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Em redes sociais ou pessoalmente: leia casos de perseguições

Estudantes contam como ex-namorados transformaram a internet em uma arma, utilizada para "stalkear" e ameaçar

1 jun 2015 - 09h25
(atualizado às 19h25)
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Foto: iStock

“Uma vez ele me trancou na casa dele, ligou o gás e saiu. Falou que se eu saísse daquela casa eu estava morta de qualquer forma.”

“Ele começou a pedir para minha prima (que também tinha ele no Facebook) pra ela falar comigo, pra eu repensar, que ele não vivia sem mim (...) Depois começaram as perseguições fora da rede: ele apareceu várias vezes na porta do meu colégio, mas não falava comigo. Depois em qualquer lugar que eu estava eu o via.”

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“Reparei que ele tinha, no mínimo, uns dez fakes com nomes e identidades completamente diferentes, todos me seguindo há meses... Então, veio a primeira mensagem no meu celular, que até hoje eu me pergunto como ele conseguiu o número, ‘se você parar de falar comigo assim, eu vou te matar e me matar em seguida. Está decidido’”.

Os relatos são de três estudantes que tiveram a vida revirada após uma série de perseguições nas redes sociais. Duas conheciam bem o agressor, seus ex-companheiros, que encontraram na internet uma forma de potencializar comportamentos abusivos. Já a terceira vítima foi alvo de um “amigo virtual” quando tinha 17 anos.

Maria (nome fictício) começou a ser perseguida pelo ex-namorado no final de 2012, quando tinha 19 anos. Os dois tiveram um relacionamento de três anos, mas que mudou completamente após seis meses. “Ele começou a me acusar e falar que eu tinha que agradecer por ele falar comigo, que eu era uma pessoa muito difícil”, relata a estudante do interior de São Paulo, que na época já sofria com depressão.

Ao tentar terminar, ela conta que a situação só piorou. “Terminei com ele e a gente voltou. Mas por causa disso virei a pessoa mais horrível do mundo. Então não podia sair, não podia fazer nada. Eu me sentia muito culpada, porque sentia que devia isso para ele. Então começaram as ameaças. Ele começou a ameaçar se matar, várias vezes.”

Para o psicoterapeuta Denis Canal Mendes, homens que desenvolvem um ciúme patológico são inseguros e possuem auto-estima baixa. O homem pode ver "no outro, no caso a namorada, uma forma de se sentir mais fortalecido”.

Porém, adverte que é perigoso entrar no “jogo de manipulação” que os perseguidores criam, ao ameaçar tirar a própria vida. Segundo o psicoterapeuta, o intuito é paralisar o companheiro, que acaba se tornando um refém. Por isso aconselha a não se deixar levar pelo sentimento de culpa e continuar firme em sua decisão.

Maria relata que após conseguir terminar o relacionamento, o ex-namorado ainda criou sete perfis no Facebook para tentar entrar em contato com ela, além de também utilizar o Twitter para postar ameaças.

A carioca Bianca (nome fictício) também foi vítima do ex-companheiro quando ainda tinha 15 anos. O agressor, seu professor, tinha 24. A estudante conta que ele sempre demonstrou ser uma pessoa ciumenta e possessiva, chegando até a afastá-la de suas amigas.

Mendes aconselha que se posicionar de forma clara ajuda as vítimas a darem um “basta” em seus perseguidores, porém, adverte que definir esse limite nem sempre encerra a perseguição.

“Ouço aqui na clínica, ‘eu tento ser educado’, mas às vezes tem que ser um corte bem claro. Isso pode ajudar a dar um limite para essas pessoas. Encerra a perseguição? Às vezes sim, às vezes não. Depende do perfil do perseguidor”, fala o psicoterapeuta.

Um dos momentos decisivos para a estudante terminar o namoro foi quando o namorado a violentou. “Eu só dormi na casa dele uma vez. Nós saímos e chegamos um pouco alterados. Ele queria transar e eu não... Bem, ele me imobilizou e me estuprou”.  

