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Polícia

Rio: tráfico muda rotina para driblar Polícias Pacificadoras

16 nov 2009 - 09h33
(atualizado às 09h35)
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Mariana Canedo
Direto do Rio de Janeiro

O programa das Unidades de Policia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro não conseguiu acabar com o tráfico de drogas onde foi instalado, mas fez com que os criminosos deixassem de exibir seus crimes de forma ostensiva nas comunidades. Na avaliação do coordenador das UPPs, coronel José Vieira de Carvalho Júnior, os traficantes mudaram de comportamento nas cinco favelas onde foi instalado o programa. "Os bandidos já não ficam circulando com fuzis. E a comunidade já esta começando a confiar mais e a fazer denúncias", afirmou.

As crianças têm aulas de xadrez na Associação de Moradores
As crianças têm aulas de xadrez na Associação de Moradores
Foto: Maniana Canedo / Especial para Terra

Depois de quase um ano da instalação da primeira UPP, na favela Santa Marta, em dezembro de 2008, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) ainda não tem levantamento que mostre queda de ocorrências criminais nas regiões ou aumento de prisões, mas, segundo a SSP, a meta principal - aproximar as comunidades da polícia e devolver os territórios à população - está sendo cumprida.

Conforme pesquisa feita em maio pela Fundação Getúlio Vargas na favela Santa Marta, 58,38% dos entrevistados têm a percepção de que a segurança pessoal e da família aumentou. Na Cidade de Deus, o índice foi de 63,58%. O programa também está presente no Jardim Batam, Chapéu Mangueira e Babilônia. Somadas, as cinco correspondem a 10% das comunidades que vivem em favelas, segundo a SSP.

Os desafios do trabalho vão da aceitação pacífica dos traficantes à presença da PM à desconfiança da população e ao número reduzido de policiais preparados para exercer a função. Falta de pessoal capacitado - policiais recém-formados com especialização em direitos humanos e policiamento comunitário -, segundo a SSP, é a maior dificuldade.

O soldo de R$ 1 mil oferecido pelo Estado não chega a ser atrativo e nem metade das vagas oferecidas foi preenchida no último concurso. O salário aumenta com a gratificação de R$ 500,00 obtida pelo convênio com a Prefeitura do Rio e o bolsa-formação de R$ 400,00 mensais, concedido a mais de 22 mil profissionais da área da segurança no período em que estiverem fazendo um dos 96 cursos de aperfeiçoamento do Pronasci (Programa nacional de Segurança Publica com Cidadania).

Apesar das dificuldades, a secretaria considera o projeto bem-sucedido e pretende aumentar o contingente de policias em 3,5 mil policiais nas UPPs até o fim de 2010.Além das cinco favelas onde está instalado o projeto, um estudo analisa a ampliação para outras 100 comunidades. A idéia é de que uma UPP grande possa atender até 10 favelas.

Rotina

Durante um dia, a reportagem do Terra acompanhou o trabalho de policiais da UPP, circulou pelos morros Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, bairro vizinho a Copacabana, e ouviu moradores da comunidade e de seu entorno. Foram visitados o Centro Técnico de Ensino Profissionalizante (Cetep), que fica entre as duas comunidades, e a Associação de Moradores do morro da Babilônia.

A base da UPP das comunidades visitadas fica no alto, entre os dois morros. De lá é possível ver toda a praia de Copacabana e o acesso é pelo lado do morro da Babilônia. Antes de chegar a praça da Babilônia, policiais são vistos conversando com mototaxistas na metade da ladeira que sobe do Leme até a Praça da Babilônia. "A ocupação se deu depois de uma tentativa de invasão de bandidos de uma facção rival da que controlava o morro", disse o taxista Miguel Jorge, 36 anos, que trabalha em um ponto próximo ao morro.

Depois do trailler da PM na praça da Babilônia, é preciso subir uma escadaria de aproximadamente 300m até o cume do morro.

"Aqui, no dia da inauguração, a comunidade já estava esperando a polícia. Foi diferente do Santa Marta, em que foi necessário um trabalho de inteligência e a entrada do Bope e do Batalhão local para expulsar os traficantes", disse o capitão Felipe Magalhães, 29 anos, responsável pela unidade.

Segundo o capitão, a diferença do trabalho da polícia dita comum começa pelas atribuições. "As ocorrências não são policiais, são assistenciais. Na maioria dos casos é criança que se machuca, que cai de árvore, discussão de casal, briga de vizinhos", disse. Houve caso de morador pedindo ajuda porque o filho não estava conseguindo se concentrar na escola e outro que procurou a unidade para se inscrever para um concurso público pela internet.

