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Ossário em SP pode abrigar restos de 37 mortos pela ditadura

30 nov 2009 - 09h02
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Hermano Freitas
Direto de São Paulo

Os restos mortais de 37 opositores do regime militar brasileiro podem estar entre as ossadas de mais de mil indivíduos que aguardam exames de identificação por DNA no ossário do cemitério do Araçá, em São Paulo. Os mortos são militantes e guerrilheiros assassinados pelo Estado de exceção em sua fase mais dura, de 1969 a 1975, e depositados em uma vala comum no cemitério de Perus, na zona norte.

As ossadas que poderiam ser de opositores do regime militar aguardam identificação no cemitério do Araçá, em São Paulo
As ossadas que poderiam ser de opositores do regime militar aguardam identificação no cemitério do Araçá, em São Paulo
Foto: Reinaldo Marques / Terra

A estimativa é do jornalista Ivan Seixas, filho de Joaquim Alencar de Seixas, morto durante a Operação Bandeirante, em 1971, e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Ele considera nesta soma o número de vítimas do ex-comandante do Doi-Codi de São Paulo e um dos mais conhecidos torturadores do regime, Carlos Brilhante Ustra. "Como podem ter vindo vítimas de outros Estados, este número pode ser bem maior", diz Seixas.

Os corpos foram exumados a partir da descoberta da vala de Perus, em 1990. O projeto original de construção do cemitério previa um crematório para a eliminação dos vestígios dos dissidentes políticos. Ossadas foram depositadas no local após sua retirada das alas destinadas a "terroristas", nos anos 1970, em meio a indigentes e sem qualquer identificação. No local hoje existe um memorial em homenagem aos desaparecidos políticos e também às "vítimas da fome", mendigos enterrados no local após morte por inanição ou abatidos pelos esquadrões da morte.

No ossário, os restos foram colocados em gavetas e cimentados, sendo identificados pelos números de seus lotes, alguns com a inscrição "IML", iniciais do Instituto Médico Legal, responsável por sua custódia. O material foi levado à necrópole da avenida Doutor Arnaldo após passar anos aguardando identificação no laboratório do médico legista Badan Palhares da Universidade de Campinas (Unicamp), no interior do Estado.

Segundo o vereador Italo Cardoso e a procuradora da República Eugênia Fávero, na universidade os ossos ficaram espalhados em uma sala e expostos a inundações. "O abandono chamou atenção das faxineiras, muito religiosas, que chegavam a rezar ajoelhadas ao lado dos ossos", diz Cardoso.

O descaso com o material foi denunciado pela Procuradoria Geral da República em uma ação civil que cita a universidade e o legista, além do governo federal e outros órgãos públicos. De acordo com a ação, Palhares usou como argumento os esforços para identificar desaparecidos políticos para aparelhar o laboratório, obtendo verba pública sem nenhum resultado prático. "Não sabemos onde termina a negligência e começa a má intenção neste caso", afirmou a procuradora.

Estocado no ossário de forma provisória há pelo menos um ano, os ossos aguardam verba federal para os exames de DNA, que custam em média R$ 5 mil em laboratórios particulares. O Ministério Público Federal solicitou liminar à Justiça para obrigar o governo a destinar mais verbas para o trabalho de identificação dos restos.

A Unicamp afirmou que não iria se pronunciar até ser formalmente citada pela Justiça. O governo federal não informou sobre a dotação orçamentária da Comissão de Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos. Badan Palhares não foi encontrado para comentar.

Citado na ação civil pela ocultação de cadáveres durante o refime, o Serviço Funerário da Prefeitura autorizou a visita do Terra aos locais onde estão os ossos e onde ficava a vala, mas orientou todos os funcionários do cemitério a não fornecer qualquer informação.

Fonte: Terra
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