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Tropa de elite da PF atua há 23 anos sem baixas

20 dez 2009 - 02h18
(atualizado às 08h18)
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O Comando de Operações Táticas (COT), a tropa de elite da Polícia Federal, tem na vida real uma rotina que raramente se vê no cinema. Silenciosa, discreta e, antes de entrar em ação, praticamente invisível a criminosos, em seus 23 anos de atuação não sofreu nenhuma baixa, nunca matou um bandido sem confronto a tiros e raramente perde reféns. No País da bala perdida, de sucessivas operações desastradas e das execuções extrajudiciais, o COT se transformou numa "ilha" de eficiência da segurança pública.

E não é que falte adrenalina: o grupo executa, em média, 110 operações especiais por ano em diversas regiões do País - uma a cada 80 horas - e fez a linha de frente de boa parte das 1.006 operações que resultaram, nos últimos sete anos, em mais de 13 mil prisões, sem que fosse necessário disparar um tiro sequer para prender corruptos. As exceções são assaltos a banco com reféns, como uma tentativa ocorrida em Maurilândia (GO), em 2005, numa agência do Banco do Brasil. Na ocasião, o COT eliminou quatro assaltantes depois que estes mataram o próprio informante da quadrilha e ameaçaram a vida de vários reféns.

"Usamos a força na proporção necessária. Se um bandido mata alguém, então temos de tomar uma atitude", diz o agente federal Fabiano Tomazi, que durante quatro anos atuou na linha de frente do COT, parte como integrante do grupo de assalto e outra como atirador de precisão, o chamado sniper. Há dois anos fora do grupo, Tomazi é co-autor do livro COT ¿ Charlie.Oscar.Tango, o primeiro relato por dentro das operações especiais da Polícia Federal, escrito em parceria com seu colega de tropa, Eduardo Maia Betini.

Nas chamadas mega-operações contra a corrupção, onde os alvos são pessoas da elite raramente alcançáveis pela lei, os cotianos, como são chamados, normalmente são os primeiros a chegar e, como sempre, de surpresa, para não dar chance de reação e, assim, evitar um confronto sangrento. Mas agem também em ações pontuais e preventivas contra assaltos a instituições financeiras federais, quadrilhas com tentáculos interestaduais ou distúrbios envolvendo indígenas ou invasão a prédios públicos da União.

O preparo dos homens, o planejamento minucioso das ações e o fator surpresa estão na raiz do sucesso operacional. Formado por um seleto grupo de 40 homens, que gastam 70% de seu tempo em treinamento, o COT é o segredo da bem sucedida era que tornou a Polícia Federal a vitrine do combate à corrupção. É uma força móvel de pronto emprego, sediada em Brasília, capaz de se deslocar rapidamente e, em três horas e meia, agir em qualquer ponto do País.

Com mobilidade, armas e equipamentos modernos, além da experiência adquirida junto aos grupos de elite mais fortes do mundo, a tropa é notável mais pelo planejamento do que pelo uso da força. O policial do COT deve ter músculos e nervos fortes, mas a grande vantagem é o preparo intelectual diversificado - com formação acadêmica em várias áreas - e equilíbrio psicológico, aliados ao persistente treinamento e uma forte aversão aos desvios de conduta que se tornaram rotina em outras corporações.

"Que moral teríamos para prender se não tivermos uma conduta reta?", resume Tomazi. Outra preocupação é com os direitos humanos: em vez de matar, como muitas vezes clama o senso comum e se torna a opção equivocada de determinadas políticas de segurança, a satisfação é prender. "Somos profissionais e não justiceiros. Bandido desarmado é bandido vivo", disse.

Nesses 23 anos de atuação, não há entre os policiais do COT registro de nenhum caso de corrupção. A moralidade anda junto com o rigor com que são selecionados os futuros integrantes, mesmo que estes já tenham passado por todos os testes pré e pós-concurso público para ingressar na Polícia Federal. Cerca de 50% dos candidatos não passam da primeira fase e os aprovados sabem que, por mais de um ano, terão uma dura rotina de treinamento cujo ambiente varia da caatinga nordestina, ao pantanal e a floresta amazônica. Só depois da prova de fogo, que pode demorar de um a dois anos, é que o policial poderá tatuar em seu braço esquerdo o símbolo do COT, uma águia carregando um fuzil M-16, calibre 5.56.

A permanência na tropa dura, em média, cinco anos. Depois, seus integrantes retornam às origens ou se dispersam pelo país para ministrar cursos a outros grupos da Polícia Federal ou de corporações Estaduais. À exceção de Tomazi e Betini, campeões de tiro entre as forças de segurança, os que passaram ou atualmente integram o COT são rostos invisíveis.

Proteção de Bush e prisões cinematográficas

Contado por quem participou na linha de frente de dezenas de ações, COT-Charlie.Oscar.Tango é um relato vibrante e um roteiro sobre o modo de agir de um grupo de operações especiais que amadureceu no treinamento e nos combates contra o crime. É também uma ilustração da surpreendente guinada que a Polícia Federal deu nos últimos anos ao priorizar a repressão aos desvios de conduta de agentes do Estado, à rapinagem de verbas públicas que escoam pelos ralos da corrupção e às quadrilhas de engravatados infiltradas nos poderes da República.

