PUBLICIDADE

Rio gastará R$ 1 mi para restaurar chafarizes históricos

16 out 2009 - 23h31
Compartilhar

Fontes e chafarizes públicos no Rio de Janeiro operam abaixo de sua capacidade e sofrem com pichações e depredações, quando não são usados como sanitários e até como moradia por invasores. A Fundação Parque e Jardins (FPJ) planeja reformar e reutilizar o restante das obras a partir do ano que vem, em um projeto estimado em R$ 1 milhão, que inclui a edição de um catálogo municipal de chafarizes.

Os mais bem protegidos sofrem menos depredações, como a clássica Fonte dos Amores, projetada em bronze pelo Mestre Valentim entre 1783 e 1806 e protegida, ao menos em parte, pelas grades do Passeio Público, no centro, e por tombamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Dentro do lago do parque, as duas fontes em forma de pirâmide ainda jorram água, mas para abastecer o próprio lago.

Vizinhos à fonte, os chafarizes do Jacaré e do Menino não apresentam pichações, mas um dos dois jacarés está sem língua e o menino - que personifica o Cupido -, sem a flecha que segurava na mão esquerda e com parte de uma das asas quebrada.

Antigo bebedouro de cavalos, inclusive os da Polícia Militar, o Chafariz Paulo Fernandes, ou do Catumbi, construído em 1816, virou residência irregular de mendigos, como contam moradores e trabalhadores, inclusive policiais lotados no Regimento Caetano de Faria, em frente à fonte e sede do Batalhão de Choque da PM.

A Fundação Parques e Jardins afirma que retirou invasores diversas vezes, mas que eles tornam a voltar. Na manhã de sexta-feira, a parte interna do chafariz desativado estava fechada por um cadeado que foi trancado, segundo um PM, pelos invasores.

As quatro torneiras de bronze foram roubadas e o forte cheiro de urina do lado de fora, entre o chafariz e um muro, acusava seu uso como "mictório". Mesmo assim, um morador de rua dormia no local.

"Eles fazem as necessidades aí e o cheiro é horrível, os clientes reclamam do fedor", conta a agente de crédito Annelyse Alves, 30 anos, que trabalha ao lado.

Mais adiante, o Chafariz do Lagarto também é desativado e habitado, mas, segundo a FPJ, de forma regular, por antigos zeladores. O problema é o lado de fora. O rabo do lagarto que o dá nome foi "cortado" por vândalos e a serve de banheiro para mendigos, semiescondido por um estacionamento.

"Eles se agacham atrás dos carros dos PMs e defecam aí", afirmou o garçom Adauto Rodrigues, 49 anos. No Chafariz da Glória, a função é de lixeira, afirmam funcionárias do edifício ao lado, que conversam próximo a um depósito improvisado de casas de banana e tangerina, quentinhas usadas e até roupas.

Já na Rua do Riachuelo, a Persianas Planalto pôs vasos sobre antiga fonte desativada em frente à sua loja para evitar que passantes seguissem usando-a como sanitário.

Usar como lixeira e banheiro não pode. Como chuveiro ou piscina, tudo bem, desde que não suje, segundo a FPJ. De acordo com a arquiteta Vera Dias, chefe da Divisão de Monumentos e Chafarizes da fundação, não existe nenhuma proibição específica, somente "caso ocorra dano considerável ao patrimônio público".

Sem dano ao patrimônio, em princípio, mas com considerável poluição visual do espaço público, uma planta foi transformada em varal na sexta-feira pela manhã na praça Santos Dumont, na Gávea.

"O lago aí serve para tudo. Banheiro, banheira, tanque", comentou a moradora Lúcia Moreira, 52 anos. "Eles não têm onde fazer as necessidades e fazem aí."

Construídos no período colonial brasileiro, do final do século 18 ao início do século 19, chafarizes que hoje têm grande grande valor histórico ou arquitetônico integravam o sistema de abastecimento da cidade em um primeiro estágio de urbanização, ressalta Dora Alcântara, da Comissão de Patrimônio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

"O abastecimento anterior era bem primitivo, as pessoas precisavam ir às fontes naturais e aos rios com água potável. Depois, a cidade começou a ser canalizada por aquedutos vindos especialmente da Santa Teresa e do Rio Carioca", explicou Dora. "O Aqueduto da Carioca, sob o qual se ergueram os Arcos da Lapa e que recebeu esse nome por causa do rio, é um exemplo desse passado. Mas nem todos eram tão monumentais, alguns, inclusive, eram subterrâneos."

Segundo a arquiteta, os adornos que compuseram os chafarizes como monumentos coincidem com o ciclo do ouro - além da vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808 -, um período de relativa abundância.

"Em toda obra, mesmo que criada por necessidade, as pessoas buscam enfeitar e fazer de forma artística, vide os talheres, que servem para comer, mas recebem formas de arte", acrescentou.

Grafitada na fachada do Chafariz da Glória, uma imagem de Buda será apagada pelo Iphan, que, a exemplo da Fonte dos Amores, também o tombou. O superintendente do instituto no Rio, Carlos Fernando de Andrade, ressaltou que o desenho quebra o projeto original preservado pelo órgão, cuja restauração está sendo licitada.

"Parece um trabalho bobo, mas é demorado, porque não pode ferir a alvenaria. Portanto, precisa de muito cuidado", explicou Carlos Fernando, acrescentando que o Iphan "reitera com a prefeitura" para restaurar os monumentos tombados, mas que, em princípio, o trabalho cabe ao município.

Segundo a Fundação Parques e Jardins, somente a partir do próximo ano os chafarizes devem começar a ser reformados. O Chafariz da Glória, especificamente, fica na fachada de uma subestação da Cedae, que não pretende reutilizá-lo como fonte.

Jornal do Brasil Jornal do Brasil
Compartilhar
Publicidade