Após terminar, a estudante relata que o ex-companheiro começou a procurá-la no Facebook e a ligar. Começaram, então, os xingamentos por meio de mensagens privadas na rede social não só à ex-namorada, mas também a seus familiares.

Segundo a delegada Celi Paulino Carlota, da 1ª Delegacia da Mulher (DDM), em São Paulo, está se tornando comum mulheres procurarem a delegacia quando são vítimas de crimes através da internet. “Muitas vezes a pessoa pensa que a internet é uma terra sem lei, mas não é verdade. É necessário que quando ela está sendo ameaçada, extorquida por essas pessoas através da internet, ela procure a delegacia de defesa da mulher.”

Agressões psicológicas também são previstas na Lei Nº 11.340, conhecida como Maria da Penha, e não é preciso que a situação se agrave a ponto de ocorrer uma agressão física para haver uma denúncia.

“Não precisa chegar a uma ameaça. É difícil começar com ameaça, geralmente é com ofensas, com insultos e ela já pode estar fazendo o boletim. Insultos e ofensas já são crime”, esclarece a delegada.

Depois de atacar a família de Bianca, o agressor partiu para perseguições fora da rede, aparecendo na porta do colégio, em shoppings e na rua da casa da vítima, porém, ele nunca chegou a abordá-la. “Eu realmente não sei porque ele parou de me perseguir... Apenas parou e ainda bem.”

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Denúncias

Após ser trancada em casa com o gás ligado e ser agredida no decorrer do relacionamento, Maria procurou a delegacia da mulher de sua cidade. Porém, foi aconselhada pela própria delegada a não continuar o processo.

“Falei das ameaças e a delegada não quis ver minhas provas porque disse que só seriam necessárias caso eu entrasse com um processo. Ela falou ‘não conta para ele que você fez o B.O. (boletim de ocorrência), pois isso deixaria ele com raiva e a recomendação que eu tenho para você é evitar os lugares que ele frequenta, porque a delegacia não pode te proteger’. Eu sai da delegacia quase chorando”, conta a estudante.

Porém, segundo a delegada da 1ª DDM, em São Paulo, “a omissão, o silêncio, é que geram impunidade e as agressões vão persistir e cada dia ficar piores”. Carlota orienta que apenas o boletim de ocorrência não basta. É necessário que a vítima represente contra seu agressor para que um inquérito policial seja instaurado.

Em casos mais extremos, a vítima também pode procurar um abrigo da polícia civil ou até mesmo de organizações não governamentais (ONGs).

Provas

Em casos com os de Maria e Bianca, a advogada especialista em direito digital, Patrícia Peck Pinheiro, aconselha que a vítima faça reproduções das telas das mensagens ou até mesmo fotos para ter como provas. Caso não queira denunciar no momento, é importante que a pessoa conte para alguém de confiança o que está acontecendo e que dê a ela uma cópia das provas.

Pinheiro reforça a importância da denúncia e diz que é comum as vítimas se sentirem culpadas, principalmente quando algum material íntimo é divulgado criminosamente pelo ex-companheiro, porém, reforça que, apesar da dor e vergonha, a denúncia se faz necessária para parar o criminoso. “Pense em todas as outras mulheres que você também vai proteger no momento em que isso de fato se tornar uma penalidade jurídica”.

De acordo com a advogada, o que acaba “doendo mais” é a “punição financeira”. Pinheiro explica que uma indenização pode pesar mais do que a punição dos crimes contra a honra ou da própria lei Maria da Penha, que “dependendo do caso, vai desde uma negociação com cesta básica, a uma detenção inicial, podendo chegar a uma pena de prisão de três, cinco anos, dependendo da somatória dos crimes. Mas ser for réu primário e pediu desculpas, se comprometeu a não fazer mais aquilo, às vezes no criminal não vai chegar ao ponto de prender, já no civil o dano tem que ser pago e vira um corretivo que tem sido mais eficiente”.

