Legado de Vargas sobrevive 60 anos depois de sua morte
A morte de Getúlio Vargas, que completa 60 anos neste 24 de agosto, não pôs fim à liderança exercida pelo político duas vezes presidente do Brasil. Mesmo após seis décadas de sua ausência, Vargas mantém-se popular e tem o nome lembrado devido a realizações que mudaram o curso do País.
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Se é verdade que ele fortaleceu a indústria nacional e criou a legislação trabalhista ainda em vigor, também é sabido que o gaúcho de São Borja teve atos arbitrários em seu governo. Esse dualismo, inclusive, é a marca de Getúlio Vargas, na visão de historiadores e biógrafos ouvidos pelo Terra. Para eles, cada vez mais o político é lembrado de forma positiva por uma sociedade que enaltece seus resultados, mas não necessariamente os meios utilizados para alcançá-los.
Mas adjetivar a postura e o legado de Vargas não é tarefa fácil. Há quem o defina como um ditador e quem o descreva como um democrata. Também existem referências a ele como um presidente autoritário, ao mesmo tempo em que algumas correntes o defendem como um político de grande sensibilidade social.
Embora paradoxais, os diferentes modos de analisar Vargas não são excludentes. Para o jornalista Juremir Machado da Silva, doutor em Sociologia e professor da PUC-RS, autor de Getúlio (2004), o gaúcho soube se adaptar às circunstâncias na vida política sem abandonar suas convicções.
De acordo com Machado, o ex-presidente foi conservador no início de sua carreira política, ditador no primeiro governo e democrata no segundo mandato. “O Getúlio precisa ser visto como um homem do seu tempo. Ele era de uma época na qual o mundo todo era golpista e não havia uma tradição democrática. Por qualquer coisa, se fazia uma revolução”, pondera.
Seu primeiro mandato como presidente, vinculado à antiga Aliança Liberal, foi de 3 de novembro de 1930 a 29 de outubro de 1945, período no qual implantou o chamado Estado Novo. Sob o argumento de combater a ameaça comunista no País, Vargas fechou o Congresso Nacional, extinguiu os partidos políticos e outorgou uma nova Constituição, o que lhe conferiu o total controle do Poder Executivo.
Segundo o jornalista, o Estado Novo se encaixa no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), de centralização do poder e nacionalismo. Quando retornou à Presidência para o segundo mandato, iniciado em 31 de janeiro de 1951, quando filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Vargas era um político de nova visão.
“Acredito que, com o tempo, ele foi percebendo que não era mais possível aquilo (ditadura) e que tinha que consolidar uma democracia”, afirma. “Quando Getúlio voltou, já voltou modificado. De golpista, passou a ser golpeado”, completa, se referindo às conspirações para derrubá-lo do poder e que, por fim, culminariam em seu suicídio, três anos e meio depois.
Como o Brasil vê Getúlio
Ainda que seis décadas de sua morte tenham passado, Getúlio Vargas segue despertando debates, discursos apaixonados e sentimentos antagônicos, movidos em especial pelo conflito entre as suas realizações e o modo como elas tomaram forma.
“Há basicamente dois grupos: a favor ou contra, mas ninguém é indiferente ao Getúlio”, define Machado, para quem o gaúcho foi o político mais importante da história do Brasil. Como exemplo desse paradoxo, o professor e jornalista lembra de um embate eleitoral entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva: enquanto um sugeria o fim da chamada Era Vargas, o outro pregava a sua continuidade. Apesar das divergências, para Juremir, o Getúlio que ajudou a mudar o País é o que cada vez mais aparece.
Na opinião do doutor em História Marcelo Hornos Steffens, professor da Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais, a visão sobre quem foi Vargas apresenta variações regionais. No Rio de Janeiro, por exemplo, é comum “encontrá-lo” em diversas estátuas espalhadas pela cidade e em rico acervo documental e iconográfico no museu da República, instalado no antigo Palácio do Catete, e na sede da Fundação Getúlio Vargas.
Em Porto Alegre, capital do Estado natal do ex-presidente, Steffens lembra da existência de uma pequena torre junto à Praça da Alfândega, em referência à campanha “O petróleo é nosso”, além da reprodução da Carta Testamento de Vargas. O local ainda é visitado todos os anos, no dia do suicídio de Getúlio, por um pequeno grupo de pessoas.
Por outro lado, no Nordeste, Vargas possui um reconhecimento muito menor que o do ex-presidente Lula, por exemplo. Pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Maurício de Nassau, em Pernambuco, que questionava “qual era o melhor presidente do Brasil?”, trouxe o nome do gaúcho apenas na quarta colocação, com 1% dos votos - atrás, inclusive, da opção “Nenhum”. Neste estudo, Lula teve 89,9% da preferência dos entrevistados.
“A dinâmica da memória na sociedade tem uma íntima relação com o presente e deve-se ter o cuidado para não cairmos na criação de mitos em relação a certos personagens, evitando, por outro lado, o seu esquecimento. Nisso, acho que Getúlio ocupa um bom lugar”, afirma Steffens.
Apesar do maior apelo “getulista” nos Estados onde ele nasceu e onde governou, Vargas está representado em todo o País, a começar por dois municípios (Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul e em Presidente Getúlio, Santa Catarina), pelo distrito de Getulândia em Rio Claro, Rio de Janeiro, e por 66 cidades que possuem praças batizadas em sua alusão, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, conforme o registro dos Correios, há 336 municípios com logradouros (ruas, avenidas, travessas e alamedas) que levam o seu nome.
As realizações de Getúlio
1931: criou o Conselho Nacional do Café
1931: criou o Departamento de Correios e Telégrafos
1932: instituiu a Carteira de Trabalho
1933: estabeleceu o Código Eleitoral e, com ele, o voto secreto e o voto da mulher
1934: criou o Código Florestal
1938: instituiu o Conselho Nacional do Petróleo
1939: criou o Conselho de Águas e Energia Elétrica
1941: fundou a Companhia Siderúrgica Nacional
1942: criou a Companhia Vale do Rio Doce
1943: sancionou a lei que estabeleceu a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
1944: instituiu o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial
1952: criou o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico)
1952: fundou o Banco do Nordeste
1953: criou a Petrobras
1953: sancionou a lei sobre liberdade de imprensa
1954: apresentou a proposta de criação da Eletrobras