"É emocionante prender pessoas que se acham inatingíveis", diz um dos trechos do livro no qual os autores descrevem as operações contra corruptos e a sensação de prender os até então intocáveis políticos, magistrados ou funcionários públicos de alto escalão que se associam na corrupção. O fator surpresa é o que mais funciona e, do medo ao relaxamento, provoca as reações mais curiosas: "isso é hora de prender alguém?", disse uma autoridade, apanhada em casa às 6h. Fabiano Tomazi e Eduardo Betini fazem uma leitura precisa sobre a falta que fazem os bilhões desviados. "Milhares de pessoas acabam não tendo a chance de aproveitar os benefícios de uma boa educação ou morrem por falta de atendimento médico em alguma região do País", completam.

O livro conta a história do COT pela experiência de dois de seus principais integrantes, identificados também pelos números 08 e 14. Detalha o espartano rigor dos treinamentos dos candidatos ao grupo que, sem hora marcada e fora da rotina de um cidadão "normal", devem estar à disposição e sempre que se deslocam nunca sabem para onde vão ser levados e nem quanto tempo irá demorar.

"Treinamos como se estivéssemos combatendo e combatemos como se estivéssemos treinando" dizem os autores, para explicar a obsessão dos instrutores em levá-los ao limite do esgotamento físico e mental para blindá-los contra o estresse, as adversidades e os riscos que uma operação especial impõe quando estiverem atuando no COT. A determinação é repetir esforço físico e a pontaria "à exaustão, para chegar à perfeição", o que explica a garantia de um tiro certeiro num alvo em que a distância pode variar de 25 a 600 m e a média, acima de 200 m. "Treinamento duro, missão fácil", afinal, é um dos lemas dos cotianos.

O livro descreve também pelo menos dez operações em que os dois participaram, entre elas, a proteção ao ex-presidente americano George W. Bush durante visita a Brasília, em 2005. Os atiradores do COT presenciaram uma cena curiosa no episódio: homens do serviço secreto dos Estados Unidos, também atiradores de elite, não resistiram e caíram no sono ao amanhecer do dia. Bush e a primeira-dama saíram na sacada do hotel e só viram os dois brasileiros de prontidão. Percebendo apenas a presença dos homens de preto do COT, Bush não entendeu nada, mas os cumprimentou. ¿Eu não acredito! É o presidente deles e dormem assim, trocando de turno desse jeito. E eu aqui há seis horas nessa geladeira (...) O homem mais odiado do mundo e uma falha dessas na segurança¿, detalha o agente 08.

Outra ação em que o COT esteve na linha de frente foi a Operação Topeira, desencadeada em setembro de 2006, em Porto Alegre, para impedir uma quadrilha ligada ao PCC - e que havia participado do roubo ao cofre do Banco Central em Fortaleza no ano anterior, levando R$ 164,7 milhões - chegasse aos cofres do Banrisul e Caixa Econômica Federal em Porto Alegre. Municiados pela inteligência da PF, os agentes, disfarçados de pintores de parede, se instalaram no prédio ao lado dos criminosos e ficaram aguardando o dia amanhecer para dar o bote e prendê-los antes que recomeçassem a escavação do túnel. "Rápida, silenciosa, fulminante. Fator surpresa usado em favor da polícia. O chefe de operações deu o sinal verde e o rolo compressor foi liberado. Quando a máquina Grupo Tático é acionada, nada mais pode detê-la", descrevem. Pegos de surpresa, em menos de cinco minutos, 26 assaltantes estavam dominados, presos e incólumes. Uma rotina para o COT.

Treinamento em favela artificial de R$ 900 mil

Os 40 homens do Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal passam a maior parte do tempo numa área cercada por muro alto de 40 mil m² no Setor Policial Sul de Brasília, um ambiente impenetrável para curiosos, no mesmo espaço da Superintendências do órgão no Distrito Federal. Lá há tudo o que eles precisam. Mas em janeiro do ano que vem, eles ganharão um espaço a mais para aperfeiçoar o treinamento e tentar se prevenir contra eventuais ações do crime na Copa de 2014 e, especialmente, nas Olimpíadas de 2016: uma pequena cidade cenográfica planejada, de dois mil metros quadrados de alvenaria, que reproduzirá fielmente a favela de um morro do Rio de Janeiro e seu ambiente adverso para uma operação policial.

As obras custarão ao governo federal cerca de R$ 900 mil e representarão a inclusão de um dos poucos ambientes que faltavam para o COT aperfeiçoar o treinamento, embora os próprios autores do livro tenham treinado nos morros ao lado do Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de elite da Polícia Militar do Rio. A favela cenográfica do COT tem um projeto arquitetônico singular para reproduzir tudo o que um policial enfrenta para prender os traficantes: becos apertados e sem saída, túneis, armadilhas, lajes, rua bloqueada e tudo o que possa caracterizar uma operação de alto risco e requisite também o uso de explosivos. Os treinamentos de subida e descida em favelas vão levar em conta também a ousadia dos criminosos, cujo ápice foi a derrubada do helicóptero da Polícia Civil do Rio, há três meses.

O treinamento em favelas, considerado como um dos mais difíceis, era uma das poucas carências do COT, que desenvolve operações de simulação em áreas urbanas, na selva, na água e no ar. Dotada de circuito interno de televisão para permitir a análise, a favela cenográfica do COT terá toda a estrutura tecnológica e equipamentos para reproduzir um ambiente mais próximo do real. As passarelas, as casas, os telhados serão construídos com o material comum nos morros do Rio. A energia elétrica terá diversos tipos de luminosidade, variando de um ambiente bem claro ao mais escuro encontrado pela polícia.

A estrutura será um complemento à infraestrutura já existente na sede em Brasília onde, de alojamentos a estandes de tiro, os policiais encontram tudo o que precisam para se sentir em casa ou num cativeiro enfrentando a imprevisível reação de criminosos com reféns.

Jornal do Brasil Jornal do Brasil
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