Nesta semana, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, se aposenta da mais alta corte do País. Ele ganhou destaque desde 2012, ao atuar como relator do processo do mensalão do PT, e representa um marco histórico por ser o primeiro presidente negro do STF. Barbosa, no entanto, também é conhecido pelo temperamento forte, o que fez com que se envolvesse em polêmicas com políticos, jornalistas e bate-bocas com colegas do tribunal. Confira a trajetória do ministro no STF: Primeiro presidente negro do STF Representa um marco histórico como primeiro presidente negro da Corte. Entre os ministros do STF, foi o terceiro negro, tendo sido precedido por Hermenegildo de Barros (de 1919 a 1937) e Pedro Lessa (de 1907 a 1921). Chegou ao STF indicado por Kakay Mineiro de Paracatu, Joaquim Barbosa chegou ao Supremo em 2003, indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por ironia do destino, sua cadeira na Corte foi negociada pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, defensor de poderosos em Brasília, inclusive do publicitário Duda Mendonça, réu no processo do mensalão. Kakay levou o nome de Barbosa a ninguém menos que José Dirceu, a quem o ministro condenou por corrupção ativa pelo envolvimento no esquema de compra de apoio político durante o primeiro mandato do governo Lula. Crédito: Carlos Humberto/STF/Divulgação Família humilde Barbosa é o primogênito de oito filhos de um pai pedreiro e uma mãe dona de casa. Aos 16 anos foi para Brasília, arranjou emprego na gráfica de um jornal e terminou o segundo grau, sempre estudando em colégio público. Obteve o bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, fez mestrado em Direito do Estado. Mestrado e doutorado na França Prestou concurso público e foi aprovado para o cargo de procurador da República, durante a gestão do ex-ministro Sepúlveda Pertence como procurador-geral. Licenciou-se do cargo e foi estudar na França, por quatro anos, tendo obtido seu mestrado em Direito Público pela Universidade de Paris-II em 1990 e seu doutorado em Direito Público pela mesma universidade em 1993. Fluente em cinco idiomas Retornou ao cargo de procurador no Rio de Janeiro e professor concursado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Fez estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha. É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol, além do português. Doença degenerativa Joaquim Barbosa toca piano e violino desde os 16 anos de idade, mas não pode mais exercer sua grande paixão, o futebol, por causa de uma sacroileíte, uma inflamação na base da coluna que o obriga a se revezar entrar ficar em pé e sentado no plenário para suportar as dores. O ministro passa a maior parte das sessões em pé e movimentando-se ou recostado sobre à cadeira. Além disso, passou a se licenciar com frequência. Crédito: Fabio Pozzebom/Agência Brasil Polêmicas Festa durante licença médica Em 2010, o ministro sofreu pressões para que voltasse definitivamente a suas funções ou se aposentasse, depois de ter sido fotografado em encontros com amigos numa festa e em bar de Brasília durante licença médica. À época, Barbosa afirmou que as fotos divulgadas retratavam momentos de lazer, aconselhados pelos seus médicos. Desentendimento com jornalistas Em 2013, Barbosa se desentendeu com um jornalista na saída da reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Abordado por repórteres, o ministro se negou a responder uma pergunta feita por Felipe Recondo, de O Estado de S. Paulo, e o mandou “chafurdar no lixo”. Meses depois, o ministro encaminhou ofício ao vice-presidente do STF, Ricardo Lewandowski, solicitando que ele reconsiderasse a decisão de manter em seu gabinete uma servidora que atua no tribunal desde 2000. A funcionária é mulher do jornalista. No documento, Barbosa afirmava que a manutenção da profissional seria "antiética" por sua relação com um repórter. Uso de dinheiro público Visto como guardião da ética por boa parte da população, Barbosa também teve que se defender de acusações sobre uso do dinheiro público. Em junho de 2013, Barbosa viajou às custas de recursos da Corte para assistir ao amistoso entre Brasil e Inglaterra, no Maracanã. Ele tem residência na cidade e acompanhou a partida ao lado do filho Felipe, no camarote do casal de apresentadores Luciano Huck e Angélica. Reforma de banheiro de R$ 90 mil O STF gastou R$ 90 mil para reformar os quatro banheiros do apartamento funcional que Barbosa ocupava. Ele decidiu mudar do apartamento funcional em que morava na Asa Sul, em Brasília, para um mais amplo, de 523 metros quadrados, na mesma região. Devolução de diárias de viagem Ele também devolveu parte das diárias que recebeu para uma viagem à Europa durante suas férias, em janeiro. Barbosa recebeu mais de R$ 14 mil para 11 dias de viagem a Paris e Londres, cidades onde o ministro foi convidado a proferir duas palestras. Segundo O Estado de S. Paulo, ele devolveu R$ 3.406,74 ao retornar ao Brasil. Aposentadoria Em maio de 2014, Barbosa anunciou a aposentadoria precoce para o final de junho, aos 59 anos. Pela legislação, ele poderia permanecer no tribunal até completar 70, idade-limite para servidores públicos continuarem na ativa. Candidato à Presidência Com a popularidade que adquiriu no processo do mensalão, no qual foi relator, o nome de Barbosa chegou a aparecer em algumas pesquisas de opinião para as eleições de 2014 a presidente da República. Barbosa negou a intenção de se candidatar neste ano, quando questionado em outubro de 2013, mas não descartou uma possibilidade futura. Após o anúncio da sua aposentadoria, essa possibilidade voltou a ser ventilada, mas já era inviável, pois a data-limite para descompatibilização como ministro para concorrer seria 5 de abril. O julgamento do mensalão Bate-bocas com Lewandowski Foi durante o julgamento do mensalão que o ministro ganhou maior destaque. Durante o processo, no entanto, ficou marcado por seu temperamento e por inúmeros bate-bocas com colegas em