Essa intermediação que os policiais fazem entre os moradores e outros órgãos é normal, na opinião do coronel José Vieira de Carvalho Júnior. "A população não precisa só de polícia, mas de mais creches, escolas, ensino profissionalizante. No Santa Marta, o cabeamento de luz esta sendo refeito, as ruas, recadastradas. A conta de telefone não vai mais chegar na rua A ou B. A rua terá nome e isso é um início de cidadania", afirmou.

Na visita ao morro Babilônia, a convivência cortês entre policiais e população ficou evidente quando PMs passavam pela frente da casa da moradora Núbia da Silva e foram servidos com trufas caseiras. Segundo ela, a chegada da UPP à comunidade fez com que a região "ficasse menos tumultuada". "Pelo menos durmo mais tranqüila", disse.

Um vigilante patrimonial que vive no morro Santa Marta há 30 anos e preferiu não se identificar disse que não tem dúvidas que a tranquilidade aumentou muito com a Unidade Pacificadora. "Mas tem uma meia dúzia de policiais que trata os trabalhadores como bandidos", afirmou. Ele disse que, em uma noite, um PM de touca ninja o abordou de forma hostil. "Só porque eu não estava com documento, ele quis me esculachar", afirmou.

"A única presença do Estado antes era uma polícia repressiva, que não se interessava em saber quem era o morador ou onde morava", afirmou o coordenador do Cetep, Ivan de Jesus Costa, que mora na comunidade do Chapéu Mangueira desde que nasceu. "Ainda não sabemos se a UPP é uma política de governo ou de estado. Temos a esperança de que a UPP seja parte integrante da PM. Que seja algo definitivo, não apenas a menina dos olhos do governador. A população não quer saber quem é o político, mas sim o que será feito por ela", disse.

Ensino

O Cetep oferece cursos profissionalizantes e de línguas, como inglês, francês e espanhol. No laboratório de informática, um garoto de 16 anos, aluno do 1º ano do Ensino Médio, revelou um temor que ainda paira sobre os mais jovens, mais vulneráveis a boatos. "Os cursos ajudam na área de trabalho. Temos que levar a sério. Mas o morro está muito estranho. Tem polícia, mas tem gente que diz que vão invadir mais cedo ou mais tarde. Não me sinto seguro para ficar andando de noite", disse.

Após o almoço no restaurante "Chiquinho", que tem uma vista privilegiada do Forte do Leme, o grupo seguiu para a Associação de Moradores da Babilônia e foi atendido pelo o vice-presidente, Carlos Antônio Pereira, 47 anos. Depois de listar o que é oferecido pela associação, Pereira comparou a relação da comunidade com a polícia antes e depois da instalação do programa.

"Oferecemos projetos em webdesign, administração e supletivos de ensinos Fundamental e Médio. Estamos desenvolvendo um projeto também para que turistas estrangeiros possam ficar hospedados em casas de moradores, com direito a café da manhã. Volta e meia aprece estrangeiro rodando por aqui. Estamos buscando turistas interessados em fazer trajetos diferentes do Rio, que queiram realmente conhecer como muita gente desta cidade vive. Estamos catalogando as casas que possibilitam um bom acolhimento do turista", disse.

Em uma sala da associação, crianças da comunidade tinham aula de xadrez. O professor Wagner Guimarães, mestre da Federação Internacional de Enxadristas (Fide) espalhou os tabuleiros sobre as mesas e dividiu os alunos presentes em duplas.

"Tenho um amigo na Secretaria de Segurança que me indicou para cá pelo perfil da comunidade. Além da concentração, o xadrez estimula o espírito pensante. Ajuda a entender a relação causa e conseqüência. Ensina a planejar e estas crianças têm muito a lucrar com isso", disse o professor.

A UPP dos morros Chapéu Mangueira e Babilônia conta com 100 policiais que se revezam para que oito grupos de patrulhamento (formados por cinco policiais cada um) funcionem dia e noite. A base consta deste total e um dos grupos de patrulhamento é itinerante.

No fim da tarde, um grupo de mototaxistas, que fazem um serviço importante para quem tem que subir e descer o morro todos os dias, conversava. Visivelmente desconfiados, aceitaram falar, mas pediram para não ter os nomes mencionados. As reclamações foram principalmente em relação às cobranças feitas pelos policiais da UPP para regularizar o serviço.

"A polícia diz 'não' isso nem sempre e fácil de ouvir. No entanto, os policiais das UPPs entendem o sentimento dessas pessoas. Posso dizer, com certeza, que o maior medo delas é de que as UPPs não tenham vindo pra ficar por tempo indefinido", afirmou Vieira.

Fonte: Especial para Terra
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