uma mensagem equivocada, assumindo uma postura maniqueísta. "De certa forma, o Brasil está dizendo que o Irã e nós somos os mesmos atores de um cenário dominado pelas mesmas potências, sem diferenciar que o Brasil é um jogador honesto e o Irã, não", afirmou.

Para Feldberg, o País não podia ter se comprometido com a causa iraniana a ponto de sair prejudicado da situação. "O Brasil pode estar numa posição privilegiada hoje, mas ainda somo um país marginal. Não temos por que competir com as grandes potências", afirmou.

"O Brasil tem seu próprio programa nuclear, faz enriquecimento de urânio, mas abandonou seu programa nuclear para fins militares há muito tempo. De alguma forma, isso cola em uma necessidade brasileira de deixar muito claro o seu direito de enriquecer urânio e de se comportar nesse meio com independência", disse.

Feldberg não acredita numa guerra nuclear, mas diz que a simples posse de armamentos nucleares pode causar desequilíbrio no Oriente Médio. "Certamente vamos ver países ricos que podem se dar ao luxo de entrar nesse processo tentando adquirir armas nucleares, como Arábia Saudita e Egito. O que o Hezbollah pode fazer no futuro, contando com esse 'guarda-chuva' nuclear é muito mais do que foi feito no conflito de 2006", afirmou.

O professor de direito internacional da Universidade de Brasília Marcio Garcia também é cético sobre os resultados da ação diplomática brasileira no Irã. Ele disse ter dúvidas "se o País está maduro o suficiente no cenário internacional para participar desse plano".

A favor

Em seu primeiro evento no Brasil, depois da viagem ao Irã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou quem não gostou do acordo. "É muito engraçado que algumas pessoas não gostaram que o Irã aceitasse uma proposta que, anteriormente, era dos que não gostam agora. Porque tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo, e eu sou daqueles que só sabem fazer política construindo amigos", afirmou.

O professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) Reginaldo Nasser, é dos que considera que os resultados podem ser positivos. "O acordo não é um fator isolado, mas faz parte de um processo que vem num crescendo e já colocou o Brasil num outro patamar (no cenário internacional)", avaliou.

Para ele, mesmo em um cenário desfavorável, com o Irã descumprindo o acordo, o Brasil já teria feito seu papel. "O Brasil conseguiu pautar uma negociação, conseguiu que o Irã sinalizasse uma negociação. O objetivo não era pressionar o Irã, porque nenhum país vai conseguir isso".

Entenda o caso

Países ocidentais acusam o Irã de enriquecer urânio para fins militares, o que os iranianos negam. No início desta semana, a secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton anunciou ter chegado a um consenso com China e Rússia para uma resolução das Nações Unidas prevendo sanções ao Irã. O debate inclui restrições a venda de tanques, veículos de combate, aviões, navios de guerra e outras armas pesadas ao país. O anúncio foi feito logo depois do acordo mediado pelo Brasil, entre Irã e Turquia, que estabelece o envio de urânio para ser enriquecido no exterior. Em troca, o Irã receberia combustível nuclear para uso em fins pacíficos. Logo após a assinatura do acordo, contudo, o Irã anunciou que continuaria a enriquecer urânio em seu território.

Com informações de Thaís Sabino, direto de São Paulo.

Fonte: Redação Terra
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