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Polícia

Capitã comanda pacificação modelo no morro Santa Marta

18 jan 2010 - 10h19
(atualizado às 14h35)
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Luís Pinheiro
Direto do Rio de Janeiro

O morro Santa Marta está tomado. E não mais pelo tráfico, mas pela Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) que se tornou modelo para a instalação do projeto em outras favelas da cidade do Rio de Janeiro. No comando, está a capitã Pricilla Oliveira, que abre caminho em vielas, becos e lajes da comunidade com sorrisos e gestos de gentileza.

A capitã Pricilla Oliveira conversa com crianças no morro Santa Marta
A capitã Pricilla Oliveira conversa com crianças no morro Santa Marta
Foto: Luís Pinheiro / Especial para Terra

Quando assumiu o comando da UPP da Santa Marta, em dezembro de 2008, a capitã disse que seria uma mãe para a comunidade. Hoje, é abordada pela criançada nas ruas, que vão abraçá-la e contar novidades e foi convidada para ser madrinha de um bebê nascido no morro.

A integração da Polícia Militar com os moradores no Santa Marta traz resultados, mas Pricilla admite que há ainda receio por parte da comunidade em aceitar a presença policial. "Muitos são familiares ou próximos de pessoas que roubam ou que conseguem dinheiro através das drogas. Portanto, o policial era visto como alguém que vinha para ameaçá-los. " Ela diz, no entanto, que a hostilidade não chega a ser violenta. Segundo ela, a resistência à presença policial é evidenciada pelo receio de colaborar com as iniciativas da UPP. "É preciso superar a desconfiança", disse.

E é com desconfiança que moradores observam um grupo de pesquisadores estrangeiros guiados pela PM. O dono de uma venda diz que não quer falar, vira o roto. Os policiais acompanham os visitantes sempre com a mão nas pistolas, prontos para sacar. PMs com fuzis fazem a cobertura, um em cada ponta do grupo. A favela está em paz, mas não é difícil perceber a tensão.

Apesar da ausência de tiroteios e de guerra por controle de tráfico no morro, ainda há um extenso caminho a percorrer para a total integração e urbanização da favela. Em um ano de atuação, a UPP passou a conhecer bem os problemas que fazem parte de uma comunidade historicamente marginalizada, que criou seus próprios hábitos e regras de sobrevivência, em que traficantes ditavam leis a serem respeitadas por todos, ligados ou não ao crime.

Em 1996, Michael Jackson pediu permissão ao então "dono" do Santa Marta, o traficante Marcinho VP, para subir o morro e gravar um clipe. No vídeo, o astro pop, cercado por uma multidão de moradores da favela, encarava policiais e cantava " All I wanna say is that They don't really care about us" (Tudo o que eu quero dizer é que eles não se importam com a gente). Tudo o que a UPP da capitã Pricilla quer é convencer a comunidade de que isso, no mínimo, mudou.

No entanto, a relação esbarra em certos aspectos. "O consumo de drogas é muito alto na favela. Faz parte da cultura deles. É difícil de convencer jovens que durante todas suas vidas se acostumaram a fumar maconha nas ruas livremente de que isto está errado", afirma.

A abordagem da UPP é tolerante, mas mudar os hábitos é realmente difícil. Pricilla afirmou que uma vez viu um jovem consumindo droga, foi conversar com a mãe dele e disse "olha, o seu filho estava fazendo isso. Se a senhora não der um jeito, daqui a pouco quem vai ter que dar um jeito sou eu".

Pricilla afirma o uso de cocaína por parte de uma fatia da população, em geral homens, é um dos causadores e agravantes da violência doméstica. Ela lamenta a ausência de uma instituição de saúde na comunidade para lidar com problemas de vício. Segundo ela, isso ajudaria a polícia no combate ao crime na região.

Paralelo ao trabalho da UPP, muita coisa evoluiu no Santa Marta, facilitando e viabilizando a pacificação. Boa parte das vielas está pavimentada. Há tubulações para esgoto e água encanada. Existe até um sistema que entrega serviço gratuito de internet wireless para toda a comunidade. Os moradores ajudaram na construção do plano elevado, que conduz diariamente pessoas morro acima. Através do bondinho, eles também transportam material de construção e a coleta de lixo é organizada, com horários específicos.

Responsável por um estudo divulgado em novembro de 2009 que abrangeu mais de 900 favelas da cidade, a socióloga Alba Zaluar, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, vê com bons olhos a atuação da polícia no Santa Marta, mas faz um alerta "a experiência é muito interessante, mas se for complementada. Infelizmente, as áreas onde as autoridades decidiram atuar não são onde se concentra a maior parte do problema."

Segundo ela, a questão só vai ser seriamente enfrentada quando as políticas de habitação e de policiamento comunitário abrangerem locais como o Complexo da Maré, o Complexo do Alemão, e as favelas localizadas próximas às vias de acesso da cidade, portos e aeroportos. "É lá onde as piores estatísticas de homicídio e tráfico predominam", afirma.

O projeto de unidades pacificadoras já foi instalado em outras seis favelas: Chapéu Mangueira, Babilônia, Cidade de Deus, Batan, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. A ocupação da Ladeira dos Tabajaras e dos Morros dos Cabritos está em andamento.

Os traficantes não aceitam perder pacificamente o seu domínio. Os policiais que patrulham o Santa Marta sabem disso. Ainda assim, estão lá, no controle, há mais de um ano. Para a capitã Pricilla, tudo o que o projeto da UPP precisa para dar certo é continuidade. Para que as coisas realmente evoluam e que, junto com os traficantes, o pior (miséria, falta de educação, drogas e violência) deixe a favela, uma coisa é tão importante quanto o controle policial da região: conquistar corações. Neste sentido, os esforços da equipe da UPP são evidentes. Desta vez, os policiais entraram lá sabendo que imposição bruta não levaria à sua permanência.

Fonte: Redação Terra
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