plenário, principalmente com o revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Durante o julgamento dos recursos em 2013, a sessão teve que ser suspensa após uma troca de farpas entre os dois. Lewandowski perguntou o motivo da "pressa" para concluir os trabalhos. "Nós queremos fazer nosso trabalho, e não chicana, ministro", respondeu Barbosa. O revisor pediu retratação imediata, logo depois negada pelo presidente do Supremo. Outro bate-boca entre os dois envolveu a pena de Marcos Valério. "Vossa excelência advoga para ele?", questionou Barbosa. "E vossa excelência é da promotoria", devolveu Lewandowski. "Ele está sempre defendendo (o réu)!", exclamou Barbosa quando outros ministros tentaram acalmar a situação. Depois de dois meses de julgamento, em pelo menos nove oportunidades os dois divergiram de forma mais ríspida. Em uma das discussões mais fortes, quando Lewandowski absolveu o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri, o ministro Marco Aurélio Mello pediu que Barbosa "policiasse sua linguagem", após nova exaltação do relator. Crédito: Nelson Jr./STF/Divulgação Rixa com Marco Aurélio Em novembro de 2012, o relator do mensalão mais uma vez se indispôs com Marco Aurélio. Em meio às argumentações do ministro durante seu voto, Barbosa manifestou insatisfação, e Marco Aurélio não gostou: "Cuide das palavras quando eu estiver falando", disse. “Eu sei utilizar muito bem o vernáculo”, respondeu o relator. O ministro retrucou: "Não sabe. Estamos no Supremo. Não cabe debochar". Antes disso, em setembro, Marco Aurélio chegou a afirmar que tinha medo da chegada de Barbosa à presidência do STF, quando Ayres Britto se aposentaria. Em resposta, Barbosa publicou uma carta dizendo que "jamais" tirou "proveito de relações de natureza familiar" para ascender profissionalmente, provocando Marco Aurélio, que foi indicado ao STF em 1990 pelo seu primo, o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Crédito: Nelson Jr./STF/Divulgação Suspende decisões de Lewandowski Joaquim Barbosa suspendeu várias decisões tomadas em suas férias de janeiro de 2014 pelo vice-presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, que assumira interinamente. Uma das decisões revogadas beneficiava o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado pelo mensalão e preso na Papuda. Lewandowski havia determinado que a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal analisasse o pedido de trabalho externo feito por Dirceu, mas Barbosa derrubou a decisão do colega. Crédito: STF/Divulgação Negou trabalho aos condenados O então presidente do Supremo também tomou uma série de decisões para derrubar liminares que garantiam o direito ao trabalho externo de pelo menos oito condenados no processo do mensalão. Segundo Barbosa, os presos devem cumprir um sexto da pena de regime semiberto para ter direito ao benefício. As decisões do ministro foram criticadas por várias entidades, entre elas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Crédito: Bruno Santos/Terra Expulsou advogado de Genoino do plenário Em junho de 2014, Barbosa mandou seguranças da Corte retirarem do plenário o advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende o ex-deputado José Genoino. O ministro deu a ordem após Pacheco subir à tribuna para pedir que o presidente liberasse para julgamento o recurso no qual Genoino diz que tem complicações de saúde e precisava voltar a cumprir prisão domiciliar. Ao ser abordado pelos seguranças, o advogado protestou: “Isso é abuso de autoridade! Isso é abuso de autoridade”. Joaquim Barbosa ainda retrucou: “Quem está abusando de autoridade é Vossa Excelência. A República não pertence a Vossa Excelência, nem à sua grei (grupo). Saiba disso”. Crédito: Nelson Jr./STF/Divulgação Lula Barbosa também se envolveu em uma troca de acusações públicas com o ex-presidente Lula, que em entrevista a uma TV portuguesa afirmou que o julgamento do mensalão foi “80% político”. Para Barbosa, a fala do petista foi “um fato grave que merece o mais veemente repúdio”. ABA Julgamentos e polêmicas em 11 anos de Corte Aborto de anencéfalos Em 2004, durante uma sessão na qual o plenário discutia uma liminar que havia permitido o aborto de um bebê anencéfalo, Barbosa discutiu com Marco Aurélio, autor da ação. Ele afirmou que o colega não poderia ter arbitrado sobre um assunto tão relevante monocraticamente. Após a sessão, Marco Aurélio disse que, se não estivessem no século 21, "certamente" ele e Barbosa teriam duelado. Em 2012, o plenário enfim decidiu, em conjunto, que aborto de anencéfalos não seria mais crime. Capangas de Gilmar Mendes Em 2009, Barbosa fez graves acusações contra o ministro Gilmar Mendes, dizendo que ele mantinha "capangas" no Mato Grosso. "Vossa Excelência não está na rua, não. Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. Vossa Excelência quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. O senhor respeite." Casamento gay O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Barbosa enquanto o ministro comandava a Suprema Corte, aprovou, em maio de 2013, uma resolução que, na prática, legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Até então, só era reconhecida a união estável entre homossexuais, julgada em 2011 pelo próprio STF. A partir da decisão do CNJ, os registros civis são obrigados a transformar a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo em casamento, se assim for solicitado. Cotas raciais Em abril de 2012, o STF aprovou, por unanimidade, a política de cotas raciais para ingresso na Universidade de Brasília (UnB). Único ministro negro na Corte, Barbosa afirmou que a discriminação é “absolutamente enraizada na sociedade e, de tão enraizada, as pessoas não a percebem”. “É natural que as ações afirmativas sofram um influxo de forças contrapostas e atraiam resistência da parte daqueles que historicamente se beneficiam da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários”, disse Barbosa em seu voto. mais especiais de notícias