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Defensor diz que falta de moradia leva a "estado de barbárie"

24 out 2009 - 10h36
(atualizado às 10h45)
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Vagner Magalhães
Direto de São Paulo

O defensor público Carlos Henrique Loureiro, coordenador do núcleo de habitação e urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo, tem sobre a sua mesa inúmeras demandas sobre o tema, notadamente dos casos de reintegração de posse, que geram centenas de sem-teto. Ele afirma que a falta de uma política pública de habitação eficaz é responsável pelo "estado de barbárie" vivido na cidade e que a situação pode ser considerada insustentável. Ele acredita que por bem ou por mal, o Estado terá de investir em moradia, sob o risco de agravar a situação social em São Paulo. Loureiro reconhece em parte a alegação de falta de recursos para minimizar o problema, mas sugere que é preciso uma política que seja seguida de forma contínua.

Em sua opinião, mais do que recursos para um projeto de urbanização, são precisos projetos eficientes. Cita exemplo do Chile, que sob o governo Pinochet construiu "caixotes para o depósito de seres humanos", que acabaram reforçando problema social em Santiago. De acordo com ele, o mercado imobiliário paulistano exclui população e cria guetos.Para o defensor, a aprovação do relatório final da Proposta de Emenda à Constituição, que prevê a destinação de 2% da arrecadação federal e 1% da arrecadação dos Estados e municípios para os Fundos nacional, estaduais e municipais de Habitação de Interesse Social, pode não ser a solução do problema, mas pelo menos irá dar mais visibilidade ao debate. Veja os principais trechos da entrevista.

Terra - Como o senhor vê a política habitacional em São Paulo? Há diálogo com o poder público?

Carlos Henrique Loureiro - Essa é uma questão bem complicada. Mesmo quando acionado judicialmente, o município alega que não tem recursos para atender todas as famílias pobres que precisam de moradia. O que em parte é verdade. Nem quero entrar no mérito político, de quem é a culpa pela situação, quem é ou são os responsáveis pela falência da política habitacional. Isso vem de um processo histórico. Não é só do município do Estado ou da União o problema, embora as políticas urbanas sejam prioritariamente dos municípios. Historicamente não houve investimento de moradia popular. Por conta disso e do fato do mercado imobiliário ter excluído a população pobre, fez com que a cidade crescesse de forma desordenada. Quase metade da população paulistana vive em assentamentos urbanos precários. Ela acabou sendo pensada como um espaço de convivência, com direitos de bem estar.

O senhor acredita que a PEC da moradia, caso seja aprovada em votação final, seja um avanço no sentido de investimento contínuo no setor?

Ela tem o seu lado bom e o ruim. O lado bom é o reconhecimento político de se investir. O que era um problema de segunda classe se torna prioridade e ganha evidência, é interessante para o estímulo ao debate. Investimento é importante, mas não só ele. É preciso discutir o que se vai fazer com o dinheiro. Não basta apenas construir de qualquer jeito. O Chile, por exemplo, teve uma experiência ruim, onde foram construídos depósitos de gente, "em caixotes", sem nenhuma infraestrutura e que agravam os problemas sociais.

É preciso envolver a população no processo?

É preciso mais do que construir. Tem de se consultar a população, ela precisa participar da execução do plano, para que ela possa receber e se sentir responsável pelo que é seu. Se ela perceber que é algo assistencialista, acaba não cuidando. Porque vai acreditar, lá na frente, que se precisar, vai ter de novo. Falta uma política habitacional eficaz, para que as pessoas tenham dignidade humana. É um longo caminho a ser perseguido. Já estamos em um estado de barbárie. Não sei por quanto tempo essa insustentável situação em habitação vai persistir. As crianças estão fazendo malabarismo na rua porque falta moradia. A origem do problema é política.

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Foto: Raphael Falavigna / Terra
Fonte: Terra
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