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MPF vai recorrer pela condenação major da ditadura

16 mar 2012 - 19h58
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O Ministério Público Federal decidiu recorrer da decisão do juiz João César Otoni de Matos, para que o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió seja processado pelos crimes de sequestro contra guerrilheiros do Araguaia na década de 1970, quando o oficial ocupava o posto de major do Exército. De acordo com o órgão, os procuradores da República do Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo que atuam no caso já estão trabalhando no recurso que será dirigido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Na decisão de não receber a denúncia criminal contra Curió, o juiz Otoni Matos considerou que a Lei da Anistia impede qualquer tentativa de punir os crimes do coronel reformado. "Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", disse o juiz.

Para o MPF, a denúncia criminal contra Curió não questiona a Lei da Anistia e sim os precedentes do próprio STF em casos análogos, além de obedecer a decisão da Corte Interamericana, porque o Pacto Interamericano de Direitos Humanos foi assinado pelo Brasil e tem força de lei no País. "Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma decisão política absolutamente desastrosa em minha opinião, a adesão do Brasil tem que ser desfeita, isso tem que ser feito oficialmente. O país voluntariamente aderiu ao pacto e, a partir disso, precisa cumpri-lo, não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar", disse o procurador da República Ubiratan Cazetta, um dos responsáveis pelo caso.

"Estamos efetivamente dispostos a cumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos que deixou clara a obrigação brasileira de trazer a verdade sobres os fatos que ocorreram naquele momento, de dar uma satisfação às famílias que até hoje não sabem o que ocorreu com seus parentes e também a cumprir o precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre vítimas de desaparecimento forçado", disse Cazetta.

A decisão, citada pelo procurador, é a da Corte da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre os crimes cometidos por agentes da ditadura na guerrilha do Araguaia que determinou ao Brasil "conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária a investigação dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-lo, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções".

O procurador também relembra as decisões do STF em pedidos de extradição do governo argentino, no qual os ministros decidiram extraditar militares acusado de sequestro. "Embora tenham passado mais de trinta e oito anos do fato imputado ao extraditando (desaparecimento forçado de presos políticos), as vítimas até hoje não apareceram, nem tampouco os respectivos corpos, razão pela qual não se pode cogitar, por ora, de homicídio", disse o ministro Ricardo Lewandowski, relator de um dos casos.

"Não existe convicção de que as pessoas estão mortas, portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução processual", disse o procurador da República Tiago Rabelo, que atua em Marabá e trabalha há mais de dois anos colhendo depoimentos e testemunhos sobre as operações de repressão no Araguaia.

"O MPF considera insuficientes os fundamentos da decisão do juiz Otoni Matos, porque afirma que a Lei de Anistia é válida e alcança fatos passados, mas não considera que ela própria, expressamente, se refere a fatos ocorridos até 15 de agosto de 1979, não se aplicando, portanto, a condutas que se prolongam no tempo, como no caso do crime de sequestro referido na denúncia, de caráter permanente, já que não se sabe o paradeiro das vítimas" explica Tiago Rabelo. A permanência do crime é o argumento determinante para os procuradores da República que atuam no caso.

Os procuradores também ressaltam que a consumação do sequestro não depende necessariamente da manutenção da vitima em cativeiro, como sugere a decisão. "O próprio STF já teve a oportunidade de tipificar fato idêntico como sequestro qualificado", disse Rabelo. "Não estamos questionando a decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia. Ao negar que o processo criminal continue, a Justiça sim contraria, não só a Corte Interamericana, como o próprio STF, que permitiu extraditar militares para serem julgados pelos mesmos crimes imputados ao coronel Curió no Brasil", conclui o procurador Felício Pontes Jr.

Fonte: Terra
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