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"Eu vou te matar e me matar em seguida. Está decidido”

O psicoterapeuta Denis Canal Mendes reforça que há uma diferença entre o ciúmes patológico e a obsessão. Enquanto no primeiro a relação “real” é fundamental, o segundo caso se dá no campo da fantasia.

“(Obsessivos) são pessoas que têm uma certa insegurança, que de alguma maneira veem nessa pessoa uma saída, uma sensação de glamour, de se sentir bem. São pessoas que muitas vezes passaram por uma sensação de frustração na vida... E vem naquela imagem a possibilidade de se sentirem incluídos, próximos”, explica o especialista

Elisa (nome fictício), paulista de 20 anos, conhece bem o perfil de uma pessoa obsessiva. Em 2012, aos 17 anos, conheceu em uma rede social um “seguidor” com diversos gostos em comum, que acabou descobrindo seu telefone, endereço residencial e aonde estudava.

“Ele pedia para outras pessoas, até amigos de outros estados, provavelmente para que eu não suspeitasse do DDD, ligassem dizendo ‘ele está preocupado com você, disse que está ficando doido sem uma resposta’, ou só ligava de um número restrito e me dizia coisas nojentas”, conta a estudante.

Após bloqueá-lo, descobriu que o agressor ainda mantinha mais de dez contas falsas, as quais usava para tentar manter contato a todo custo. Depois as ameaças migraram para mensagens no celular. Elisa conta que lembra bem do dia em que recebeu a primeira, em 2012.

“Recebi, como SMS, ‘se você parar de falar comigo assim, eu vou te matar e me matar em seguida. Está decidido'.”

A estudante diz que não conseguiu esconder o desespero dos pais e mostrou as mais de 15 mensagens que o agressor havia enviado logo em seguida, dizendo os endereços em que ela estudava e trabalhava, e como iria fazer para estuprá-la e matá-la.

Elisa foi levada à delegacia, porém, os policiais a aconselharam a arquivar a denúncia e esperar a avaliação deles.

Com a ajuda de um parente, ela conseguiu verificar a situação criminal do agressor, mas conta que o processo acabou morrendo "por falta de antecedentes”.

A delegada Celi Paulino Carlota explica que como não houve um envolvimento amoroso entre as partes e o caso se restringe a um contato virtual, não há como pedir a medida protetiva. “Vai ser instaurado inquérito policial se tiver ameaça, mas a medida protetiva não irá contemplar a vítima porque não há envolvimento. Mas ela pode entrar na civil, com uma medida cautelar de afastamento.”

“Eu ainda poderia ter recorrido a isso depois, mas a ameaça já tinha prescrevido e eu simplesmente não tive forças. Eu queria deixar isso para trás, queria deixar as crises nervosas para trás, e senti que isso não ia acontecer nunca se eu continuasse brigando. Então abri mão, a burocracia me venceu pelo cansaço”, relata Elisa

Efeitos psicológicos

Perseguições tanto no dia-a-dia, como na internet, podem resultar em quadros de ansiedade, insegurança, medo de se relacionar novamente e desconfiança, levando a pessoa a se isolar afetivamente, segundo Denis Canal Mendes.

Após as perseguições, Maria relata que começou a tremer em situações de nervosismo. Já Bianca conta que não consegue andar na rua sem olhar para trás: “não quero ser surpreendida”. Elisa desenvolveu crises de ansiedade e de pânico. “Se hoje tenho dificuldade em fazer amizades novas e em confiar nas pessoas, a culpa é dele.”

Segundo o psicoterapeuta, fazer atividades com outras pessoas ajuda as vítimas a seguir em frente. “Manter-se em grupo é importante.”

A delegada Celi Paulino Carlota alerta que é preciso muito mais que a lei Maria da Penha para proteger as mulheres. Ela defende que haja uma mudança na mentalidade por meio da educação e informação. "Com a mente machista, nem ele (o agressor) tem noção que o que está fazendo é crime."

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Fonte: Terra
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